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Mulheres e menopausa: o tabu que fica cada vez mais visível
Reportagem Seriada

Mulheres e menopausa: o tabu que fica cada vez mais visível

A reportagem seriada O que pensam as mulheres entrevista a ginecologista Lúcia Costa-Paiva sobre a etapa da vida das mulheres mais envolta ao silêncios e tabu. A menopausa resigna as mulheres aos sintomas sem a busca por tratamentos eficazes, além de impactar a autoestima e a saúde mental
Episódio 5

Mulheres e menopausa: o tabu que fica cada vez mais visível

A reportagem seriada O que pensam as mulheres entrevista a ginecologista Lúcia Costa-Paiva sobre a etapa da vida das mulheres mais envolta ao silêncios e tabu. A menopausa resigna as mulheres aos sintomas sem a busca por tratamentos eficazes, além de impactar a autoestima e a saúde mental
Episódio 5
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Na menopausa, quem não tem informação sofre mais

Ao lado de menstruação, menopausa é outra palavra do universo feminino curiosamente mágica, capaz de silenciar todos ao redor. Assim como a primeira menstruação, a menopausa é um momento específico que ocorre, em geral, entre os 45 e 55 anos de idade, em decorrência do gasto total de ovócitos "Como são chamados os óvulos antes de serem fecundados" . A partir dela, a produção de hormônios como o estrogênio vai caindo aos poucos, acarretando sintomas variados, como calorões, fadiga, perda de memória, ressecação vaginal e até depressão. 

O tabu envolvendo a menopausa, no entanto, força as mulheres a se resignarem aos sintomas e a não buscarem tratamentos eficazes, preocupante cenário de saúde pública ao lembrar que a população brasileira está envelhecendo. A médica ginecologista Lúcia Costa-Paiva explica o que é a menopausa, os avanços da Medicina sobre a especialidade e, principalmente, sobre como a sociedade encara o fenômeno e porquê ele é tão temido. 

 
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Lúcia Costa-Paiva

Ginecologista

É presidente da Comissão Especializada de Climatério da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), professora titular de Ginecologia na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Ambulatório de Menopausa - Unicamp.

 

 

O POVO+ - Quando foi que a Medicina começou a estudar, de fato, a menopausa do ponto de vista da saúde da mulher?

Lúcia Costa-Paiva - Como especialidade é uma coisa relativamente nova, digamos que a partir dos anos 1970, o que de fato é bem recente se a gente comparar com o tanto que conseguimos avançar em pesquisa.

As mulheres passavam pela menopausa achando que fazia parte do envelhecimento e que tinha que suportar os sintomas. E isso ao longo dos anos vem mudando, né? Embora ainda exista essa cultura, a gente hoje sabe que não é preciso sofrer. Se realmente os sintomas estiverem incomodando, temos opções terapêuticas bem eficazes, que possibilitam passar pela menopausa de uma forma menos incômoda.

OP+ - O que exatamente é a menopausa? É algo que você vai conviver o resto da vida ou ela é um período de transição que tem vários sintomas?

Lúcia - O período de transição é o climatério. É essa fase assim que a gente parte do período reprodutivo, no qual ela pode engravidar, para a fase não reprodutiva, que dura a vida toda. Esse período não tem uma idade muito fixa, porque é variável de mulher para mulher. Agora, a menopausa significa pausa da menstruação. É um dia na vida dela em que ela teve a última menstruação. Então, menopausa é um evento dentro do climatério.

É como se o climatério fosse a adolescência e, nela, a gente tem a primeira menstruação. É a mesma coisa: dentro do climatério, a gente tem a menopausa. É que na prática a gente acaba colocando a menopausa como se fosse um período, mas aí o correto seria pós-menopausa.

 

 

OP+ - E os sintomas são comuns para todas as mulheres?

Lúcia - Existe um leque de sintomas que conhecemos bem. Agora, o que cada uma vai ter depende muito. Para umas é mais a onda de calor, para outras pode ser mais a parte emocional, psicológica; para outras pode ser mais a parte vaginal… Tem aqueles mais comuns, sim, mas varia um pouco de mulher pra mulher.

E de novo, esses sintomas acontecem durante o climatério. No momento que você começa a ter esses sintomas, eles vão lhe acompanhando. E aí entra a questão de tratar (com tratamento hormonal) se eles forem muito intensos.

A última menstruação acontece por volta dos 50 anos. Essa é a média, mas é considerado normal entre 40 e 55 anos. Quando o ovário começa a dar sinais de falhar, já começam a ter esses sintomas no que a gente chama de perimenopausa, essa fase dos anos que antecedem a menopausa, porque ela não vai parar de menstruar de repente. Ela vai pular um mês, ou a menstruação que é regular fica aí dois, três anos variando… Então algumas mulheres já começam a ter esses sintomas na perimenopausa, e têm aquelas que não conseguem esperar a menopausa porque já está com sintomas fortes e, às vezes, a gente tem que começar a tratar antes.

Os sintomas são mais intensos nos primeiros três, cinco anos de menopausa. Depois eles tendem a durar em média sete anos a oito anos, mas vai ficando mais fácil, com o tempo vai diminuindo de intensidade alguns sintomas, por exemplo aqueles calorões que eu acho que é uma das que mais incomoda. Outros, como a parte vaginal, é ao contrário, com o passar dos anos ele vai piorar.

 

 

A voz dE.L.A.S: artigos de opinião

 

 

 

 


 

OP + - A impressão que eu tenho, inclusive conversando com outras mulheres, é que se fala muito pouco sobre menopausa, como se houvesse um medo de chegar lá. Como a senhora percebe isso?

Lúcia - Eu acho que é tabu mesmo, entendeu? Não tem muito tempo que a gente tá cuidando disso e tudo, mas não é uma doença. É uma coisa que, na época da minha avó, ou até da minha mãe, não existia tratamento e era considerado uma coisa natural, que vai passar, sofrer e acabou.

Assim como também se falava de primeira menstruação, a gente conversava desses assuntos como um tabu mesmo. Ainda é para muitas pessoas um tabu conversar desses assuntos, e essa é uma questão importante. Tem também um pouco de desconhecimento sobre o que vai passar, se tem alguma coisa para fazer… Eu acho que, se as mulheres sabem pouco sobre o assunto, elas também acabam não conversando muito a respeito.

E outra questão que também está ligada a isso é que a menopausa é um marco do fim do período reprodutivo. A juventude acabou, a partir de agora não é mais jovem, é a velhice. E, no passado, qual era a função da mulher? Era ficar em casa, cuidando da casa, de filho… E aí quando não podia mais fazer filho, ficou uma certa herança nesse sentido de pensar que ninguém quer falar nem o nome, para não passar essa ideia de envelhecimento, sabe? Então se esconde um pouquinho.

OP+ - Como esse silêncio impacta as mulheres, seja na relação com o próprio corpo, seja na percepção sobre si mesma?

Lúcia - Olha, a menopausa vai chegar para todo mundo. Mais cedo ou mais tarde, ela vai chegar, e se a gente tiver mais informação, um pouco de conhecimento do que vai passar, isso ajudaria, né?

Quem não tem essas informações vai sofrer muito mais, porque vai sentir os sintomas e, sem ter ajuda, vai ter o psicológico muito mais afetado. E hoje não precisa mais disso, a gente tem como ajudar em vários sentidos. Mas ela precisa saber disso para procurar ajuda, por isso o trabalho de divulgação, no próprio jornalismo também, é importante.

OP+ - Existe o conceito da pobreza menstrual, que é a falta de acesso à informação e a produtos de higiene para a menstruação. Existe algo parecido com a menopausa? A gente tem estrutura para acolher mulheres na menopausa?

Lúcia - Eu acho que a gente não tem estrutura nenhuma, né? Mas é uma condição que ao longo dos anos foi melhorando um pouquinho, mas ainda falta muito. Muitos médicos ainda não têm um conhecimento mais específico desse momento, então às vezes a paciente até vai ao médico, mas aí ele diz: ‘Ah, vai passar. Aguenta um pouco assim, vai passar.’

Lúcia Costa-Paiva é presidente da Comissão Especializada de Climatério da Febrasgo(Foto: Divulgação/Unicamp)
Foto: Divulgação/Unicamp Lúcia Costa-Paiva é presidente da Comissão Especializada de Climatério da Febrasgo

A gente também não tem nenhum recurso terapêutico público ainda. Com o tempo, por exemplo, apareceram os anticoncepcionais nas unidades básicas, mas para a menopausa não existe nada do ponto de vista de medicamento disponível. Então a questão financeira, social, pega muito. A gente não tem acesso ao tratamento, Mesmo que ela vá ao médico, não tem como dar um remédio, não tem condição de tratar hormonalmente, por exemplo. Então existe, sim, essa pobreza de falta de recursos.

Eu acho que precisamos dar um pouco mais de importância às condições de trabalho para a mulher na menopausa. Às vezes, precisa de uma condição um pouco diferente, adaptando o ambiente de trabalho para ser um pouco mais adequado para a menopausa. Por exemplo, eu fico imaginando uma mulher na menopausa que está passando pelas ondas de calor trabalhando em uma empresa de produtividade, numa fábrica… É muito ruim. É preciso garantir ambientes mais adequados, mais ventilados. Se puder ter um ar condicionado melhor ainda, né?

É questão de entender um pouco, de vez em quando ela precisa de um pouco mais de flexibilidade. Porque afeta até do ponto de vista psicológico, né? Com a menstruação é assim também. A gente começa a menstruar e está cansada, às vezes está triste… E não tem essa compreensão geral sobre isso.

 

 

Queremos te ouvir! 

Que tal responder à enquete abaixo e usar o campo dos comentários para discutir sobre a sua experiência com a menopausa? Você já passou pela menopausa? Foi um período com acolhimento? E para quem não passou, é algo que te assusta ou te preocupa? Vamos conversar nos comentários!

Expediente

  • Edição O POVO+ Fátima Sudário e Regina Ribeiro
  • Concepção do projeto Regina Ribeiro
  • Reportagem, dados e recursos Catalina Leite
  • Identidade visual Cristiane Frota e Camila Pontes
  • Edição de Design Cristiane Frota
  • Design Camila Pontes
  • Fotografia Fernanda Barros
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A segunda temporada do especial E.L.A.S. convida cinco mulheres e 15 articulistas para conversar sobre maternidade, trabalho, amor, corpo e menopausa