O ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), foi uma das figuras centrais no julgamento da denúncia envolvendo a trama golpista instaurada no governo Bolsonaro.
Com o voto de Zanin, a Primeira Turma confirmou a condenação do ex-presidente Bolsonaro por ser o chefe de uma organização criminosa armada que tentou um golpe de Estado no Brasil. O placar foi de 4 a 1 pela condenação, e o ministro Luiz Fux foi o único a divergir.
Mas antes mesmo do início das sessões, na terça-feira, 2 de setembro, sua mera presença na Primeira Turma gerou debates e ganhou destaque no cenário jurídico nacional.
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro havia solicitado o impedimento de Cristiano Zanin sob a alegação de que, antes de sua indicação ao STF, o ministro atuou como advogado da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva e ingressou com ações contra a chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022.
Para os advogados, tal histórico poderia comprometer a imparcialidade de Zanin no julgamento.
No entanto, tanto o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, quanto o plenário da Corte, entenderam que as situações citadas não configuram impedimentos legais à atuação de Zanin.
À época, Barroso ressaltou que os argumentos da defesa não se enquadram nas hipóteses previstas para impedimento.
Mas foi o plenário do STF quem selou a participação de Zanin, Flávio Dino e Alexandre de Moraes no julgamento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros acusados pela trama golpista.
O placar foi unânime para manter Zanin no caso, enquanto a manutenção de Moraes e Dino teve uma divergência do ministro André Mendonça, indicado ao STF pelo ex-presidente Bolsonaro.
Cristiano Zanin Martins, de 47 anos, foi indicado ao STF pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2023.
Formado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1999, Zanin é reconhecido como especialista em litígios estratégicos e decisivos, tanto empresariais quanto criminais, em âmbitos nacional e transnacional.
Sua atuação mais notória antes de chegar à Corte foi como advogado do então ex-presidente Lula nos processos da Operação Lava Jato, trabalho que culminou na anulação das condenações de Lula pelo próprio STF.
Zanin também liderou o processo que levou a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas a reconhecer que a prisão de Lula em 2018 violou o devido processo legal e seus direitos políticos.
Além de sua prática jurídica, Zanin é cofundador do escritório Zanin Martins Advogados, e junto com sua esposa, a advogada Valeska Teixeira Zanin, do Instituto Lawfare.
O casal assina a autoria do livro Lawfare: uma introdução (2019), obra que aborda o conceito de
O instituto foi criado em 2017 a partir da constatação do uso estratégico do direito para fins ilegítimos em diversos países.
Zanin também atuou como professor de direito civil e de direito processual civil na Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp).
Indicado aos 47 anos para o STF, Cristiano Zanin pode exercer a função de ministro da Corte por até 28 anos, quando deverá se aposentar compulsoriamente aos 75 anos, o que o posiciona como uma figura com potencial de longa influência no mais alto tribunal do País.
Com sua participação assegurada, Zanin proferiu seu voto na Primeira Turma do STF, colegiado responsável por analisar a admissibilidade da denúncia.
O ministro iniciou afirmando a competência do STF e da Primeira Turma para analisar o caso.
Ele também refutou a tese de cerceamento de defesa, argumentando que, como advogado, já lidou com vastos volumes de material probatório, inclusive sem disponibilização digital, e que o trabalho das defesas foi facilitado pela Suprema Corte.
Zanin foi enfático ao concluir que havia, sim, provas suficientes nos autos para inferir que os acusados pretendiam romper com o Estado Democrático de Direito.
Ele destacou que a estabilidade da organização e o direcionamento das ações antes e depois das eleições de 2022 revelam a "continuidade de um projeto para a manutenção de um grupo específico no poder, independentemente da vontade popular".
Para o ministro, "a responsabilização adequada é fundamental para a pacificação social e a manutenção do Estado Democrático de Direito". A fala foi uma das muitas referências diretas ao voto do ministro Luiz Fux, o único a divergir e inocentar a maioria dos reús.
Durante o julgamento, Zanin chegou a classificar como "coação institucional" uma fala do ex-presidente Bolsonaro que ordenava o arquivamento de inquéritos no Supremo.
Na leitura de seu voto, o ministro apontou, também, que os crimes contra Estado democrático de Direito não ocorrem só quando ele é "impedido", mas também quando é "restringido".
Zanin diz que as "ameaças públicas aos poderes tinham capacidade de afetar livre exercício do judiciário, tanto que houve um esforço muito grande para preservar o processo eleitoral".
O ministro Flavio Dino pediu a palavra para falar sobre o pedido de investigação que fez na quarta-feira a respeito de ameaças feitas nas redes, diante da repercussão dos protestos no Nepal, onde manifestantes incendiaram o parlamento e tocaram fogo na casa de políticos.
"Passaram o dia fazendo milhares de postagens que eu devia ir ao Nepal, que o Nepal vai ser aqui, que iam tocar fogo na casa das pessoas. Eu me preocupo porque essas coisas ganham materialidade", disse Dino.
Os ministros Flávio Dino e Cármen Lúcia usaram uma metáfora sobre saúde para comparar o papel do julgamento da suposta trama golpista que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro no futuro da democracia brasileira.
Cármen Lúcia voltou a comparar o golpismo liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro a um “vírus” que se instala na sociedade, com o poder de matá-la.
“Esta corrosão interna é um vírus, mesmo. O corpo e a pessoa estão ali, mas está com doença gravíssima e vai morrer. É insidioso, invisível e, portanto, num dia, você tem uma dor no braço, mas se eu for no especialista, ele vai dizer que é problema de alergia. Até uma hora em que [se conclui]: isto tinha um núcleo doente que foi se espalhando e contaminando o corpo inteiro”, disse a ministra.
“À saúde política e jurídica no Estado democrático de Direito existe o que vale para nós, seres humanos: pessoa inteligente cuida da saúde para não tratar da doença", completou a decana da Primeira Turma.
Flávio Dino prosseguiu com a metáfora. “Esse julgamento, ministra Cármen, é um check-up da democracia”.
No que Cármen Lúcia respondeu: “E eu espero que seja, este julgamento, um remédio para que [a doença] não volte com frequência. A recidiva não é boa”.
As falas intercaladas dos ministros no dia 11 de setembro fizeram, em vários momentos, referências às ações controversas do governo Bolsonaro durante a Pandemia, além de darem justificativas complementares que vão totalmente de encontro ao único voto contrário.
Além de Bolsonaro, também foram condenados:
Mesmo com a condenação de Bolsonaro confirmada, sua prisão não deve ser imediata.
O próximo passo é a divulgação do acórdão, o documento oficial com a decisão do tribunal. A expectativa é que esse processo demore cerca de 60 dias, mas pode ocorrer antes, visto que a publicação do acórdão da decisão que tornou Bolsonaro réu, em abril de 2025, ocorreu em 15 dias.
Após a publicação, a defesa terá um prazo de cinco dias para apresentar os embargos de declaração e 15 dias para os embargos infringentes.
A prisão só acontece após o chamado trânsito em julgado, quando não há mais possibilidade de recursos e a decisão se torna definitiva.
Os embargos de declaração servem para esclarecer pontos obscuros no acórdão, como ambiguidades, contradições ou omissões, e podem até mesmo resultar na redução da pena. Eles não alteram o mérito da decisão, ou seja, se a pessoa é culpada ou inocente.
Já os embargos infringentes podem mudar o resultado do julgamento, mas só se houver pelo menos dois votos a favor da absolvição.
Existe, porém, um debate jurídico sobre se embargos infringentes são aplicáveis quando a divergência é sobre a dosimetria da pena (o cálculo da pena) e não sobre a condenação em si.
No Brasil, sentenças com mais de oito anos são, geralmente, cumpridas em regime fechado, mas há a possibilidade de prisão domiciliar para pessoas com mais de 70 anos e com problemas de saúde graves. Bolsonaro, por exemplo, se enquadra nessa situação.
Reportagens exploram recortes e significados do ritual de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais seis pessoas, acusados de tentativa de golpe e mais quatro crimes