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7 dos 8 presidentes pós-redemocrarização tiveram que se explicar na Justiça
Reportagem Seriada

7 dos 8 presidentes pós-redemocrarização tiveram que se explicar na Justiça

Bolsonaro foi acusado pela PGR de liderar trama golpista e começa a ser julgado hoje pelo Supremo; dos oito presidentes pós-ditadura, apenas Fernando Henrique Cardoso não sofreu implicações legais
Episódio 3

7 dos 8 presidentes pós-redemocrarização tiveram que se explicar na Justiça

Bolsonaro foi acusado pela PGR de liderar trama golpista e começa a ser julgado hoje pelo Supremo; dos oito presidentes pós-ditadura, apenas Fernando Henrique Cardoso não sofreu implicações legais
Episódio 3
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Preso em regime domiciliar desde 4 de agosto de 2025, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) começa a ser julgado nesta terça-feira, 2 de setembro, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Bolsonaro é acusado de organização criminosa armada, golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Entretanto, ele não é o primeiro ex-presidente do Brasil a ter que se explicar na Justiça. Na verdade, é o sétimo entre os oito presidentes desde a redemocratização.

7 dos 8 presidentes desde 1988 já tiveram que se explicar na Justiça(Foto: Tingey Injury Law Firm/Unsplash)
Foto: Tingey Injury Law Firm/Unsplash 7 dos 8 presidentes desde 1988 já tiveram que se explicar na Justiça

Desde a redemocratização e a eleição de Tancredo Neves (MDB), em 1985, o único presidente que seguiu na vida pública sem sofrer uma acusação formal foi Fernando Henrique Cardoso.

Entenda por que os ex-presidentes foram indiciados e qual o motivo de Bolsonaro estar sendo julgado pelo STF. 

 

 

 

Um a cada oito

Tancredo Neves foi eleito presidente do Brasil em 15 de janeiro de 1985, marcando o fim do regime ditatorial que comandava o País desde 1964.

Tancredo, no entanto, não chegou nem a tomar posse. Com um quadro grave de diverticulite e doenças associadas, o presidente eleito morreu em 21 de abril do mesmo ano. 

Tancredo Neves na Convenção Nacional do PMDB(Foto: Agência O Globo, em 16/1/1985)
Foto: Agência O Globo, em 16/1/1985 Tancredo Neves na Convenção Nacional do PMDB

"Eu não merecia isso", teria dito no leito do hospital. Quem assumiu o comando do Planalto foi seu vice, o maranhense José Sarney (MDB).

Ele liderou o processo de redemocratização, mas também entrou para a história por ser incluído em uma lista complicada: a dos presidentes brasileiros a enfrentarem processos judiciais no exercício de cargos públicos.

 

De Sarney a Bolsonaro: 7 dos 8 presidentes sentaram no banco dos réus 


 

Da lista, o primeiro caso a ganhar projeção nacional foi o do então presidente Fernando Collor (na época, do PRN). Envolvido em uma série de escândalos de corrupção, o alagoano renunciou ao cargo horas antes de ser condenado pelo Senado Federal por crime de responsabilidade, perdendo os direitos políticos por oito anos.

Collor retornou à vida pública anos depois, elegendo-se senador em 2007 pelo PTB. De lá para cá, manteve uma vida pública relativamente discreta, até ser acusado novamente em 2015. Porém, só uma década mais tarde o senador teve a prisão decretada. 

 

 

Por que Bolsonaro está sendo julgado no Supremo?

Além de Bolsonaro, Collor foi o único ex-presidente a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Isso aconteceu porque o inquérito correu enquanto ele exercia o mandato como senador por Alagoas.

Lula (PT) foi julgado e condenado pela Justiça Federal, e Dilma Rousseff (PT) chegou a ser denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF), mas seu caso também correu na justiça comum. 

Em 2017, o então presidente Michel Temer (MDB) foi citado em um inquérito que apurava a sua participação e a do ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (MDB) na suposta prática de obstrução de Justiça e organização criminosa. 

Michel Temer, ex-presidente da República, tinha perdido foro privilegiado(Foto: Cesar Itiberê/Presidência da República)
Foto: Cesar Itiberê/Presidência da República Michel Temer, ex-presidente da República, tinha perdido foro privilegiado

À época, Temer já tinha assumido em definitivo a Presidência da República, então o STF entendeu que o juízo sobre a legalidade ou não das provas só poderia ser realizado se a Câmara dos Deputados autorizasse a abertura de processo criminal, o que não aconteceu. 

Em 2021, quando Temer não era mais presidente, e com o avanço do processo, o caso foi remetido à Justiça Federal do Distrito Federal. Isso porque o foro especial por prerrogativa de função, conhecido coloquialmente como foro privilegiado, era exclusivo para pessoas acusadas formalmente no exercício do mandato — que não era mais o caso de Temer.

A questão só mudou em 2025. Mais precisamente em 12 de março, quando o plenário virtual do STF chegou a uma maioria de votos para mudar a jurisprudência.

A partir de então, autoridades com foro especial continuariam sendo julgadas diretamente pelo Supremo Tribunal, mesmo após o término de seus mandatos.

 

 

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes lembrou que, em maio de 2018, no julgamento da questão de ordem na AP 937, o Plenário firmou entendimento de que o foro privilegiado só é aplicável a crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

Assim, com a regra, a ação penal contra autoridade só permanecerá para julgamento no STF se a instrução processual "A instrução processual é a fase de um processo judicial ou administrativo dedicada à produção e recolha de provas para fundamentar a decisão de uma autoridade" já tiver sido concluída quando ela deixar o cargo.

Segundo o ministro, a nova posição visa a estabelecer um critério geral mais abrangente.

“O critério passa a ser focado na natureza do fato criminoso, e não em elementos que podem ser manobrados pelo acusado”, pontuou Gilmar.

Para o decano do Supremo, se a diplomação do parlamentar, por si só, não justifica o envio do processo para os tribunais, o encerramento do mandato também não deve ser motivo para o movimento contrário – retorno dos autos para a primeira instância.

 

 

Bolsonaro e o Supremo: justiça ou exagero?

Como noticiado pelo colunista do O POVO+ Carlos Mazza, parlamentares do núcleo bolsonarista têm apostado em uma articulação de última hora pela aprovação do Projeto de Lei da Anistia, que poderia abrir brecha para a absolvição do ex-presidente.

No início de agosto, deputados e senadores chegaram a ocupar Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, pressionando pela anistia de Bolsonaro.

Várias falas críticas à atuação do Supremo Tribunal Federal, em especial ao ministro Alexandre de Moraes, também marcaram as semanas que antecederam o julgamento.

Eduardo Bolsonaro, Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes: personagens da semana às véspera do julgamento do ex-presidente (Foto: Mario Agra / Câmara dos Deputados | Evaristo Sá/AFP | Fellipe Sampaio/STF)
Foto: Mario Agra / Câmara dos Deputados | Evaristo Sá/AFP | Fellipe Sampaio/STF Eduardo Bolsonaro, Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes: personagens da semana às véspera do julgamento do ex-presidente

No entanto, especialistas apontam que não há qualquer irregularidade no processo.

Marco Aurélio de Carvalho, jurista e coordenador do grupo Prerrogativas, afirma que o processo judicial envolvendo o ex-presidente Bolsonaro é uma medida "absolutamente conveniente, oportuna e justificada".

"Nós não queremos que o Bolsonaro esteja abaixo da lei, mas não podemos permitir que ele queira estar acima dela", afirmou em entrevista às Páginas Azuis do O POVO.

Na avaliação de Marcio Aith, advogado, jornalista e ex-secretário de comunicação do STF, manter o processo de Bolsonaro nas mãos do Supremo Tribunal foi importante para evitar que o grupo indiciado pudesse se rearticular politicamente.

"Ironicamente, é a mesma Corte cuja sede havia sido destruída nos atos do 8 de Janeiro e cujos ministros já eram alvos de críticas, fundadas e infundadas, além de toda sorte de contestações vindas do ex-presidente e de seus defensores", aponta. 

Se condenados, Jair Bolsonaro e os outros réus podem cumprir até 43 anos de pena, mas somente serão presos após a ação transitar em julgado, depois que os eventuais recursos forem julgados. 

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