Preso em regime domiciliar desde 4 de agosto de 2025, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) começa a ser julgado nesta terça-feira, 2 de setembro, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Bolsonaro é acusado de organização criminosa armada, golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Entretanto, ele não é o primeiro ex-presidente do Brasil a ter que se explicar na Justiça. Na verdade, é o sétimo entre os oito presidentes desde a redemocratização.
Desde a redemocratização e a eleição de Tancredo Neves (MDB), em 1985, o único presidente que seguiu na vida pública sem sofrer uma acusação formal foi Fernando Henrique Cardoso.
Entenda por que os ex-presidentes foram indiciados e qual o motivo de Bolsonaro estar sendo julgado pelo STF.
Tancredo Neves foi eleito presidente do Brasil em 15 de janeiro de 1985, marcando o fim do regime ditatorial que comandava o País desde 1964.
Tancredo, no entanto, não chegou nem a tomar posse. Com um quadro grave de diverticulite e doenças associadas, o presidente eleito morreu em 21 de abril do mesmo ano.
"Eu não merecia isso", teria dito no leito do hospital. Quem assumiu o comando do Planalto foi seu vice, o maranhense José Sarney (MDB).
Ele liderou o processo de redemocratização, mas também entrou para a história por ser incluído em uma lista complicada: a dos presidentes brasileiros a enfrentarem processos judiciais no exercício de cargos públicos.
De Sarney a Bolsonaro: 7 dos 8 presidentes sentaram no banco dos réus
Da lista, o primeiro caso a ganhar projeção nacional foi o do então presidente Fernando Collor (na época, do PRN). Envolvido em uma série de escândalos de corrupção, o alagoano renunciou ao cargo horas antes de ser condenado pelo Senado Federal por crime de responsabilidade, perdendo os direitos políticos por oito anos.
Collor retornou à vida pública anos depois, elegendo-se senador em 2007 pelo PTB. De lá para cá, manteve uma vida pública relativamente discreta, até ser acusado novamente em 2015. Porém, só uma década mais tarde o senador teve a prisão decretada.
Além de Bolsonaro, Collor foi o único ex-presidente a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Isso aconteceu porque o inquérito correu enquanto ele exercia o mandato como senador por Alagoas.
Lula (PT) foi julgado e condenado pela Justiça Federal, e Dilma Rousseff (PT) chegou a ser denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF), mas seu caso também correu na justiça comum.
Em 2017, o então presidente Michel Temer (MDB) foi citado em um inquérito que apurava a sua participação e a do ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (MDB) na suposta prática de obstrução de Justiça e organização criminosa.
À época, Temer já tinha assumido em definitivo a Presidência da República, então o STF entendeu que o juízo sobre a legalidade ou não das provas só poderia ser realizado se a Câmara dos Deputados autorizasse a abertura de processo criminal, o que não aconteceu.
Em 2021, quando Temer não era mais presidente, e com o avanço do processo, o caso foi remetido à Justiça Federal do Distrito Federal. Isso porque o foro especial por prerrogativa de função, conhecido coloquialmente como foro privilegiado, era exclusivo para pessoas acusadas formalmente no exercício do mandato — que não era mais o caso de Temer.
A questão só mudou em 2025. Mais precisamente em 12 de março, quando o plenário virtual do STF chegou a uma maioria de votos para mudar a jurisprudência.
A partir de então, autoridades com foro especial continuariam sendo julgadas diretamente pelo Supremo Tribunal, mesmo após o término de seus mandatos.
Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes lembrou que, em maio de 2018, no julgamento da questão de ordem na AP 937, o Plenário firmou entendimento de que o foro privilegiado só é aplicável a crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.
Assim, com a regra, a ação penal contra autoridade só permanecerá para julgamento no STF se a
Segundo o ministro, a nova posição visa a estabelecer um critério geral mais abrangente.
“O critério passa a ser focado na natureza do fato criminoso, e não em elementos que podem ser manobrados pelo acusado”, pontuou Gilmar.
Para o decano do Supremo, se a diplomação do parlamentar, por si só, não justifica o envio do processo para os tribunais, o encerramento do mandato também não deve ser motivo para o movimento contrário – retorno dos autos para a primeira instância.
Como noticiado pelo colunista do O POVO+ Carlos Mazza, parlamentares do núcleo bolsonarista têm apostado em uma articulação de última hora pela aprovação do Projeto de Lei da Anistia, que poderia abrir brecha para a absolvição do ex-presidente.
No início de agosto, deputados e senadores chegaram a ocupar Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, pressionando pela anistia de Bolsonaro.
Várias falas críticas à atuação do Supremo Tribunal Federal, em especial ao ministro Alexandre de Moraes, também marcaram as semanas que antecederam o julgamento.
No entanto, especialistas apontam que não há qualquer irregularidade no processo.
Marco Aurélio de Carvalho, jurista e coordenador do grupo Prerrogativas, afirma que o processo judicial envolvendo o ex-presidente Bolsonaro é uma medida "absolutamente conveniente, oportuna e justificada".
"Nós não queremos que o Bolsonaro esteja abaixo da lei, mas não podemos permitir que ele queira estar acima dela", afirmou em entrevista às Páginas Azuis do O POVO.
Na avaliação de Marcio Aith, advogado, jornalista e ex-secretário de comunicação do STF, manter o processo de Bolsonaro nas mãos do Supremo Tribunal foi importante para evitar que o grupo indiciado pudesse se rearticular politicamente.
"Ironicamente, é a mesma Corte cuja sede havia sido destruída nos atos do 8 de Janeiro e cujos ministros já eram alvos de críticas, fundadas e infundadas, além de toda sorte de contestações vindas do ex-presidente e de seus defensores", aponta.
Se condenados, Jair Bolsonaro e os outros réus podem cumprir até 43 anos de pena, mas somente serão presos após a ação transitar em julgado, depois que os eventuais recursos forem julgados.
Reportagens exploram recortes e significados do ritual de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais seis pessoas, acusados de tentativa de golpe e mais quatro crimes