Desconfiantes com os próprios governos, os jovens querem mais das Conferências das Partes (COPs). Peças cruciais do ecossistema político climático-ambiental mundial, as COPs reúnem delegados de praticamente todos os países para desenvolver políticas internacionais de combate à crise climática.
Em razão da crescente dificuldade de alcançar unanimidade nos acordos e de cumprir com os financiamentos climáticos, a sociedade civil alça a voz por justiça climática, por mais financiamento e pela inclusão e consideração de povos tradicionais e vulnerabilizados pela crise socioclimática e ambiental.
Os jovens latino-americanos são ainda mais incisivos: eles querem o protagonismo de seus países e soluções descolonizadas. “Devemos apresentar ao mundo a nossa resistência, que é crescer a partir da cultura. O sul global é o mais explorado, mas é o que mais tenta proteger a natureza”, defende a brasileira Karolina Guerrero, 29, estudante de Agroecologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Ela integra a delegação de jovens que irão à COP30 pelo Clima em Belém (PA) pela ONG Life of Pachamama, um coletivo socioambiental dirigido por adolescentes e jovens que promovem justiça climática, educação ambiental e participação social do sul global.
Karolina foi selecionada por meio de uma convocatória pública do Life of Pachamama, focada em juventudes indígenas, afrodescendentes, rurais, urbanas e de diferentes áreas de estudo.
“Nós queremos ativistas climáticos, mas também jovens que façam a diferença a partir da educação popular, da comunicação, da política pública, da ciência ou da arte”, explica Juan David Amaya, diretor-geral da organização.
Uma vez selecionados, eles passam por capacitações que envolvem diplomacia climática, arquitetura da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CMNUCC), mecanismos de participação, técnicas de incidência e cuidados coletivos.
“Nós não formamos espectadores, formamos negociadores, agentes de mudança e ativistas. O projeto é uma escola política e uma comunidade que continua acompanhando cada jovem depois das COPs”, afirma Amaya.
Com foco na agroecologia e na valorização dos conhecimentos tradicionais quilombolas, rurais e religiosos, Karolina é uma das representantes do Brasil na delegação. Para ela, a presença da sociedade civil é crucial para formar um contraponto ao próprio País na conferência.
“Eu não me sinto tão confiante quanto à representatividade (oficial) brasileira para além do discurso”, confessa. A estudante menciona a violência ambiental no Brasil que, apesar de não tão escancarada, segue colocando o País como o segundo que mais mata ambientalistas no mundo.
O dado é da ONG Global Witness. O relatório Voces silenciadas identificou, em 2023, o assassinato de 25 ambientalistas e defensores da terra no Brasil; de 2012 a 2023, foram 401 mortos. A Colômbia é o primeiro país com mais vítimas (79 só em 2023), encabeçando um top 10 com oito países latinoamericanos e caribenhos.
A violência contra ambientalistas e povos tradicionais contrasta com os discursos pró-climáticos brasileiros. Outra contradição está nos planos de abrir mais poços de petróleo, especialmente na Margem Equatorial e na Foz do Amazonas.
Segundo pesquisa da Datafolha, encomendada pela organização de responsabilização corporativa Eko e realizada entre os dias 8 e 9 de setembro de 2025, 61% dos brasileiros opinam que o presidente Lula (PT) deveria proibir a extração de petróleo na Foz do Amazonas. A rejeição aumenta entre os jovens de até 24 anos: 73% desaprovam o projeto da Petrobras.
Os combustíveis fósseis são responsáveis por 73% das emissões mundiais de gases de efeito estufa. Enquanto isso, a agropecuária é responsável por 12%, a mudança do uso da terra (desmatamento), 6,5%. Os dados são da plataforma Climate Watch.
Ainda que o Brasil não tenha papel tão grande no aquecimento global por uso de combustíveis fósseis, ele é um dos principais responsáveis pelas emissões dos últimos anos em agropecuária e desmatamento.
Apesar do discurso de liderança ambiental, o País segue apoiando a exploração de petróleo e subsidiando a expansão do agronegócio — inclusive na Amazônia, bioma protagonista nas conferências mundiais.
“Precisamos de justiça social e climática. Não tem como falar em mitigação climática no Brasil sem esses dois aspectos”, reforça Karolina.
A situação é ainda mais delicada para outros países latino-americanos. É o caso do Peru, representado na delegação do Life of Pachamama por Natalia Cirilo, 23, estudante de Direito.
Focada na área de direitos humanos, Natalia destaca os retrocessos no Peru dada a crise política — o país já passou por seis presidentes em somente sete anos, e enfrenta uma onda de protestos contra a corrupção e a violência.
“Atualmente, (o governo) está promovendo o extrativismo. Sou testemunha constante de como as autoridades se expressam sobre as comunidades (tradicionais e rurais)”, denuncia.
Ela exemplifica com a fala do ministro da Agricultura do Peru, Ángel Manero, em setembro de 2025: “Se tivermos que escolher entre dar água para a agricultura e dar água para a mineração, teremos que dar para a mineração, porque é a atividade que dá mais fluxo de caixa para o país. [...] A agricultura pode esperar, mas o projeto de mineração, não.”
O ministro defendeu-se afirmando que a frase foi tirada de contexto, e acrescentou que os ingressos financeiros gerados pela mineração permitirão construir a infraestrutura necessária para dar água à agricultura, como destacado pelo veículo La Vanguardia.
“Para além do discurso peruano, existem as políticas de economias ilícitas, como o tráfico e o extrativismo”, continua Natalia. “Falta uma separação de poderes. Prefiro ser realista e crítica (quanto à participação do Peru na COP30).”
Nesse contexto, o principal objetivo das jovens na COP30 é firmar parcerias com outras organizações da sociedade civil. Se a comunicação com os delegados oficiais de seus países se mostra dificultosa ou sem possibilidades de avanço, então é na ação civil que elas tentam reverter os efeitos das negociações internacionais incipientes.
O diretor-geral do Life of Pachamama, Juan David Amaya, comenta que os jovens vão à COP com instrumentos práticos para fazer lobbying em políticas públicas e muitos voltam a seus países com “sócios internacionais e conexões diretas com os fazedores de políticas”.
“Eles participam de side events, escrevem recomendações para textos oficiais e negociação com embaixadores ou tomadores de decisões”, descreve. “A nossa presença instalou espaços permanentes de juventude nas negociações climáticas nacionais, e hoje ex-delegados (do Life of Pachamama) encabeçam políticas públicas, redes regionais e processos participativos juvenis.”
Tudo isso incorporando à agenda climática os conceitos de dívida ecológica, racismo ambiental e o papel dos povos originários na defesa do planeta.
“Não podemos falar de justiça climática sem priorizar os povos indígenas”, defende Natalia, apoiada pela brasileira Karolina. “E não é que os povos indígenas sejam vulneráveis. Eles foram vulnerabilizados.”
Para as jovens, a América Latina precisa assumir protagonismo nas discussões climáticas justamente pelo histórico de formação social e pela diversidade social e ambiental.
“A América Latina tem o poder, ela é caracterizada por sua riqueza”, defende Natalia Cirilo. “Os recursos (de todo o mundo) partem da América Latina — para os outros continentes, somos um centro extrativista. A longo prazo, podemos mudar a forma econômica sem abandonar por completo o extrativismo (mas fazendo-o de forma mais sustentável e regenerativa).”
“Eu acho que ainda seguimos muito com a mentalidade de subdesenvolvimento, inculcada pelo nosso sistema educacional”, analisa a peruana. “Mas a América Latina pode se modernizar por si mesma, sem depender de outros países para se desenvolver. Precisamos começar a nos dar conta de quem nós somos e das nossas capacidades.”
“Não à toa, a agroecologia surge na América Latina”, complementa Karolina. “A agroecologia visa a compreender o contexto, não depende necessariamente de capital. Tentamos apresentar a ciência desse sistema com o cuidado para não ser uma ótica colonizadora, com metodologias participativas.”
É essa característica que os jovens levam à COP30. Do ponto de vista de Juan David Amaya, os jovens latino-americanos “não se aprendem em nenhum manual”, mas à “memória de nossas lutas, a urgência de nossas crises e a força de nossas soluções”.
“Somos herdeiros de cosmovisões que reconhecem que a vida não se negocia, e que o clima não é uma variável ambiental, mas um reflexo de sistemas injustos que temos que mudar”, defende. “Nossa missão é descolonizar a ação climática. Aportar soluções da comunidade, desafiar o poder em nossos contextos, tecer entre ciência, ativismo, política e cuidado. Nós não pedimos espaço: o exigimos com direito e com amor a nossa terra.”