Uma das figuras mais experientes do Circuito Mundial de Surfe, Silvana Lima, nesta conversa, abre o jogo sobre a sua longa trajetória. Relembra a infância em Paracuru, cidade onde nasceu, entre a diversão na capoeira, futebol, surfe e a busca por "trocados" extras como flanelinha nas ruas do município do litoral cearense. Aprendeu a surfar sozinha. Passou a se aventurar no mar aos sete anos, mesmo sem saber nadar.
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A surfista narra ainda o caminho até o pico mais alto da modalidade, como a primeira vitória na etapa de Bells Beach, na Austrália, a mais tradicional do esporte, e quando foi vice-campeã mundial em 2008 e 2009.
A história de Silvana no surfe tem um capítulo à parte de dor e superação. A atleta precisou dar a volta por cima na recuperação de lesões sérias nos joelhos para se manter na elite da modalidade. Em um dos episódios mais complicados, em 2011, ela se contundiu, perdeu o principal patrocinador, teve que vender o carro e o apartamento recém-comprado e abrir um canil de Buldogue francês para se manter nas competições mundo à fora.
A cearense garante estar 100% fisicamente e mentalmente para o maior desafio da carreira: a medalha em Tóquio pode coroar uma carreira vitoriosa de quem ganhou espaço pelo talento e pela perseverança em cima da prancha. Em julho de 2020, ela foi eleita a maior surfista da história do Brasil em votação de jornalistas especializados promovidas pelo O Globo.
O POVO - Como era a sua infância em Paracuru? Morava com seus pais e irmãos?
Silvana - Na minha infância, meu pai não morava com a gente. Acaba que meu pai viajava muito em relação à pesca. Convivência foi mais com minha mãe e meus irmãos - dois homens e duas mulheres.
O POVO - Seu pai era pescador?
Silvana - Meu pai vendia peixe, era dono do barco. Viajava para Fortaleza. Ele sempre estava viajando, não parava muito.
O POVO - E você teve pouco contato quando criança?
Silvana - Sim. Meu pai não tinha só minha mãe como mulher. Tinha outra. Então foi bem afastada a relação.
O POVO - E sua mãe trabalhava?
Silvana - A gente morava na beira da praia, na barraca de praia. Minha mãe vendia bebida, peixe, tudo ali que a barraca vende como restaurante.
O POVO - Como era a vida de vocês?
Silvana - Meu pai não ajudava tanto como necessário, já que tinha outros filhos. Minha mãe vendia o que dava. Minha cidade não tinha muito movimento. Acabava consumindo o que era para vender. Minha mãe tinha muita dívida. Foi difícil minha infância, mas posso dizer que não passamos fome. Mas a gente não conseguia comer o que queria mesmo. Carne era uma vez por mês. Nós nunca passamos fome porque morávamos na beira da praia. Peixe era o que mais tinha. Era só pedir para algum pescador. Comia no dia a dia peixe com farinha d'água. No café da manhã, comia farinha d'água com café. Não faltavam no armário peixe, farinha d'água e café.
O POVO - E como era a relação com os irmãos?
Silvana - Sempre fomos próximos. Meus irmãos saíram cedo porque acabaram namorando e, depois, casando. Ficaram mais as meninas, minha irmã mais velha e minha outra irmã. Os meninos casaram cedo, saíram de casa. Mas a convivência foi bem próxima.
O POVO - E o que você fazia em Paracuru quando criança?
Silvana - Eu fazia de tudo. Jogava bila, era ir para sítio de bicicleta, catava coco e castanha para vencer. Época de carnaval eu vendia litro de cachaça. Tudo que desse para vender, eu vendia. Pastorava carro sempre para ganhar um trocado e levar para casa ou para comer o que criança gosta, biscoito, salgadinho. Até adesivo que eu ganhava em campeonato de surfe, vendia na escola. Surfo desde os 7 anos de idade. Fazia capoeira, surfe e futebol. São três esportes que acompanharam a minha infância.
O POVO - Você falou que começou no surfe aos sete anos. Como você foi parar no surfe?
Silvana - Através dos meus irmãos. Eles já surfavam. Minhas irmãs também, mas só por diversão. Por morar na beira da praia, a diversão era isso. Tinham altas ondinhas em frente de casa, não tinha como não ir. Via meus irmãos competindo, admirava eles. Meu irmão Gilvan foi quem me deu a primeira prancha. Eu já ia completar 12 ou 14 anos, por aí. Antes surfava com prancha emprestada. Chegou um dia que meu irmão disse: 'tenho que dar uma prancha para essa garota'. Meus irmãos foram exemplos para mim.
O POVO - Eles que te ensinaram? Nunca teve medo?
Silvana - Fui eu mesma na doideira de criança. Minha mãe não tinha esse cuidado todo. Minha mãe estava trabalhando. Meus irmãos ficavam só olhando mesmo. Minha infância foi bem à vontade. Poderiam ter acontecido alguns acidentes. Teve certo dia que me afoguei. Minha mãe sentiu uma energia dentro da barraca quando viu, era eu pedindo socorro. Ela mesmo me salvou. Eu estava morrendo afogada. Foi coisa de Deus. Mas posso dizer que ninguém me ensinou a surfar. Foi na loucura de criança mesmo e fui embora.
O POVO - Nesse episódio, você tinha quantos anos?
Silvana - Oito ou dez anos. Eu era bem abusada. Acabou que a prancha foi embora e fiquei sem nada lá. Não tinha algo para segurar e acabei me ferrando porque não sabia nadar.
O POVO - Você começou a surfar mesmo sem saber nadar?
Silvana - Isso mesmo. Nunca nem fiz aula de natação. Fui na marra mesmo. Aprendi a surfar sem saber nadar.
" Na verdade, o surfe me deu mais oportunidades, abriu uma porta gigantesca que abriu todas para realmente escolher minha profissão."
O POVO - E a relação com a sua mãe? Sempre te apoiou?
Silvana - Minha mãe sempre me apoiou. Me deixou bem à vontade no esporte que eu quisesse fazer: capoeira, futebol e surfe. Quando eu queria só futebol, ela estava lá me apoiando. Quando ia para Fortaleza e não queria levar a prancha no ônibus porque tinha vergonha, era meio 'bicho do mato', ela que levava. Sempre me apoiou e esteve do meu lado.
O POVO - Você falou também que já praticou na infância outros esportes, mas como decidiu pelo surfe?
Silvana - Na verdade, o surfe me deu mais oportunidades, abriu uma porta gigantesca que abriu todas para realmente escolher minha profissão. O futebol foi mais difícil. Eu jogava futsal. Até hoje, se você olhar para o lado das meninas, é mais complicado. Têm muitos talentos que não conseguem oportunidade de jogar em time grande. Passam os anos e a menina não mostrou o que tinha por causa dessa dificuldade. Não é só no futebol, mas em outras modalidades. É mais difícil para a mulher. Eu sabia que seria difícil para mim no futebol. Fazia futsal porque gostava. O surfe na minha cidade é mais por temporada. É final de ano para o começo de ano, são quatro meses de temporada de onda. Fora isso, tinha o ano quase todo sem fazer surfe. Então, fui indo para o lado do futebol. Estudei em colégio particular por causa do futebol. Joguei Campeonato Cearense, joguei por outra cidade, ganhei trocados. Era garota competitiva. O que eu fazia de bom no esporte, fazia para competir e me divertir.
O POVO - Você ganhou bolsa como jogadora de futsal?
Silvana - Sim, em Paracuru. Na época, tinha o Senec no Brasil quase todo. Na minha cidade tinha. Existiam vários eventos, juntavam os colégios Senec. Eu era a melhor jogadora da minha cidade. Eles viram isso e me deram bolsa por anos. Estudei em colégio particular assim.
O POVO - Já que você levava jeito no futsal também, qual foi o momento de decidir seguir no surfe?
Silvana - Teve uma época que fiquei mais no futebol do que no surfe já que não tinha patrocínio, apoio. Fui deixando o surfe de lado. Só competia quando tinham etapas na minha cidade. Foquei no futebol. Eu poderia ter aparecido muito mais cedo (no surfe) do que nos meus 17 anos quando vim para o Rio de Janeiro. Foi mais falta de apoio, de acreditarem em mim, de terem investido em mim. Agradeço as pessoas que viram que eu tinha talento, os meninos do Titanzinho, Lucinho Lima e Pablo Paulino. Sempre deles como padrinhos. Quem bancou tudo para eu ir para o Rio de Janeiro foi o Udo Bastos. Ele tinha uma fábrica de pranchas de surfe aqui no Rio de Janeiro junto com outro cara e trouxe a molecada do Nordeste. Todos falavam de mim, que tinha uma menina que merecia uma oportunidade de vir para o Rio de Janeiro. Aqui tinha mais competições, era mais fácil aparecer para empresário, patrocinador, para fazer acontecer. Não deu outra. O Udo acredito em mim, falou com minha mãe. Ela ficou meio assim. Meus irmãos colocaram pilha boa. Quatro meses depois, ela deixou. Foi logo em seguida do penta do Brasil. Viajei depois da Copa do Mundo, em julho de 2002. Demorou, mas cheguei ao Rio de Janeiro. Não foi fácil. Fiz resultados positivos, mas o patrocínio foi complicado. Ganhei vários 'nãos'. Nunca desisti. No campeonato que eu ganhava, investia em outra competição. Com um ano que estava aqui, corri o mundial, viajei para fora. Levando sim e não, a Silvana andou.
O POVO - Você começou a competir com quantos anos?
Silvana - Eu tinha 12 para 13 anos.
O POVO - Antes de ir para o Rio de Janeiro, você não competia tanto no surfe por causa das dificuldades financeiras?
Silvana - A gente não tinha nem o que gostaria de comer em casa, imagina para viajar. Quem viajavam mais, eram os meus irmãos. Eles conseguiam um apoio aqui e outro ali. Nos eventos de Fortaleza, a gente chegou a ficar acampado quase debaixo do palanque, dividindo quentinha, não foi fácil. O bom é que naquela época não era perigoso. Era mais fácil dormir na beira do mar. Não tínhamos como pagar hospedagem. Chegamos a acampar de barraca. Coisa de dois dias. Na verdade, a gente levava na diversão. Nem via essa dificuldade toda. Hoje em dia é que a pessoa leva mais para o lado do perrengue. É uma história para contar. Se você passa por isso, passa por tudo.
O POVO - Qual foi o momento que o pessoal te levou para o Rio de Janeiro, que te descobriram?
Silvana - Na verdade, os meninos me conheciam desde criança. Eles são da idade dos meus irmãos. Competiam com meus irmãos. Todo ano estavam na minha cidade. Eu competia com os meninos, às vezes. Não tinha menina para competir. Viram eu ganhar dos próprios meninos. Sabiam que eu tinha talento, só precisava de uma oportunidade. Isso foi crescendo na cabeça deles. Tiveram a chance de falar com o cara que acreditou neles para me trazer. Eles me acompanharam desde criança. Um deles já dormiu na barraca da minha mãe para não pagar hospedagem. Toda a molecada que estava com a gente cresceu juntos.
O POVO - Era muita luta para competir nesse época?
Silvana - Quando a gente é criança não leva muito para o perrengue, mas para a diversão, a brincadeira. Eu me juntava com a molecada para olhar carro, dava briga porque dizia que era meu e a porrada comia. Chegava chorando em casa com olho inchado. Minha dizia: 'vai lá de novo'. Era gostoso. Minha infância foi boa, não tenho trauma nenhum. Para a mulher é muito mais difícil conviver com homem. Acaba acontecendo coisas piores. Graças a Deus nunca tive isso. Claro que tive perrengue de querer prancha só para mim, querer roupa de final de ano, sapato. Não tinha isso. Acabava indo na porta de patrocinador. Ficava horas esperando para ganhar uma roupa. Nunca esqueci desses momentos. Pra muita gente não é nada, mas para a criança que quer sair bem de sapato novo, prancha nova, tudo é um sonho. Tenho muita lembrança dessa época. Teve uma prancha que ganhei de um menino que estava paquerando, aquele namoro só de pegar na mão. Ele me deu uma prancha novinha.
O POVO - Você recebeu muito não quando ainda não era conhecida?
Silvana - Muitos. Foi o que mais teve. A gente já era acostumada. O não era certo. O sim era que eu estranhava.
O POVO - Quando caiu a ficha em relação ao surfe?
Silvana - Foi logo no meu primeiro ano quando vim para o Rio de Janeiro. Eu competi um campeonato em São Paulo. Tinha idade para competir o pró júnior. Fiquei em terceiro. Nunca ganhei tanto dinheiro. Na época, R$ 1.500, R$ 2.000. Já vou ajudar o Udo que me ajudou. Fiquei feliz já com esse resultado. No outro campeonato, ganhei em três categorias. Aí sim começou. Eu vi que poderia ajudar a minha mãe ajeitar a barraca. Quase no final de 2002 veio a notícia de que iria rolar duas etapas em São Paulo, com carro como prêmio. E era campeonato amador, as meninas profissionais não poderiam competir. Eu, que já tinha surfe de profissional, poderia competir no amador ainda. Fiquei sem acreditar. Vou ganhar um carro. Tenho que ganhar. E ganhei esse carro. Não quis nem receber. Só queria o dinheiro. Vou tirar minha mãe da beira da praia e comprar uma casa para ela. Foi aí que eu disse: 'o surfe foi a minha melhor escolha'.
O POVO - Então você ganhou o carro e comprou a casa para a sua mãe? Foi a primeira vez que ela passou a morar sem ser na beira da praia?
Silvana - Sim. A gente sonhava com esse momento de ter uma casa, sair da beira da praia, ter uma casa mesmo. Minha mãe morava na beira da praia há mais de 30 anos. Eu fiquei até meus 17 anos. Tinha o sonho de ter a casa própria. Nunca imaginei que isso iria acontecer um dia pelas dificuldades.
O POVO - Como foi o momento de dar a notícia para ela?
Silvana - Foi muita emoção. Eu chorei, ela chorou com meus irmãos. A galera só acreditou quando entrou na casa.
O POVO - Como era a rotina no Rio de Janeiro quando você chegou lá?
Silvana - Assim que acordava tinha surfe. Na volta, depois do almoço, tinha treino. Era bem dividido com os atletas. Um atleta tinha técnico diferente, um tinha patrocinador.
O POVO - E moravam todos na mesma casa?
Silvana - Quando cheguei, tinham nove meninos. Eram quartos juntos de uma fábrica (de prancha). Cada um tinha seu cafofo. Dava para colocar só a TV e o colchão.
O POVO - Dessa época, teve algum surfista que seguiu carreira como você?
Silvana - Não. Tinham alguns meninos mais velhos do que eu nessa época. Quase todos têm escolinhas de surfe. Dão aula. O Pablo Paulino, que era mais novo, foi campeão pró júnior duas vezes. Não teve cabeça e estrutura para manter a performance. Poderia dizer que ele estaria brigando com o Ítalo e o Gabriel. Ele tinha surfe para isso, mas não seguiu no mesmo caminho. Outros meninos não conseguiram por falta de patrocínio. Ficou mais precária a situação sem patrocínio. Eles investiram neles mesmos, mas tem hora que acaba.
O POVO - Quando ganhou o primeiro patrocínio para deslanchar?
Silvana - Patrocínio de ponta para bancar tudo, viagem internacional, foi em 2005, com a Billabong. Através do Pablo Paulino, que ganhou o título mundial, as portas abriram pra gente. Foi em 2005 que tudo caminhou para o lado bom.
O POVO - Conta um pouco da sua trajetória de 2002 até o circuito mundial.
Silvana - Em 2002, ganhei a segunda divisão da Petrobrás. Fui campeã. Consegui vaga para o Pró Super Surfe, primeira divisão, em 2003. Fui quase campeã. Fiz vários resultados bons no Super Surfe. Bati na trave no primeiro ano de WQS (segunda divisão do surfe mundial) para entrar no WCT (divisão de elite). Por duas vagas não consegui.
O POVO - Você passou a disputar o WQS quando?
Silvana - Em 2003 já. Fui ganhando os campeonatos no Brasil, pegando o dinheiro e investindo para competir fora do Brasil.
"Nunca vou esquecer até para dar força de vontade para superar, levantar e mostrar para muita gente que não acredita. Faltando dois dias para o meu aniversário, recebi a notícia que não ia renovar com a Billabong. "
O POVO - Você ainda lembra da primeira viagem para o exterior para competir?
Silvana - A primeira vez foi para competir na Inglaterra. Na época, eram três campeonatos na Europa: um na Inglaterra e dois na França. Aproveitei para competir as três. Na Inglaterra, fiz a semifinal. No primeiro ano de WQS, ganhei o Lacanau. A Tita Tavares fez a final comigo e mais duas australianas. Fiz pontuação boa e quase entro no WCT. Em 2004, bati na trave novamente. Ganhei etapas, mas não deu. Fui campeã brasileira e fui preparada para 2005. Classifiquei para o WCT em 2006. Fui campeã brasileira, campeã do WQS e entrei no WCT. Em 2006, na minha estreia no WCT, me machuquei. Foi minha primeira cirurgia no joelho. Voltei em 2007 como convidada. Mantive o ritmo, mas acabei me machucando em 2011. Foi o mesmo joelho. Vieram momentos de altos e baixos, cirurgias, perda de patrocínios. Quando machuquei, a Billabong me mandou embora.
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O POVO - As lesões são capítulo a parte na sua vida...
Silvana - Entre 2006 e 2011, bati na trave duas vezes. Fiquei com dois vices (2008 e 2009). Fiz história, mas não consegui ser campeã. Essa vitória não veio. Em 2011, a Billabong me mandou embora junto com cirurgia para fazer. Nunca vou esquecer até para dar força de vontade para superar, levantar e mostrar para muita gente que não acredita. Faltando dois dias para o meu aniversário, recebi a notícia que não ia renovar com a Billabong. É algo que o patrocinador precisa levar para o lado mais humano. Não é só se aproveitar da imagem do atleta, tem que saber, conhecer um pouco qual sentimento do atleta para dar o não no momento certo. Às vezes, dar o não em um momento ruim o atleta não está com cabeça. É muito ruim. Em 2012 ainda machuquei o outro joelho.
O POVO - Como foi essa época tão difícil?
Silvana - Deu uma caída na parte financeira. Tinha acabado de comprar um apartamento no Rio de Janeiro. Coloquei a parcela alta para pagar logo e recebi essa notícia. Nem peguei no apartamento. Sabia que não ia conseguir terminar as parcelas. Eu preferi continuar competindo do que ter o meu ap. Tive que vender o apartamento e o carro para me manter. Foi difícil, mas não me abalou muito. Quando comecei a competir de novo, os resultados vieram. A felicidade veio junto.
"Agradeço a todos que estão comigo, como a cerveja Praya. A bolsa atleta é incrível, está me ajudando muito. A Riachuelo fechou comigo também. Alguns foram embora, outros entraram. A vida é assim."
O POVO - E quando você conseguiu recuperar um patrocínio forte?
Silvana - Depois dessa época, fechei com a Oi em 2015. Foi a empresa que me levantou, me ajudou muito. Foi que tudo caminhou. Até lá foram quatro anos sem patrocínio, sem a parte financeira me ajudando. Foi tudo do meu bolso. Eu fiz um canil para vender Bulldogue francês. Isso me ajudou muito. Quando veio a Oi, vieram outros automaticamente. Em 2019, fechei com marca que veio para o bico (da prancha), Santa Costa. Fazia tempo que não tinha o patrocínio principal que vai para o bico. E assim foi. Esse ano não foi muito bom por causa da pandemia. Alguns saíram da minha prancha. Sou a única atleta que vai para a Olimpíada que não está fechada com a Oi. A Neutrox saiu. Fora isso, fechei com grandes marcas também, como a XS, marca de energético da Califórnia, a MRV, uma equipe toda com mulheres. Agradeço a todos que estão comigo, como a cerveja Praya. A bolsa atleta é incrível, está me ajudando muito. A Riachuelo fechou comigo também. Alguns foram embora, outros entraram. A vida é assim.
O POVO - Em 2008 e 2009, você foi vice do WCT. Foi seu auge?
Silvana - Com certeza. De 2006 a 2009, bati muito na trave. De 2006 a 2008, estava batendo na trave nas etapas, com o segundo o lugar. Não aguentava mais. Em 2009, veio a minha primeira vitória em Bells Beach, na Austrália. É um evento gigantesco. Todo mundo sonha em ganhar o sino. Foi um momento histórico.
O POVO - Sobre a questão de apoio, você viveu muito isso de altos e baixos. Como está o incentivo ao surfe hoje na base? Melhorou muito daquela época que você estava começando para agora?
Silvana - Acho que não mudou. Deu uma piorada na parte da base. Antigamente tinham muito mais eventos. Quando não tem evento, a criança fica sem emoção de surfar bem, treinar todos os dias, focar, dormir bem. Se não tem evento, complica. Chegou a pandemia, complica ainda mais. Antes da pandemia, estava vendo isso que os eventos de surfe no Brasil estavam fracos de uma forma geral. Tem instituto ajudando atletas, mas na minha opinião o Brasil tinha que estar bem melhor de patrocínio.
" Se está difícil para a modalidade geral, imagina só para a mulher. Está bem difícil. Pode aparecer do nada porque o surfe é isso. Quando a garota tem talento e oportunidade, ela pode aparecer da noite para o dia."
O POVO - E como está o cenário de atletas mulheres no Brasil?
Silvana - Se está difícil para a modalidade geral, imagina só para a mulher. Está bem difícil. Pode aparecer do nada porque o surfe é isso. Quando a garota tem talento e oportunidade, ela pode aparecer da noite para o dia. Em dois anos pode bombar. Ninguém segura, como foi o meu caso. Não tive apoio, mas aparece no Rio de Janeiro. No primeiro ano, já fui ganhando os campeonatos, fui competindo no WQS, fiz resultados. Eu acredito que pode acontecer com outra garota. Eu vejo uma menina evoluindo muito, claro que ela tem estrutura para evoluir. Só não evoluir se não quiser. É a Sophia Medina. Acompanho muito, estou vendo que está evoluindo cada vez mais. Acredito muito na Sophia. Ela tem toda a estrutura, tudo que uma atleta gostaria de ter. Ela está aproveitando isso. Tem um pai como o Charles, que sabe o caminho certo. Só vejo evolução nela. Outras meninas que não têm estrutura fica mais difícil. Vejo outras garotas que têm talento, mas não possuem patrocínio. Não tem evento. Se não tem patrocínio, passam os anos, a menina vai desistindo.
O POVO - O futebol feminino cresceu muito, mas ainda há grande diferença nos valores investidos com o masculino. No surfe, a realidade é a mesma?
Silvana - Existem também no mesmo nível do futebol. A diferença do que os meninos ganham é gigantesca para as meninas.
O POVO - Falando sobre as Olimpíadas, como você está mentalmente para a competição? Muito ansiosa?
Silvana - Ansiosa a gente fica. Quanto mais tempinho para treinar, se preparar, melhor. Quero entrar na prancha certa, o físico está bom.
"Hoje estou preparada psicologicamente e fisicamente. Estou pronta para a luta. Não posso chegar muito ansiosa. Vai ser histórico, a primeira do surfe nas Olimpíadas."
O POVO - Qual avaliação você faz sobre sua preparação faltando meses para Tóquio?
Silvana - Se as Olimpíadas fossem ano passado, eu poderia dizer que não estava bem preparada. Sentia o joelho, não estava 100% fisicamente. Seria uma loucura, pegaria muito em cima. Hoje estou preparada psicologicamente e fisicamente. Estou pronta para a luta. Não posso chegar muito ansiosa. Vai ser histórico, a primeira do surfe nas Olimpíadas. Não pode entrar muito na emoção, se não perde o foco. A prancha tem que estar mágica, a cabeça boa e o corpo bom. Tem tempo ainda. Acho que dá para chegar mais do que 100%. Se tivesse que embarcar hoje, estou preparada.
O POVO - Fez a preparação toda no Rio de Janeiro?
Silvana - Passei uma temporada no Ceará, na melhor época. A preparação física foi toda no Rio de Janeiro. Tenho todo o suporte do COB. Tenho estrutura na Casa da Coluna. Tenho dois preparadores físicos me acompanhando.
O POVO - Esse adiamento nos jogos por causa da pandemia, de certa forma, foi positiva para a sua preparação?
Silvana - Com certeza. Foi bom para ter mais um ano para me preparar. Foi o ideal.
O POVO - Teve algum momento que precisou parar de treinar?
Silvana - No começo da pandemia estava proibido surfar também. Fiquei dois meses sem surfar. O treino foi dentro de casa. Depois liberaram para surfar e foi tranquilo. Aqui está podendo surfar. No fim das contas, não me atrapalhou em nada. Estou conseguindo fazer tudo direitinho.
O POVO - Quem são as suas principais adversárias? Quem são as favoritas?
Silvana - Para te falar a verdade, não tem favorita. Para mim, não tem. Acho que todas as garotas vão querer medalha. Todas estarão lá com méritos. Se elas estarão ali, sabem surfar, competir, não vão deixar de bobeira. Não tem favorita. É cada uma por si.
"O esporte pode mudar a vida da pessoa. Vai mudar muita coisa com o surfe estando nas Olimpíadas, mudar a cabeça de muita gente, do pai querer o filho surfista, como no futebol. "
O POVO - O que significa a participação nos jogos olímpicos?
Silvana - Significa muito para a modalidade do surfe. É muito importante para realmente dar uma levantada no surfe. O mundo inteiro vai ver a modalidade, vai conhecer melhor, sair um pouco do preconceito que ainda existe. O surfe é mais uma esporte que vale a pena aprender, torcer e virar fã. É uma modalidade que merece estar nas Olimpíadas. Dá oportunidade para muita gente. O surfe pode dar oportunidade a qualquer pessoa, é só ter talento para mostrar. Muitos atletas do surfe vêm de família pobre. É muito lindo de ver, é como o futebol. O esporte pode mudar a vida da pessoa. Vai mudar muita coisa com o surfe estando nas Olimpíadas, mudar a cabeça de muita gente, do pai querer o filho surfista, como no futebol. Acho incrível quando falo do surfe, fico emocionada. Vi muita coisa da parte ruim. Hoje posso falar que vivo do surfe, posso falar que sou surfista profissional e estarei nas Olimpíadas. É bom de dizer, de se emocionar.
" Fico orgulhosa de chegar até aqui, de ser atleta olímpica. Poderia ter desistido, mas nunca pensei em desistir. E ainda mais chegar em um momento de estreia do surfe nas Olimpíadas. É histórico para mim,"
O POVO - E para você, Silvana, o que representa?
Silvana - Orgulho. Fico orgulhosa de chegar até aqui, de ser atleta olímpica. Poderia ter desistido, mas nunca pensei em desistir. E ainda mais chegar em um momento de estreia do surfe nas Olimpíadas. É histórico para mim, sinto orgulho de estar nesse momento grande. Vou tentar mostrar o meu melhor.
O POVO - O surfe é um esporte solitário. Qual a importância da sua noiva nessa rotina de treinos e competições?
Silvana - Ela me conquistou ainda mais porque não sabia quem eu era. Para quem é famoso, é difícil saber se alguém gosta mesmo de você ou está interessada. De 2018 para 2019, na virada do ano, conheci ela. Quando chegou aqui em casa um dia, viu meu nome em tudo que era lado, revistas, fotos. Ela é de fora do surfe. Não entendia muito. Me conquistou por esses fatores, virou fã depois que me conheceu. É bem tranquilo. Ela vai na praia torcer por mim. Já foi em campeonato comigo. Ganhei etapa do Brasileiro, ela estava lá, se emocionou. É muito gostoso quando tem uma pessoa te ajudando, apoiando e passando energia positiva.
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