Logo O POVO+
Zanin: de advogado do PT a algoz de Bolsonaro, narrativas conflitantes cercam o presidente da Turma
Reportagem Seriada

Zanin: de advogado do PT a algoz de Bolsonaro, narrativas conflitantes cercam o presidente da Turma

Com o voto de Zanin no sexto dia do julgamento, a Primeira Turma do STF concluiu a condenação do ex-presidente Bolsonaro e sete aliados pela trama golpista. O placar foi de 4 a 1e o ministro Luiz Fux foi o único a divergir
Episódio 13

Zanin: de advogado do PT a algoz de Bolsonaro, narrativas conflitantes cercam o presidente da Turma

Com o voto de Zanin no sexto dia do julgamento, a Primeira Turma do STF concluiu a condenação do ex-presidente Bolsonaro e sete aliados pela trama golpista. O placar foi de 4 a 1e o ministro Luiz Fux foi o único a divergir
Episódio 13
Tipo Notícia Por

 

 

O ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), foi uma das figuras centrais no julgamento da denúncia envolvendo a trama golpista instaurada no governo Bolsonaro.

Com o voto de Zanin, a Primeira Turma confirmou a condenação do ex-presidente Bolsonaro por ser o chefe de uma organização criminosa armada que tentou um golpe de Estado no Brasil. O placar foi de 4 a 1 pela condenação, e o ministro Luiz Fux foi o único a divergir.

Mas antes mesmo do início das sessões, na terça-feira, 2 de setembro, sua mera presença na Primeira Turma gerou debates e ganhou destaque no cenário jurídico nacional.

 

 

Impedido ou isento? A batalha judicial de Bolsonaro contra Zanin 

A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro havia solicitado o impedimento de Cristiano Zanin sob a alegação de que, antes de sua indicação ao STF, o ministro atuou como advogado da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva e ingressou com ações contra a chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022.

Para os advogados, tal histórico poderia comprometer a imparcialidade de Zanin no julgamento.

No entanto, tanto o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, quanto o plenário da Corte, entenderam que as situações citadas não configuram impedimentos legais à atuação de Zanin.

Ministro do STF, Luís Roberto Barroso (Foto:  Carlos Moura/STF)
Foto: Carlos Moura/STF Ministro do STF, Luís Roberto Barroso

À época, Barroso ressaltou que os argumentos da defesa não se enquadram nas hipóteses previstas para impedimento.

Mas foi o plenário do STF quem selou a participação de Zanin, Flávio Dino e Alexandre de Moraes no julgamento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros acusados pela trama golpista.

O placar foi unânime para manter Zanin no caso, enquanto a manutenção de Moraes e Dino teve uma divergência do ministro André Mendonça, indicado ao STF pelo ex-presidente Bolsonaro.

 

 

A carreira pregressa do ministro 

Cristiano Zanin Martins, de 47 anos, foi indicado ao STF pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2023.

Formado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1999, Zanin é reconhecido como especialista em litígios estratégicos e decisivos, tanto empresariais quanto criminais, em âmbitos nacional e transnacional.

Sua atuação mais notória antes de chegar à Corte foi como advogado do então ex-presidente Lula nos processos da Operação Lava Jato, trabalho que culminou na anulação das condenações de Lula pelo próprio STF.

O presidente da Primeira Turma do STF, ministro Cristiano Zanin(Foto: Antonio Augusto/STF)
Foto: Antonio Augusto/STF O presidente da Primeira Turma do STF, ministro Cristiano Zanin

Zanin também liderou o processo que levou a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas a reconhecer que a prisão de Lula em 2018 violou o devido processo legal e seus direitos políticos.

Além de sua prática jurídica, Zanin é cofundador do escritório Zanin Martins Advogados, e junto com sua esposa, a advogada Valeska Teixeira Zanin, do Instituto Lawfare.

O casal assina a autoria do livro Lawfare: uma introdução (2019), obra que aborda o conceito de lawfare "uso ou manipulação das leis e procedimentos legais como instrumento de combate e intimidação a um oponente, desrespeitando os procedimentos legais e dos direitos do indivíduo que se pretende eliminar (Fonte: CNN)" – o uso indevido e o abuso da lei para fins políticos e militares.

Ministro Cristiano Zanin, do STF, no julgamento de Jair Bolsonaro(Foto:  EVARISTO SA / AFP)
Foto: EVARISTO SA / AFP Ministro Cristiano Zanin, do STF, no julgamento de Jair Bolsonaro

O instituto foi criado em 2017 a partir da constatação do uso estratégico do direito para fins ilegítimos em diversos países.

Zanin também atuou como professor de direito civil e de direito processual civil na Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp).

Indicado aos 47 anos para o STF, Cristiano Zanin pode exercer a função de ministro da Corte por até 28 anos, quando deverá se aposentar compulsoriamente aos 75 anos, o que o posiciona como uma figura com potencial de longa influência no mais alto tribunal do País.

 

 

O Voto de Zanin na Primeira Turma

Com sua participação assegurada, Zanin proferiu seu voto na Primeira Turma do STF, colegiado responsável por analisar a admissibilidade da denúncia.

O ministro iniciou afirmando a competência do STF e da Primeira Turma para analisar o caso.

Ele também refutou a tese de cerceamento de defesa, argumentando que, como advogado, já lidou com vastos volumes de material probatório, inclusive sem disponibilização digital, e que o trabalho das defesas foi facilitado pela Suprema Corte.

Ministros do STF durante julgamento de Jair Bolsonaro na quinta-feira, 11 de setembro de 2025(Foto: EVARISTO SA / AFP)
Foto: EVARISTO SA / AFP Ministros do STF durante julgamento de Jair Bolsonaro na quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Zanin foi enfático ao concluir que havia, sim, provas suficientes nos autos para inferir que os acusados pretendiam romper com o Estado Democrático de Direito.

Ele destacou que a estabilidade da organização e o direcionamento das ações antes e depois das eleições de 2022 revelam a "continuidade de um projeto para a manutenção de um grupo específico no poder, independentemente da vontade popular".

Para o ministro, "a responsabilização adequada é fundamental para a pacificação social e a manutenção do Estado Democrático de Direito". A fala foi uma das muitas referências diretas ao voto do ministro Luiz Fux, o único a divergir e inocentar a maioria dos reús. 

Ministro Luiz Fux divergiu de outros membros da Primeira Turma do STF(Foto: EVARISTO SA / AFP)
Foto: EVARISTO SA / AFP Ministro Luiz Fux divergiu de outros membros da Primeira Turma do STF

Durante o julgamento, Zanin chegou a classificar como "coação institucional" uma fala do ex-presidente Bolsonaro que ordenava o arquivamento de inquéritos no Supremo.

Na leitura de seu voto, o ministro apontou, também, que os crimes contra Estado democrático de Direito não ocorrem só quando ele é "impedido", mas também quando é "restringido".

Zanin diz que as "ameaças públicas aos poderes tinham capacidade de afetar livre exercício do judiciário, tanto que houve um esforço muito grande para preservar o processo eleitoral".

Ministro Flávio Dino (STF) votou em julgamento de trama golpista na terça-feira, 9 de setembro de 2025(Foto: Gustavo Moreno/STF)
Foto: Gustavo Moreno/STF Ministro Flávio Dino (STF) votou em julgamento de trama golpista na terça-feira, 9 de setembro de 2025

O ministro Flavio Dino pediu a palavra para falar sobre o pedido de investigação que fez na quarta-feira a respeito de ameaças feitas nas redes, diante da repercussão dos protestos no Nepal, onde manifestantes incendiaram o parlamento e tocaram fogo na casa de políticos.

"Passaram o dia fazendo milhares de postagens que eu devia ir ao Nepal, que o Nepal vai ser aqui, que iam tocar fogo na casa das pessoas. Eu me preocupo porque essas coisas ganham materialidade", disse Dino.

Os ministros Flávio Dino e Cármen Lúcia usaram uma metáfora sobre saúde para comparar o papel do julgamento da suposta trama golpista que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro no futuro da democracia brasileira.

Cármen Lúcia, ministra do STF, ao lado de Alexandre de Moraes(Foto: Antonio Augusto/STF)
Foto: Antonio Augusto/STF Cármen Lúcia, ministra do STF, ao lado de Alexandre de Moraes

Cármen Lúcia voltou a comparar o golpismo liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro a um “vírus” que se instala na sociedade, com o poder de matá-la.

“Esta corrosão interna é um vírus, mesmo. O corpo e a pessoa estão ali, mas está com doença gravíssima e vai morrer. É insidioso, invisível e, portanto, num dia, você tem uma dor no braço, mas se eu for no especialista, ele vai dizer que é problema de alergia. Até uma hora em que [se conclui]: isto tinha um núcleo doente que foi se espalhando e contaminando o corpo inteiro”, disse a ministra.

“À saúde política e jurídica no Estado democrático de Direito existe o que vale para nós, seres humanos: pessoa inteligente cuida da saúde para não tratar da doença", completou a decana da Primeira Turma.

Flávio Dino prosseguiu com a metáfora. “Esse julgamento, ministra Cármen, é um check-up da democracia”.

No que Cármen Lúcia respondeu: “E eu espero que seja, este julgamento, um remédio para que [a doença] não volte com frequência. A recidiva não é boa”.

As falas intercaladas dos ministros no dia 11 de setembro fizeram, em vários momentos, referências às ações controversas do governo Bolsonaro durante a Pandemia, além de darem justificativas complementares que vão totalmente de encontro ao único voto contrário.

Além de Bolsonaro, também foram condenados:

 

 

Bolsonaro foi condenado: o que acontece agora? 

Mesmo com a condenação de Bolsonaro confirmada, sua prisão não deve ser imediata.

O próximo passo é a divulgação do acórdão, o documento oficial com a decisão do tribunal. A expectativa é que esse processo demore cerca de 60 dias, mas pode ocorrer antes, visto que a publicação do acórdão da decisão que tornou Bolsonaro réu, em abril de 2025, ocorreu em 15 dias.

Após a publicação, a defesa terá um prazo de cinco dias para apresentar os embargos de declaração e 15 dias para os embargos infringentes.

A prisão só acontece após o chamado trânsito em julgado, quando não há mais possibilidade de recursos e a decisão se torna definitiva.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (Foto: NELSON ALMEIDA / AFP)
Foto: NELSON ALMEIDA / AFP O ex-presidente Jair Bolsonaro

Os embargos de declaração servem para esclarecer pontos obscuros no acórdão, como ambiguidades, contradições ou omissões, e podem até mesmo resultar na redução da pena. Eles não alteram o mérito da decisão, ou seja, se a pessoa é culpada ou inocente.

Já os embargos infringentes podem mudar o resultado do julgamento, mas só se houver pelo menos dois votos a favor da absolvição.

Existe, porém, um debate jurídico sobre se embargos infringentes são aplicáveis quando a divergência é sobre a dosimetria da pena (o cálculo da pena) e não sobre a condenação em si.

No Brasil, sentenças com mais de oito anos são, geralmente, cumpridas em regime fechado, mas há a possibilidade de prisão domiciliar para pessoas com mais de 70 anos e com problemas de saúde graves. Bolsonaro, por exemplo, se enquadra nessa situação.

O que você achou desse conteúdo?