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Mercado de jogos de tabuleiro se reinventa, mas preços ainda pesam para o consumidor
Reportagem Seriada

Mercado de jogos de tabuleiro se reinventa, mas preços ainda pesam para o consumidor

O mercado nacional de jogos de mesa está se reinventando para ampliar seu público e reconquistar fãs, mas os preços seguem como obstáculo ao consumo em larga escala
Episódio 2

Mercado de jogos de tabuleiro se reinventa, mas preços ainda pesam para o consumidor

O mercado nacional de jogos de mesa está se reinventando para ampliar seu público e reconquistar fãs, mas os preços seguem como obstáculo ao consumo em larga escala
Episódio 2
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No imaginário popular brasileiro não é raro encontrarmos pessoas cujas infâncias foram marcadas por longas partidas de jogos de mesa regadas a risadas e um ótimo tempo de qualidade com amigos ou familiares.

Os protagonistas dessa lembrança nostálgica vão desde os mais tradicionais como dama ou mesmo dominó, até franquias clássicas como War (Grow), Monopoly (Hasbro), Uno (Mattel) ou Cara a Cara (Estrela).

Enquanto tais jogos asseguraram seus lugares canônicos na infância brasileira de modo geral, eles também fazem parte do movimento crescente de adeptos aos jogos de mesa no Brasil.

Contudo, o mercado de boardgames atual projeta experiências radicalmente diferentes para seus consumidores em relação a abordagem assumida há 10 anos com relação a temáticas, dinâmicas e propostas de jogabilidade. 

Enquanto o mercado busca se reinventar para abarcar novos públicos e reconquistar antigos fãs, os consumidores enfrentam preços que dificultam o acesso a este universo, que também chama atenção de terapeutas, professores e pesquisadores diante dos benefícios para saúde a partir do distanciamento das telas.

No segundo episódio da série de reportagens sobre jogos de tabuleiro, O POVO+ discute o mercado nacional de boardgames e como ele tem mudado, crescido e alcançado uma audiência cada vez mais diversa, apesar dos preços não serem atrativos ao consumidor final.   

  

 

O varejo de brinquedos 

Se entre 2018 e 2019 uma editora nacional como a Buró lançou sete jogos licenciados, em 2023 a mesma editora publicou 25 títulos, sendo 19 nacionais. O caso de expansão se reflete entre outras editoras consultadas pela reportagem e corroboram o cenário de apostas em lançamentos originais, tanto de títulos internacionais recém-licenciados no Brasil quanto de games totalmente brasileiros.

prateleira com jogos de mesa

Aumento nos lançamentos após 2019 reforça:

Os jogos analógicos saíram mais fortes da pandemia de Covid-19. O setor está sendo impulsionado não só por jogos infantis, mas também por produtos focados em jovens, adultos e famílias, com editoras buscando acomodar todos os nichos de consumo.

caixa da luderia Balboa's em Fortaleza

Jogos de mesa são destaque no mercado de brinquedos

Nos dados da Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos (Abrinq) referentes ao ano de 2024, o segmento de jogos — que nos dados da entidade abarca jogos de tabuleiro, cartas, figuras e memória — representa 13,1% das vendas totais no mercado nacional de brinquedos.

Em um recorte mais específico de jogos de tabuleiro, a Circana, empresa global de data tech para análise do comportamento de consumo, indica o faturamento de R$ 306 milhões apenas em 2023. O segmento cresceu 19% na comparação com 2021 e as estimativas indicam um alta constante em 2024.

O que esse número sozinho não mostra, entretanto, é a mudança de comportamento no consumo de brinquedos ao longo dos anos.

Em levantamento realizado pelo O POVO+, a partir dos anuários publicados pela Abrinq, é possível constatar que, desde 2007, ano de início da série histórica, o setor de jogos teve o segundo maior crescimento no mercado brasileiro nos últimos 16 anos, aumentando sua relevância no nicho em 6 pontos percentuais, ficando atrás apenas do crescimento da venda de itens esportivos, que aumentou 8,4 pontos percentuais em igual período.

Foi durante o isolamento social, resultado da pandemia de Covid-19, que os de jogos tiveram seu crescimento mais expressivo. Toda a indústria de brinquedos aumentou seu faturamento em decorrência da restrição de circulação, mas há uma ênfase dos analistas em produtos que poderiam ser desfrutados entre as famílias, como os jogos.

Após o crescimento durante o período pandêmico, o setor de jogos encerrou o ano de 2023 representando 13,1% do total das vendas de brinquedos no Brasil.  

 

Percentuais de vendas das linhas de brinquedos nos últimos 10 anos no Brasil

  

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Em Fortaleza, a tendência é que as vendas de jogos modernos continuem sendo dominadas por lojistas especializados. O professor Bruno Leitão, analista da Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL Fortaleza) e professor da Faculdade CDL, afirma que a competição nesse mercado ocorre de forma desigual entre grandes empresas e lojistas de médio e pequeno porte. 

"...se tenho uma marca exclusiva em Fortaleza que é específica, por exemplo, no segmento de jogos educativos para crianças autistas, tenho ali a possibilidade de criar um posicionamento estratégico na mente daqueles clientes que me diferencia dos demais" Bruno Leitão

Para ele, pequenos empreendimentos têm mais facilidade em acompanhar mudanças e lançamentos em nichos. Enquanto as maiores redes de varejo demoram para oferecer tendências em pequenos segmentos, já que cobrem um número maior de interesses. 

"Uma Amazon da vida, ela vende tudo, a Aliexpress vende tudo, porém se eu tenho uma marca exclusiva em Fortaleza que é específica, por exemplo, no segmento de jogos educativos para crianças autistas, eu tenho ali a possibilidade de criar um posicionamento estratégico na mente daqueles clientes que me diferencia dos demais."

Por isso, conforme analisa o especialista, o posicionamento estratégico dos varejistas locais acaba por ser determinante no relacionamento com o consumidor final, mas não possuí condições de influenciarem diretamente a precificação ou tendências da rede de produção de jogos em larga escala no Brasil.

 

 

Mercado em ascensão ou tendência de consumo passageira?

Apesar dos números chamativos, o presidente da Abrinq, Synesio Costa, é moderado ao avaliar as mudanças no varejo. Para ele, mesmo com a tendência de crescimento, os percentuais de vendas devem se estabilizar, com a mudança percebida na pandemia sendo temporária.  

Synesio Costa, presidente da Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos(Foto: Antonio Milena/ Divulgação Abrinq)
Foto: Antonio Milena/ Divulgação Abrinq Synesio Costa, presidente da Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos

“Falou-se muito do crescimento de jogos, 'mil por cento', mas é porque eram volumes muito pequenininhos. E quando se vendida um e vende três, já cresceu uma quantidade doida. Hoje a presença dos jogos é mais firme no ambiente da criança, no imaginário, no mundo dela, mas isso está estabilizado e não tem grandes alterações que a gente veja de agora para frente”, avalia.

Synesio afirma que, apesar da queda percentual de bonecas nos dados da Abrinq, a importância delas no mercado brasileiro é a mesma. "A gente tem crescido igualmente e boneca ainda é líder de vendas [...] é uma mudança normal, mas a criança ainda é a criança e para os pais e os avós, ainda têm o trauma do 'eu não tive, mas quero que meu o meu filho ou meu neto tenha'", destaca.

Diego Bianchini, sócio da Meeple BR(Foto: Divulgação/MeepleBR)
Foto: Divulgação/MeepleBR Diego Bianchini, sócio da Meeple BR

A visão mais cautelosa do presidente da Abrinq não se reflete, contudo, nas projeções de mercado das editoras de jogos brasileiras. Para Diego Bianchini, sócio da editora Meeple BR, os números da Abrinq não refletem o real crescimento do hobby.

“Os números da Abrinq são muito menores do que o experimentado pelas editoras especializadas. 2023 apresentou um crescimento de 70% em comparação a 2020, e esperamos para 2024 outros 20% de aumento em relação a 2023”, completa o empresário.

O administrador afirma que o Brasil não vinha acompanhando o interesse por jogos visto no resto do mundo, o que teria gerado, segundo ele, uma demanda reprimida que impulsiona e deve alancar ainda mais o interesse dos consumidores em jogos.

A medida em que mais pessoas entrem em contato com esse universo, as editoras projetam um crescimento orgânico e em cadeia desse interesse a partir da rede de relações de cada novo jogador. 

“Na verdade, nosso mercado esteve fora das tendências em relação ao resto do mundo, o que gerou uma demanda reprimida. As empresas tradicionais comercializavam apenas jogos para crianças [...] no Brasil, de acordo com a Ludopedia, em 2023 tivemos mais de 540 jogos e aproximadamente 420 expansões novas no mercado, um crescimento expressivo em comparação a 2016, onde tivemos 120 jogos e pouco mais de 20 expansões”, contextualiza.

A Circana corrobora a visão de um aumento contínuo do mercado de jogos, impulsionado por um público acima dos 30 anos, contudo também não projeta os jogos se consolidando como um dos maiores setores da indústria de brinquedos.

Ana Claudia Weber, diretora de contas de varejo da Circana(Foto: Divulgação/ Circana)
Foto: Divulgação/ Circana Ana Claudia Weber, diretora de contas de varejo da Circana

Analistas da empresa explicam que o interesse de jovens e adultos por jogos têm influenciado o mercado de analógicos, tendência esta que não é exclusiva do Brasil.

Ana Claudia Weber, diretora da Circana, diz que, nos EUA, adultos com 18 anos ou mais se tornaram o grupo etário mais importante para a indústria de brinquedos.

"Nos EUA, os adultos com 18 anos ou mais contribuíram com mais de 1,5 mil milhões de dólares em vendas só no primeiro trimestre, ultrapassando o segmento dos 3 aos 5 anos para se tornarem o grupo etário mais importante para a indústria de brinquedos", explica Ana Claudia Weber, diretora de contas de varejo da Circana.

Para o Brasil, a especialista projeta um movimento similar e de longo prazo. "A categoria que mais cresceu no ano foi Blocos de Montar pra Adultos. Um incremento de quase R$ 13 milhões, se comparado com o acumulado até maio do ano passado", finaliza.

 

 

A experiência é doce, mas o preço é salgado

Em uma casinha baixa, espremida entre grandes prédios residenciais no bairro do Meireles, a pesquisadora Cecília Luzia, que completou 26 anos no dia 12 de junho, decidiu comemorar seu aniversário. Fã de jogos de tabuleiro, ela disse aos amigos que queria ir em algum lugar “para brincar”.

A escolha recaiu para a luderia Balboa's Hobby Games, "santuário" devoto aos jogos analógicos. Ela e amiga, Ana Beatriz, 25, chegaram mais cedo e aguardavam animadas pelo resto do grupo para começar a jogatina.

Cecília Luzia (esq.) e Ana Beatriz (dir.) são amigas e gostam de jogos de tabuleiros, mas precisam recorrer a alugar ou pegar jogos emprestados(Foto: Fernanda Barros/ O POVO)
Foto: Fernanda Barros/ O POVO Cecília Luzia (esq.) e Ana Beatriz (dir.) são amigas e gostam de jogos de tabuleiros, mas precisam recorrer a alugar ou pegar jogos emprestados

Desde que jogou Dixit pela primeira vez, em 2019, Cecília conta que criou um carinho pelos jogos de mesa de modo geral. Ela revela, contudo, que os altos preços comumente encontrados nas lojas são um problema para os fãs de boardgames e define a situação como um obstáculo para a expansão da comunidade de jogadores no Brasil.

“Nunca comprei, é sempre de amigos ou amigos de amigos e a gente se reúne pra jogar, por conta do preço. Um amigo meu chegou até a comprar Exploding Kittens em promoção, mas esses mais caros, como Catan "Em Catan os jogadores tentam ser a força dominante na ilha de Catan, construindo estradas, vilas e cidades. Em cada turno, os dados são rolados para determinar quais recursos a ilha produz. Os jogadores coletam recursos para construir suas civilizações" , que sempre falo pra eles, não chegamos a comprar”, explica a aniversariante.

Apesar de ser fã e incentivar o consumo de jogo de mesa, Cecília lamenta os preços e revela o sonho de um dia ter condições de ter a própria coleção

Pedro Parente, sócio-fundador do Balboa's, relata que a dificuldade é comum entre os frequentadores. Segundo ele, boa parte de quem chega a comprar leva jogos menores e mais baratos. Quando alguém quer comprar um dos mais caros da coleção é preciso fazer uma encomenda, pela falta de estoque desses títulos.

Os preços dos jogos e outros brinquedos podem atingir cifras altas, chegando a superar R$ 400 em alguns casos, em que boa parte do valor está relacionada aos impostos. Contudo, um jogo pode ser tributado de formas diferentes a depender se for importado, licenciado ou criado por um designer nacional.

Eldair Melo, economista e conselheiro do Corecon-CE(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Eldair Melo, economista e conselheiro do Corecon-CE

Eldair Melo, economista e membro do Conselho Regional de Economia Ceará (Corecon-CE), explica que, enquanto produtos importados serão taxados com Imposto de Importação e os licenciados provavelmente vão sofrer custos adicionais referentes a direitos autorais, os brinquedos de design brasileiro podem receber incentivos fiscais para produção.

Além disso, impostos como tributos sobre produtos industrializados, PIS e Cofins, ICMS e ISS irão incidir sobre o valor do produto. No total, Eldair projeta que a tributação pode chegar a superar 50% do valor final de um brinquedo, a depender da origem.

Ele explica que, por isso, compradores de entrada tendem a procurar os melhores negócios, recorrendo a varejistas online. Contudo, comerciantes locais como o Balboa's ou lojas menores podem investir no relacionamento como um diferencial.

"Pode se destacar ao oferecer um atendimento mais personalizado, produtos exclusivos e um conhecimento aprofundado sobre brinquedos e jogos específicos podem criar uma comunidade local, leal, organizar eventos e atividades relacionadas a jogos e brinquedos. No entanto, os consumidores de entrada, especialmente aqueles que priorizam conveniência e preço, tendem a se inclinar para as grandes lojas", avalia.

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Em meio a dificuldade apontada por consumidores, alguns designers se especializaram nas alternativas dos jogos Print-and-Play (imprima e jogue, em tradução livre) ou PnP.

Assim, são removidos os custos de confecção e envio, e os títulos são disponibilizados de forma gratuita ou com preços reduzidos para serem impressos em casa e ampliando ainda mais a possibilidade de novos jogadores surgirem e ampliarem ainda mais o crescimento desse universo.

 

 

Achadinhos: conheça bons cardgames que custam menos de R$ 100

 

 

A comunidade brasileira de jogos de mesa

Com o crescimento do interesse, mais pessoas passam a acompanhar e fazer parte da comunidade de fãs de boardgames e também criar conteúdo sobre o hobby. Em 2012, três amigos, Carlos Almeida, Emerson Lopes e Ricardo Gama, se reuniram para criar um podcast nacional sobre o tema, o Ludocast Brasil.

"No princípio, focamos em funcionalidades para a comunidade ter um espaço dedicado para debater, conhecer pessoas, criar grupos e saber das novidades", afirma o site em nota de apresentação para o público.

Em 2013 com a unificação de 2 blogs (Taberna do Tabuleiro e Redomanet) teve início a Ludopedia, que viria a ser a maior plataforma brasileira de jogos analógicos.

Homepage do portal brasileiro Ludopedia, especializado em jogos de mesa, tabuleiro e RPG(Foto: Reprodução/ Ludopedia)
Foto: Reprodução/ Ludopedia Homepage do portal brasileiro Ludopedia, especializado em jogos de mesa, tabuleiro e RPG

O portal colaborativo atualmente mistura fóruns temáticos, marketplace, rankings e tem seu próprio prêmio anual como forma de incentivo a comunidade de fãs de jogos de mesa. O Prêmio Ludopedia é concedido desde 2014 para editoras, designers e criadores de conteúdo brasileiros que se dedicam aos jogos.

Em 2018, a Ludopedia, atendendo a pedidos da própria comunidade de gamers, lançou sua própria plataforma de compra e venda online, com a missão de tornar "possível lojas e usuários comercializarem seus jogos novos e usados de forma segura", além de ser integrada com todo o conteúdo do site relacionados aos jogos de mesa.

"Ao longo da nossa história, sempre acreditamos que se divertir e estar próximo das pessoas que gostamos é a coisa mais importante. [...] Viabilizar essa plataforma de colaboração entre os jogadores é o motivo da Ludopedia existir. [...] A Ludopedia nasceu como uma plataforma colaborativa e agradecemos todos os usuários pelo apoio ao longo desses anos, vocês fazem parte da nossa história", destaca o portal em sua apresentação.

O Diversão Offline (Doff) é um evento que reúne em São Paulo entusiastas de jogos analógicos, editoras de boardgames e criadores de conteúdo. Em 2024, o evento realizou sua nona edição(Foto: Divulgação/ Diversão Offline)
Foto: Divulgação/ Diversão Offline O Diversão Offline (Doff) é um evento que reúne em São Paulo entusiastas de jogos analógicos, editoras de boardgames e criadores de conteúdo. Em 2024, o evento realizou sua nona edição

O servidor da plataforma tem atualmente ao menos 235 mil usuários únicos cadastrados e 5 milhões de visualizações mensais, segundo dados disponibilizadas pelo próprio site. Em 2020, no último censo demográfico realizado entre os usuários do site foi constatado que cerca de 12% dos membros são da região nordeste.

Um dos momentos mais aguardados no ano por entusiastas de boardgames, o Diversão Offline (Doff) é uma convenção anual que busca estreitar o relacionamento entre jogadores, criadores, desenvolvedores e empresários. O evento realizado em São Paulo teve 75 expositores este ano, sendo o maior do gênero na América Latina. Ele abriga também a cerimônia de premiação da Ludopedia. 

Na edição de 2024, realizada entre 1 e 2 de junho, a feira de boardgames reuniu mais de 11 mil participantes em dois dias, segundo os organizadores. O número é o dobro dos participantes em 2019, quando a convenção recebeu pouco mais de 5.500 pessoas em São Paulo.

Neste ano, a convenção movimentou cerca de R$3 bilhões segundo a CEO do evento, Fernanda Sereno. Questionada sobre o que motiva a organizar um evento dedicado integralmente a experiências analógicas, ela responde: "O universo dos jogos de tabuleiro é muito movido pela paixão. O público do hobbie realmente se dedica, gosta de buscar novidades e ter um espaço para jogar, compartilhar. Há a nostalgia, que é um fator que também influencia, mas vejo que é um mercado que também se atualiza muito e está em expansão".

Confira as áreas montadas por algumas editoras no Doff 2024 

Apesar do crescimento do mercado e da consolidação e auto-organização da comunidade de jogadores no Brasil, na avaliação do professor Christian Avesque, da Faculdade CDL, os jogos de mesa dificilmente deixarão de ser um segmento de nicho.

Para ele, o crescimento do varejo se explica pelo público consumidor ser altamente fidelizado e os jogos terem uma alta taxa de recompra.

Christian Avesque, professor de MBA na Faculdade CDL e coordenador de marketing do Fortaleza Basquete Cearense(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Christian Avesque, professor de MBA na Faculdade CDL e coordenador de marketing do Fortaleza Basquete Cearense

Para o consultor, jogos modernos dificilmente serão um mercado de massa na indústria cultural. Contudo, eles vão seguir relevantes principalmente entre grupos íntimos, como entre familiares e de amigos, por promoverem a integração.

"O livro ‘Homo ludens’, do Huizinga, fala que essa capacidade nossa de brincar, de jogar, de competir, de se congraçar nunca vai terminar. A mídia que vai ser determinante pelo nível de interação, faixa etária e o relacionamento com os personagens”, explica.

Segundo o professor, os jogos fazem parte de um mercado de nostalgia que segue crescendo no País.

Por isso, mesmo que nem todos os públicos cheguem a comprar os próprios jogos, frequentarão mais estabelecimentos que trazem a jogatina como tema central, e assim o mercado seguirá tendo que se reinventar para permanecer crescendo.

"Esses jogos estão sendo utilizados também em bares e restaurantes, para que possam ser um entretenimento, para que os consumidores possam ter uma atividade lúdica quando estão nos pontos de venda" Christian Avesque

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Que tipo de jogo se faz no Brasil?

Em um mercado competitivo em que vários títulos buscam se destacar, o Brasil viu o crescimento de novas editoras que lutam por seu espaço e disputam a criatividade dos desenvolvedores e criadores, demandando do mercado, profissionais com qualificações cada vez mais específicas.

Dentro desse contexto, os jogos modernos, ou seja, os lançamentos originais conquistam corações de um público exigente que busca mecânicas e pensamentos estratégicos e não apenas deixar sua "sorte para os dados" em cada partida. 

Títulos como Dixit (Galápagos), Coup (Grok) e Taco Gato Cabra Queijo Pizza (PaperGames) acumulam milhares de compras em sites como a Amazon, além de serem menores e com dinâmicas de jogabilidade mais rápidas que os jogos antigos.

Para uma editora como a Buró, as mecânicas baseadas em estratégia estão no cerne dos jogos modernos. A editora se especializa em títulos para o público mais maduro, que vem crescendo no hobby.

“Jogos antigos eram talvez menos estratégicos do que os atuais, uma vez que não importava o que você fazia ou como jogava, os dados determinavam suas chances de vitória e sucesso. Esse fator de sorte está muito ausente ou mitigado nos jogos modernos, o que os tornam jogos onde o jogar, o pensar, a estratégia sejam mais palpáveis que os antigos”, avalia Antonio Sá, um dos sócios da Buró.

Lançamentos de editoras nacionais em 2023

Sanderson Virgolino é um dos brasileiros que conhece bem esse mercado. O carioca é autor de 17 títulos, inclusive alguns considerados por ele como afrogames, ou jogos afrocentrados. A proposta é oferecer perspectivas tipicamente brasileiras, negras e periféricas em suas criações.

O designer de jogos conta que começou a desenvolver jogos após uma conversa com um amigo, também negro, em que notaram quão pequena é a representatividade vista na maioria dos boardgames tradicionais. Com essa premissa, criou com apoio de alguns parceiros, a própria editora de games.

Sanderson Virgolino é um designer de boardgames sobre a experiência negra, os afrogames(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Sanderson Virgolino é um designer de boardgames sobre a experiência negra, os afrogames

"Antes a minha ideia era só fazer jogo porque eu queria, eu achava legal. Mas depois eu comecei a ver que a gente tinha uma carência de jogos que falassem da gente, que também falassem da periferia, de pessoas negras. Então eu comecei a olhar para isso com outros outros olhos, outros tipos de responsabilidades" Sanderson Virgolino, designer de jogos na editora Maloca

Recentemente, Sanderson se reuniu com colegas para criar a editora Maloca Jogos, focada em desenvolver jogos que tragam experiências diversas. Alguns dos títulos já lançados pela editora são Axé: A energia dos Orixás "Em Axé: A energia dos Orixás, os jogadores vão realizar a manutenção de seu axé. Durante a partida, faça conexões entre as cores que representam seu axé, quem conseguir mais conexões, melhor realizou tal manutenção" , Favela Venceu "Construa uma favela integrada, com educação, cultura e lazer. "Favela Venceu" é um jogo estratégico em que os jogadores competem para construir e desenvolver uma favela que forneça qualidade de vida e estrutura, conquistando pontos valiosos ao longo do caminho"  e Diversity "Durante o jogo vamos criar um rede de conexões com pessoas com diversas habilidades profissionais, e direcioná-las para vagas importantes para grandes empresas, vamos junto empregar diversidade" .

Ele é autor de um dos boardgames mais bem posicionados no ranking de jogos criados por brasileiros na Ludopedia. Seu cardgame Cangaço, lançado pela Buró em 2019 com temática, ocupa o 35º lugar no ranking de jogos nacionais e a posição 492 no ranking de todos os jogos da plataforma. Até junho de 2024, Ludopedia registrava 608 jogos nacionais e 3.955 no geral cadastrados em seus rankings. Sendo que jogos com menos de 10 avaliações não aparecem no ranking.

No jogo em questão, o objetivo é se tornar o novo “Rei do cangaço”, e para isso os jogadores terão que montar acampamentos, armar tocaias, enfrentar tiroteios, juntar alguns cabras que lutem pela honra de seu capitão, desbravando a noite do sertão sobre a luz do candeeiro, e acobertados pelos acordos com os coiteiros terão que sobreviver com valentia pelas pelejas do caminho.

O sucesso do game exemplifica como aspectos socioculturais e históricos cada vez mais assumem uma importância central no desenvolvimento de novos boardgames no Brasil.

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Temáticas sensíveis ao movimento negro, movimento feminista, à luta de classes e o fim da discriminação em decorrência da orientação sexual ou identidade de gênero são planos de fundo para criação de jogos que assumem um papel educativo e lúdico ao abordar tais pautas, buscando ainda uma maior representatividade e identificação de grupos marginalizados socialmente.

 

 

Conheça alguns jogos Print-and-Play gratuitos

 

Chapada do Araripe, no Ceará, vai ganhar jogos para ajudar na candidatura a Patrimônio da Humanidade

Em meio a um mercado atribulado, a comunidade científica busca se reunir em iniciativas que prezem pela mescla de criatividade, inovação, ensino lúdico e usos terapêuticos dos boardgames. O principal papel assumidos pelos centros de pesquisa no tema ao redor do Brasil é o fomento a este universo em expansão.

A Chapada do Araripe foi inscrita pelo Brasil na Lista Indicativa da Unesco e passa pelos trâmites da candidatura a Patrimônio Mundial Natural e Cultural da Humanidade (Foto: Tatiana Fortes em 16.10.2018)
Foto: Tatiana Fortes em 16.10.2018 A Chapada do Araripe foi inscrita pelo Brasil na Lista Indicativa da Unesco e passa pelos trâmites da candidatura a Patrimônio Mundial Natural e Cultural da Humanidade

Quem entende bem disso é o professor Glaudiney Mendonça, do curso de Sistemas e Mídias Digitais (SMD) da UFC. Ele orienta desde 2012 o Igrejota (Incrível Grupo de Estudos de Jogos de Tabuleiro), projeto que se dedica, entre outras abordagens, a auxiliar qualquer pessoa que sonhe em desenvolver seu próprio jogo.

Glaudiney explica que o grupo recebe todo tipo de iniciativa, desde um professor de biologia querendo desenvolver um cardgame sobre genética até designers em busca de consultoria para lançar seus próprios títulos enquanto projetos comerciais individuais.

Um dos exemplos é Reinos e Relíquias: Entre Luz e Trevas "Reinos e Relíquias é um jogo de cartas em que cada jogador representa um personagem em batalha que deve tentar conseguir as relíquias sagradas para que seu reino seja o vencedor. Mas há um detalhe muito importante: o jogo traz algumas variantes e muitas vezes você não vai saber quem é seu aliado ou inimigo" , jogo criado pelo cearense Bruno Teixeira Maia e publicado em 2015, por meio de uma campanha de financiamento coletivo na plataforma Catarse e que foi orientado pela iniciativa do Igrejota.

Acervo de jogos disponível gratuitamente

Durante o período letivo, o acervo de jogos fica disponível

Teste de protótipos de novos jogos

O grupo oferece consultoria sobre desenvolver o próprio jogo

Agora, o Igrejota está trabalhando em jogos sobre a Chapada do Araripe, acidente geográfico e sítio paleontológico da região do Cariri, no Ceará. O objetivo é ajudar na candidatura da chapada para se tornar Patrimônio Mundial Natural e Cultural da Humanidade, processo que ocorre na Unesco "Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura"  a pedido do Brasil.

A iniciativa do jogo acontece em colaboração com a pesquisadora e professora Andréa Pinheiro, que já produziu outras mídias sobre a chapada e convidou o Igrejota para construírem juntos um projeto nessa mídia analógica.

Glaudiney Mendonça é professor do curso de Sistemas e Mídias Digitais da UFC e orientador do Igrejota(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Glaudiney Mendonça é professor do curso de Sistemas e Mídias Digitais da UFC e orientador do Igrejota

"A gente quer que o jogo sirva para trazer para quem for ter acesso a ele um conhecimento maior sobre a Chapada do Araripe e sobre o processo para ser reconhecido como patrimônio" Glaudiney Mendonça

Devido ao grande número de aspectos do sítio arqueológico, o professor comenta que as possibilidades são inúmeras e, por isso, o grupo deve desenvolver mais de um título.

“Vamos fazer vários, porque é muito conteúdo. Se colocar tudo no mesmo jogo vai ficar muito complicado e talvez muito poluído. Provavelmente a primeira coisa que vamos utilizar é a questão dos sítios arqueológicos, dos fósseis e dos dinossauros. A gente está inclinado a começar por eles e depois pensar em outras possibilidades de outros jogos”, explica.

As consultorias que o grupo oferece são abertas e gratuitas. O projeto também organiza encontros em que qualquer pessoa pode aproveitar os jogos do acervo. Tanto as consultorias quanto as sessões de jogos acontecem no Laboratório de Jogos da UFC, localizado na sede do Instituto UFC Virtual, no Campus do Pici.

 

 

Boardgames criados por designers brasileiros

Ainda que brinquedos licenciados e importados ocupem um lugar significativo no varejo, brasileiros produzem, consomem e exportam cada ano mais produções nacionais. No segmento de jogos não é diferente, com um rol de autores trazendo boas produções para o mercado de boardgames.

Nessa lista, O POVO+ selecionou alguns jogos de designers brasileiros que tratam de temas tipicamente nacionais, além de desfrutarem de uma boa colocação no ranking de jogos da Ludopedia. Clique no card para ver detalhes como número de jogadores, tempo estimado para a partida e preço na loja oficial da respectiva editora.

Entre as produções destacadas, há jogos que foram exportados e traduzidos para jogadores em vários países do mundo. É o caso do jogo com temática histórica Brazil: Imperium, do designer Zé Mendes — atualmente o jogo nacional melhor posicionado na Ludopedia.

Além disso, apresentamos títulos criados por cearenses, como o jogo Histórias de Pescador, de Lucas Melo, publicado pela TGM Editora em 2019. O jogo possui duas versões: um boardgame na versão completa e um cardgame, a versão mini.

Clique nos cards e saiba detalhes dos jogos selecionados

 

 

Expediente

  • Texto Guilherme Siqueira
  • Edição da Reportagem Alan Magno
  • Edição O POVO+ Fátima Sudário e Regina Ribeiro
  • Recursos digitais Guilherme Siqueira
  • Identidade visual Camila Pontes
  • Fotografias Fernanda Barros e Samuel Setubal
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