Diante da crescente intensificação da crise climática mundial, o conceito de justiça climática se torna cada vez mais relevante para os pequenos negócios. Pois é ela quem revela as desigualdades que permeiam a distribuição dos impactos e das responsabilidades, afetando diretamente a sustentabilidade e a resiliência desses empreendimentos.
A Organização das Nações Unidas (ONU) confirmou que tivemos, em 2024, o ano mais quente desde a era pré-industrial. A temperatura média global da superfície foi 1,55 °C, superior ao limite de 1,5°C do Acordo de Paris.
Nesse sentido, a COP30, que acontecerá no Brasil em novembro, é a oportunidade ideal para colocar as populações mais vulneráveis no centro do debate climático e cobrar posicionamento dos países mais ricos, que, coincidentemente, são os mais poluidores.
Para a economista Silvana Parente, é fundamental discutir a justiça climática no evento mundial, pois é preciso inserir as populações marginalizadas no âmbito da economia.
“No que diz respeito aos pequenos negócios, desde as microempresas a agricultura familiar, eles não só precisam ser financiados e capacitados para as tecnologias sustentáveis, como também os incluir nas novas oportunidades de geração de trabalho e renda. Com base na economia de impacto social, ambiental, dos serviços ambientais. E para tudo isso é preciso políticas públicas para suportar a transição climática com justiça social”, afirma.
Entidades e organizações no Brasil tem se mobilizado para o evento. Segundo o gerente-adjunto da Unidade de Políticas Públicas do Sebrae Nacional, Fausto Keske, os pequenos negócios são defendidos como parte importante dessa solução das mudanças climáticas.
Familiaridade com o tema das mudanças climáticas
“Do ponto de vista de políticas públicas, estamos preparando um manifesto, em processo de defesa de causa em relação às questões ligadas à mudança climática e a COP30. Para que o Sebrae possa ajudar o país a mitigar a emissão dos gases do efeito estufa”, informa.
Silvio Moreira, gestor de competitividade do Sebrae, consegue ir além dos desafios e ver oportunidades, como a dos pequenos negócios que trabalham com sustentabilidade se posicionarem para os clientes que já compreendem e escolhem empresas que tenham práticas alinhadas a agenda ESG e aos ODS da ONU.
“Para quem já está no mercado a adoção de práticas sustentáveis pode reduzir custos e tornar o negócio mais produtivo”, exemplifica o gestor, que cita que a entidade tem certificações para isso, como o Selo de Qualidade, que entre os critérios analisa o ESG, e o Selo ODS, que será disponibilizado em breve.
Outra entidade que trabalha a sustentabilidade é Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), por meio das federações e do Sesc e do Senac.
A diretora do Sesc e Senac, Marlea Nobre, acredita que a COP30 vem trazendo questões importantes quanto a redução de emissões de gases de efeito estufa e soluções de baixo carbono, entre outras pautas.
E, também, a justiça climática e os impactos sociais das mudanças climáticas. “Acreditamos que o Sistema Fecomércio, com o projeto Aquisição de Gêneros Através do Credenciamento de Cooperativas da Agricultura Familiar, vem contribuindo para os temas. Isso nos incentiva cada vez mais a aperfeiçoar e incluir outros projetos sustentáveis que contribuam com a Agenda 2030 e sua ampliação para 2050, que visa tornar o mundo um lugar socialmente mais justo”, declara.
Um exemplo no Ceará desse programa, que somente no Estado, movimentou R$ 27,8 milhões na aquisição direta de produtos de 22 cooperativas, é o agricultor Nonato Barbosa, que desde 1996 está no Assentamento Santa Bárbara, em Caucaia.
Ele é um dos cooperados da Santa Bárbara que produz hortifrutis, como banana, melão, hortaliças, poupas de frutas e cortes de frango e files de tilápia.
“Antes vendíamos apenas para programas governamentais, mas desde 2023 passamos a vender para o programa de venda direta do Sesc, o que nos ajudou muito e a ter trabalho todos os meses”, revela Nonato.
No primeiro ano, a entidade comprou cerca de R$ 8 milhões das cooperativas, em 2024 chegou a mais de R$ 18 milhões. “Esse programa nos trouxe esperança. E esse ano devemos ultrapassar R$ 30 milhões em vendas para eles”, prevê.
Há cerca de dois anos, mãe e filha, Regina Melo, 47, e Elisa, 21, moradoras do Jangurussu, em Fortaleza, começaram a empreender no ramo de bolsas. Mas perceberam que o material sintético gerava muito lixo. Então, começaram a desenvolver peças com resíduos têxteis, trabalhando, assim, com o upcycling,
termo em inglês, que significa reutilização.
Regina conta que a parceria para montar a marca, YBY, surgiu quando ela ficou desempregada e como a filha estava cursando moda, veio a ideia de confeccionarem bolsas. A média de valor dos produtos que fazem é R$ 150 e, com isso, conquistam uma renda média de dois salários-mínimos por mês. O
negócio cresceu e, a partir de julho, vão lançar roupas.
“Hoje, buscamos por bazares beneficentes para aquisição das peças, fazemos a curadoria toda e descosturamos. Reaproveitando todo o material e usamos, ainda, boias e colchões infláveis rasgados ou furados. Além de retalhos de lojas de tecidos doados”, detalha a microempresária.
Segundo dados do Sebrae, os modelos de negócios circulares têm previsão de abranger 23% do mercado de moda global até 2030, aproveitando uma oportunidade de US$ 700 bilhões.
A dupla viu no projeto da Enel, em parceria com o Sebrae, Incubadora de Negócios, uma oportunidade de potencializar a marca. “Estávamos procurando outros meios de ingressar no mercado, entender sobre planejamento estratégico e precificação correta. Fez muita diferença para desenvolver o
negócio”, esclarece.
Ana Cilana Braga, responsável pela responsabilidade social da Enel Ceará, acredita que a justiça climática busca soluções que sejam equitativas e inclusivas para moradores de áreas de risco, que são mais vulneráveis a enchentes, deslizamentos e ondas de calor. Sendo mulheres, crianças, idosos
e pessoas negras e periféricas o público mais impactado.
Diante disto, a justiça climática e a desigualdade social estão profundamente conectadas. “É nesta perspectiva que o programa Enel Compartilha Empreendedorismo, através do projeto Incubadora de Negócios, atua.
Estimulando pequenas empreendedores a transformar empreendedorismo por necessidade em empreendedorismo por oportunidade, superando a informalidade, profissionalizando sua atuação e alavancando resultados”, diz Ana.
Costurando desde os 20 anos, ofício que aprendeu com a tia do seu esposo, Francynete Fonseca, a Nete, viu uma oportunidade de negócio em um item muito descartado em eventos: os banners, aquelas sinalizações produzidas em lona.
“Um material que seria descartado no meio ambiente, no entanto, damos nova vida para ele, quando é reutilizado, aos invés de jogado fora”, alerta Nete, que há um ano e meio confecciona ecobags, bolsas térmicas, trocador e organizadores, todos feitos com banner.
Tudo começou quando o projeto Reciclocidades chegou até ela, quando fazia parte de um projeto social no bairro. Ele faz parte do portfólio de programas de Responsabilidade Social da Cagece desde 2009, ano em que aconteceu a primeira oficina de transformação de resíduos sólidos.
O projeto surgiu a partir de problemas reais da comunidade com interseção nas questões de meio ambiente, arte e responsabilidade social. Tem como foco pessoas acima de 16 anos, em situação de baixa renda ou em condição de vulnerabilidade, residentes na zona urbana de Fortaleza ou na Região
Metropolitana.
A proposta é trabalhar um conjunto a partir de três ideias básicas: RE - como coisa que repete, acontece mais de uma vez – a ideia de aproveitamento; Ciclo - como os estágios da própria vida em permanente transformação; Cidades, onde de fato a vida cotidiana acontece.
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“O Reciclocidades foi uma virada de chave. Foi por meio dele que aprendi a trabalhar utilizando outros materiais, que eu nunca tinha experimentado, saindo da lógica do tecido. Foi o furo na bolha, o pulo do gato”, celebra a costureira.
Sua produção é vendida em algumas feiras de artesanato, no projeto social do Bom Jardim e para a Cagece, por meio do projeto. As bolsas térmicas são vendidas a R$35, as ecobags R$ 18 e o organizador e o trocador a R$ 10 cada.
Atualmente, ela e 14 mulheres, que trabalham individualmente, idealizaram um ofício colaborativo na associação Giro Social, no Bom Jardim, bairro periférico em que reside.
Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), em parceria com o Sebrae, no segundo semestre do ano passado, apontou que a maior parte dos clientes, 76% consideram muito importante a adoção de ações voltadas para a inclusão social, tanto de seus empregados quanto das comunidades ao redor, por bares e restaurantes.
Quase o mesmo percentual dos clientes, 74%, consideram muito importante que o bar ou restaurante tenha práticas que minimizem ou reduzam o impacto do negócio no meio ambiente.
Ter ações voltadas para o bem-estar social da comunidade e dos empregados e ter práticas que promovam a eficiência energética e hídrica, aparecem com 73% e 70%, respectivamente.
Em funcionamento desde 1994, em Fortaleza, o Cantinho do Frango viu uma oportunidade de fazer algo pelo meio ambiente, e ainda gerar economia de recursos financeiros, ao introduzir uma agenda de sustentabilidade no empreendimento.
Entre algumas ações que desenvolvem está a coleta de reciclagem dos resíduos, semanalmente, por cooperativas de reciclagem, gerando renda e fomentando a economia colaborativa e circular. De janeiro de 2023 a abril de 2025 foram enviados mais de 30 toneladas.
Nesse mesmo período foram compostados 63 toneladas de resíduos orgânicos, resultando em 25 toneladas de adubo. O empreendimento também faz parte do programa do Sesc Mesa Brasil e doou alimentos in natura, provenientes do processo de preparo das refeições. Em 27 meses cedeu 75 toneladas para 14 instituições da capital cearense.
ESG: aderência a aspectos ambientais nos negócios
“Os colaboradores logo perceberam a mudança e muitas vezes compartilham e colocam em prática na suas vidas pessoais o que aprendem nos treinamentos e nas palestras. Já os clientes participam de campanhas e até perguntam como poderiam participar também de algumas ações externas que fazemos”, conta Amanda Fonseca, sócia-proprietária.
Para o futuro próximo, a pequena empresária quer colocar em prática os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), fazer parcerias e “mostrar para os empresários que cuidar do meio ambiente pode sim ser lucrativo”, defende.
O programa Sesc Mesa Brasil, formado por mais de 3 mil doadores - produtores rurais, atacadistas e varejistas, centrais de distribuição e abastecimento e indústrias de alimentos, além de empresas de diversos ramos de atividade - é uma rede nacional de bancos de alimentos que atua contra a fome e o desperdício.
Esses parceiros doam seus excedentes de produção, alimentos fora dos padrões de comercialização, mas em condições seguras, próprios para o consumo. O programa atende, prioritariamente, pessoas em situação de vulnerabilidade social e nutricional assistidas por entidades sociais cadastradas.
Além da doação de alimentos, promove, por meio da formação de agentes multiplicadores, ações educativas nas áreas de nutrição e serviço social, com o objetivo de promover a alimentação adequada, a reeducação alimentar e fortalecer a gestão das entidades sociais assistidas.
A frente de um negócio social criado no bairro Bom Jardim, região periférica de Fortaleza, a indígena Natalia Takanka, que responde como CEO do Giardino Buffet, revela que a filantropia é essencial para os empreendimentos de impacto, especialmente no contexto atual de desigualdades sociais e climáticas.
“É uma ponte entre o capital disponível e as soluções inovadoras e sustentáveis, que estão do outro lado. Dentro estão periferias, comunidades tradicionais e empreendimento liderados por grupos historicamente excluídos”, avalia. Seu negócio emprega somente mulheres e 90% são moradoras de
periferias.
A coordenadora da Coalizão Pelo Impacto Fortaleza, Carla Esmeraldo, concorda sobre a relevância da filantropia nesse ecossistema, pois ajuda a preencher lacunas de financiamento, impulsiona inovação e promove a inclusão de empreendedores que, muitas vezes, enfrentam barreiras estruturais.
“Além disso, a filantropia pode proporcionar conexões estratégicas e conhecimento técnico, fortalecendo o ecossistema e contribuindo para a perenidade dos negócios. Ao direcionar investimentos para soluções
socioambientais, os filantropos ajudam a viabilizar mudanças sistêmicas que beneficiam tanto a economia local quanto a sociedade em geral”, detalha Carla.
Outro aspecto desse contexto é que os negócios de impacto podem ser aliados estratégicos para impulsionar a agenda ESG de grandes empresas, na visão de Carla Duprat, diretora-executiva do ICE.
“Pois podem ofertar soluções, expertise e rede de relacionamento para que as grandes atinjam suas metas.
“Existem diversos modelos de negócios de impacto que estão desbravando e organizando novos mercados e que orientam e impulsionam a atuação das grandes empresas em torno de seus desafios de
resíduos, energia elogística”, exemplifica.
Natália Tatanka confirma, na prática, a necessidade do apoio à inovação e ao risco inicial que os negócios enfrentam. “É uma forma de redistribuição do poder. Rompendo com a lógica assistencialista indo para filantropia regenerativa, que redistribui poder, protagonismo e capital”, finaliza.
2 Fórum ESG O POVO
Data: 25/06/2025
Local: Auditório da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC) - Av.
Barão de Studart, 1980 - Aldeota
Horário: 13h às 18h
Inscrições: limitadas e gratuitas. Abertura nos próximos dias no Sympla.