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Porto do Pecém coloca o Ceará na boca do gol da economia no País
Reportagem Seriada

Porto do Pecém coloca o Ceará na boca do gol da economia no País

Em entrevista ao O POVO, Duna Uribe, diretora executiva Comercial da Companhia de Desenvolvimento do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp S/A), traça um panorama do Porto em São Gonçalo do Amarante e como ele tem peso no crescimento da economia do País
Episódio 23

Porto do Pecém coloca o Ceará na boca do gol da economia no País

Em entrevista ao O POVO, Duna Uribe, diretora executiva Comercial da Companhia de Desenvolvimento do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp S/A), traça um panorama do Porto em São Gonçalo do Amarante e como ele tem peso no crescimento da economia do País
Episódio 23
Tipo Notícia Por

 

 

Alguns a chamam de Duna gringa, apelido que ela já não se ofende mais, mas dado pelo seu jeito de cidadã global ao voltar ao Brasil após mais de 20 anos estudando e trabalhando fora. Cedida pela holandesa Port of Rotterdam, Duna Gondim Uribe ocupa há quase três anos o cargo de diretora executiva Comercial da Companhia de Desenvolvimento do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp S/A) em São Gonçalo do Amarante, no Ceará.

Soteropolitana, ela tem família cearense e diz que o "coração fica quentinho" ao trabalhar perto dos entes queridos. Mas seu espírito é viajador e não descarta ter de voltar para a Holanda para novas missões, afora esta atual de desenvolver o parceiro Complexo do Pecém, administrado pela joint venture Cipp S/A, com 70% do Governo do Estado e 30% da Porto de Roterdã (vamos deixar assim em português).

E falando em empresas, Duna esclarece sobre como é o seu comando. Mostra que gosta de passar conhecimento e que, na mesa de negociação, deve haver clareza e objetividade para atrair novos investidores. Eles têm de saber exatamente o que o Ceará tem a oferecer e seu papel também passa por facilitar qualquer informação. Porém, há desafios, e um deles é um problema nacional, mas em processo de melhoramento no Estado: a ambiência de negócios.

Há também alguns entraves que a Cipp S/A precisa resolver, um deles é com a Petrobras. E Duna detalha nesta entrevista ao O POVO quais as perspectivas, potencialidades e desafios para o Complexo do Pecém e como o desenvolvimento do Porto sinaliza para como a economia de um país está melhorando. 

Mas de "fantástico" mesmo é o que ela classifica e o que coloca o Ceará "na boca do gol": o hub de hidrogênio verde, o que impacta no Estado para um olhar no futuro - isso para um país em desenvolvimento, porque já é presente nos desenvolvidos, que é a produção e a utilização de energia verde na nossa terrinha com foco na descarbonização.    

Veja o vídeo da entrevista com Duna Uribe 

 

 

O POVO - Quando a senhora recebeu essa missão, quando estava no cargo de liderança no Porto de Roterdã, de vir para o Ceará e colocar os planos para o Complexo do Pecém em prática, qual era a sua visão inicial do Pecém e o que mudou?

Duna Uribe - Eu estava no Porto de Roterdã agindo como líder de Projetos e foi interessante, porque eu participei do projeto de parceria entre o Governo do Estado e o Porto de Roterdã. O Pecém para mim não era novidade quando eu recebi o convite para assumir a liderança da área Comercial (do Complexo do Pecém), já que eu vinha trabalhando tanto na parte de consultoria, o Porto de Roterdã deu consultoria, naquele momento era Cearáportos (nome da administradora do Porto) junto ao Governo do Estado… E já conhecia.

E, na verdade, quando nós, e aí eu me refiro aos holandeses, viemos do Porto de Roterdã para fazer essa consultoria, enxergou-se grande potencial pro Pecém e houve uma paixão pelos dois lados, que se caracterizou nesse interesse de formatar essa parceria.

Foi bem bacana porque eu já tinha essa vivência, pouca né, num espaço curto de tempo, mas já tinha essa vivência de conhecer o potencial do Pecém. E agora com já dois anos e meio na liderança Comercial, eu acho que eu consigo entender um pouco mais de perto os desafios, o potencial enorme.

Mas quais são os desafios para que a gente possa fazer esse potencial realmente se materializar, se realizar? E eu costumo dizer que o brasileiro, e eu acho que especialmente o nordestino, é um povo muito resiliente.

Apesar de todas as dificuldades, das barreiras, vários desafios encontrados, ele quer fazer acontecer, ele quer seguir em frente e com muita fé e com muita esperança. Então eu acho que estar aqui, agindo, tendo essa liderança, me faz ver de perto desafios que longe estando na Holanda é muito difícil de se ver no dia dia.

 

"Então eu acredito que o que a gente vem trabalhando muito, e conectado com o Governo do Estado, é para fazer essa ambiência de negócios ficar ainda melhor." Duna Uribe, ao falar sobre os desafios do setor portuário cearense

 

OP - E quais são os desafios?

Duna Uribe - Eu acredito que os desafios se englobem mais no teor de clima de negócios, ambiência de negócios. E eu não estou colocando nem o Pecém, eu estou colocando a minha vivência, que tem sido fora do Brasil. Minha vivência como adulta, como profissional, que foi nos Estados Unidos, foi na Holanda. E nesses países existe muito a facilidade de fazer negócios.

As regras são muito claras desde o início. Toda a questão de como fazer negócios, com quem... E quando você chega no ambiente de países em desenvolvimento, e aí realmente não é algo próprio do Brasil e nem do Nordeste, é algo próprio do mundo em desenvolvimento, ainda existem essas barreiras, os desafios no sentido de ambiente de negócios.

Qual é é o Marco legal que eu vou seguir? Quais são os interesses, os diversos interesses que existem à tona?

Então eu acredito que o que a gente vem trabalhando muito, e conectado com o Governo do Estado, é para fazer essa ambiência de negócios ficar ainda melhor.

A gente ter uma melhoria na ambiência de negócios, para que quando o empresário, as empresas venham a buscar fazer negócios no Ceará, se encontrem com um clima, com o ambiente, que realmente dê as boas-vindas, que pegue na mão do investidor e fale: ‘Eu vou lhe ajudar’. Ajudar no que for, em um estudo de viabilidade econômico-financeira, a fazer o licenciamento ambiental, a pegar algumas permissões e atualizações necessárias.

Esse é o trabalho que a gente que está na área comercial vê de frente: os desafios que existem ainda no fazer negócios. Quando tenho novo encontro com algum investidor novo eu sempre falo: “Veja o complexo do Pecém como alguém para facilitar o seu negócio. Eu quero entender o seu plano de negócios para poder, no meu papel, lhe facilitar”.

É para fazer seu negócio aqui, que ele não vá para outro local e isso é muito bem-vindo, isso é muito bem recebido, porque é como se fosse um alento, uma ajuda.

"Então eu sou realmente apaixonada por esse tema e creio que qualquer ambiente somente tem a se beneficiar por colocar na mesa mulheres e homens tomadores de decisão", Duna Uribe, diretora executiva Comercial do Complexo do Pecém(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR "Então eu sou realmente apaixonada por esse tema e creio que qualquer ambiente somente tem a se beneficiar por colocar na mesa mulheres e homens tomadores de decisão", Duna Uribe, diretora executiva Comercial do Complexo do Pecém

OP - Em relação à mulher no posto executivo... Temos a Rebeca (Oliveira, diretora executiva de Relações Institucionais do Complexo do Pecém)... Tem o Porto do Mucuripe com a diretora presidente da Companhia Docas, Mayhara Chaves. Como enxerga a mulher em cargos executivos?

Duna Uribe - Excelente ponto… Eu acho que isso precisa ser falado, debater essa presença feminina, essa presença da diversidade nas camadas de tomadores de decisão, porque se a gente tem uma proporção de 50%/50% população masculina e feminina, e se a gente falar que todas as decisões, sejam elas na esfera política, acadêmica, corporativa estão sendo tomadas por 50% da população, nós não estamos escutando metade da nossa população. Não somente aqui no Brasil, mas no mundo todo.

Então eu sou realmente apaixonada por esse tema e creio que qualquer ambiente somente tem a se beneficiar por colocar na mesa mulheres e homens tomadores de decisão. Porque são visões diferentes, ideias diferentes.

 

"Você citou mulheres na área portuária. Eu fico extremamente feliz de ter colegas avançando em cargos de alta liderança. No caso do Mucuripe, na Presidência." Duna, ao abordar o crescimento do número de mulheres na alta gestão de Portos

 

E está comprovado que empresas que têm no seu board, que têm na sua estrutura de Conselho, na sua estrutura de alta liderança, tomadores e liderança com histórico diferenciado uns dos outros, que não estudaram no mesmo colégio, que não estudaram a mesma disciplina, até que não praticam o mesmo esporte, não fazem as mesmas coisas, não têm o mesmo gênero, como isso traz um bom resultado ao negócio.

Até depois da crise financeira de 2008 capitaneada pelos Estados Unidos, também viu-se, fez-se um estudo, em que as empresas que tinham mulheres na alta liderança perderam menos dinheiro do que as empresas que tinham maioria masculina.

Isso não se dá porque a gente é mulher e é mais inteligente. Não, é porque a mulher geralmente toma menos risco do que o homem. Então esse equilíbrio, essa visão de longo prazo maior e talvez uma visão mais agressiva do homem, esse equilíbrio ele é muito saudável para o ambiente corporativo.

E até digo mais, não somente no ambiente corporativo, mas acadêmico e no mundo político também.

Você citou mulheres na área portuária. Eu fico extremamente feliz de ter colegas avançando em cargos de alta liderança. No caso do Mucuripe, na Presidência. E eu acho que isso é importante, porque a mulher que está ali em um cargo de analista, ou de uma gestão ainda inferior em hierarquia, ela consegue visualizar algo que ela possa vir a ter.

Se a gente não vê nada, então, eu não consigo me enxergar naquele cargo. Acho que é extremamente importante, eu acho que traz o equilíbrio e o que puder fazer para fomentar isso eu vou fazer.

OP - o que se tem feito neste sentido?

Duna Uribe - Você até tocou no ponto se eu já tinha vivenciado preconceito de gênero. Eu, infelizmente, estou muito acostumada a ser a única mulher, eu estou acostumada, isso desde a época de Holanda, Estados Unidos, de entrar na sala de reunião em ser a única mulher.

Começando numa posição de analista até chegar à posição de Diretoria e que ainda sou a única mulher. Isso me entristece, mas eu já estou acostumada e eu não estou dizendo que é bom. Na minha vivência não existe preconceito tão claro, tão nítido. Eu acho que são as pequenas nuances dos vieses.

Não é uma questão de: ‘Não eu não quero ela porque ela é mulher’. Eu acho que não é assim tão nítido, tão claro, tão objetivo. Eu acho que é: Eu tenho aqui um candidato homem e uma candidata mulher para uma nova função e eu não fiz um trabalho antes de conhecer o meu viés e também de colocar critérios muito bem definidos antes dessa seleção. Então, eu que sou homem branco na minha faixa de 50 anos vou favorecer um homem branco que está no seus 30 anos... Estou aqui dando um exemplo…

Sem entender que eu estou buscando algo que é mais confortável para mim. Porque se eu consigo ter empatia, se eu consigo entender aquela pessoa, aquele rapaz, então fica mais fácil de eu trabalhar com ele.

Porém isso é o melhor para a empresa? É alguém que não me questione, alguém que não questione o que a gente já tem dentro da empresa? Ou não seria interessante trazer uma pessoa que tem uma vivência diferente, que tem uma visão diferente, que vai sim questionar e que vai fazer o meu cérebro trabalhar mais, porque está colocando ali questões a serem debatidas?

Então eu acho que o que tem, o que precisa ser feito, é esse treinamento de vieses de executivos. A gente está tomando a decisão ali enviesada… Todos nós temos vieses. Seja questão de gênero, questão de raça, questão de, enfim… e também temos que ter os padrões, os critérios muito bem definidos antes para que não seja algo pessoal para que não seja algo do momento, que seja equacionado.

Local onde funcionará o hub de hidrogênio verde no Complexo do Pecém (Foto: Divulgaçao)
Foto: Divulgaçao Local onde funcionará o hub de hidrogênio verde no Complexo do Pecém

OP - Vamos partir então para o hub de hidrogênio. Como ele já tem facilitado as negociações e impulsionado o Complexo do Pecém?

Duna Uribe - O hub hidrogênio verde é algo fantástico. É algo assim que chegou para colocar o pecém realmente no âmbito global e ele tem se destacado no âmbito global. No Ceará ele já tinha, e ele tem, um grande potencial de energia renovável.

E aí você soma isso, o Porto, a área industrial e a Zona de Processamento de Exportação, a ZPE Ceará, então você combina assim algo de maravilhoso, algo realmente único.

Então o que está ocorrendo: os países que têm uma taxa de desenvolvimento, mais elevada, têm uma maturidade econômica mais avançada e estão necessitando reduzir suas taxas de emissão de gases estufa.

Para isso vão precisar descarbonizar e não algo como um sonho de vida, mas algo objetivamente com metas pré-definidas para 2030 e 2050. E aí já se definiu que o hidrogênio verde, existem vários tipos de hidrogênio, mas o verde vem das energias renováveis, será um grande ator, vetor, para essa descarbonização.

Acontece que os países, principalmente europeus, não vão conseguir, por capacidade, por questões técnicas, espaço etc, produzir o hidrogênio verde necessário para seu próprio consumo.

Então eles vão ter que importar esse vetor energético. E o Ceará está realmente na boca do Gol. Ele está na esquina do Atlântico, como o governador (Camilo Santan -PT) fala. Nós temos aí rotas para a Europa, por exemplo, nove dias a Valência (Espanha), 12 dias a Roterdã, que são rotas muito próximas que colocam o hidrogênio verde de forma competitiva nesse mercado consumidor.

E também nós visamos no hub o próprio consumo das indústrias do Complexo do Pecém e para consumo da nossa sociedade brasileira. E isso talvez leve um pouco mais de tempo, porque os estímulos que existem lá fora ainda não existem no Brasil, mas existe muito trabalho para poder motivar e estimular esse consumo internamente.

OP - Com essa demanda logística aumentam os desafios, como maior área de manobra, acesso a novos mercados, necessidade de modais como a Transnordestina. Então como a gente pode enfrentar esses desafios que também são potenciais de crescimento?

Duna Uribe - A resposta é planejamento, planejamento. E aí eu tenho que enaltecer o parceiro minoritário na sociedade do Complexo do Pecém, que é o Porto de Roterdã. Você citou vários itens que são importantíssimos para o crescimento do Complexo do Pecém e para a economia. O que é fascinante com o mundo portuário é que através do Porto você vê, você baliza a economia.

Por exemplo, em 2020 nós tivemos uma redução de cargas, foi um ano muito difícil. É importante falar do crescimento, mas também é importante falar dos desafios. A gente precisa ser realista. Porém, por que se deu essa redução? A gente perdeu mercado para outros concorrentes, ou a gente não estava preparado? Não… Foi um retrato da economia que a gente estava vivendo.

O PIB nacional caiu, então a movimentação do Complexo do Pecém caiu. E em 2020/21 a gente realmente está batendo recordes, em números não apenas comparados a 2020, que foi um ano desafiador, mas comparados a 2019 também. Então estamos muito felizes com esse resultado que o Porto vem apresentando.

E como se preparar para os novos movimentos das novas atividades? Então você cita ferrovia, excelente, porque eu também ia citar.

Um porto é um nódulo na cadeia logística e ele precisa de formas de escoamento. O Brasil é altamente dependente do modal rodoviário e a ferrovia ela ainda é um modal que precisa, pode crescer. Nós temos hoje, com a ferrovia existente, a FTL (Ferrovia Transnordestina Logística), em torno de 2% a 3% de cargas movimentadas que chegam e saem do Complexo do Pecém. Isso é muito pouco.

Então com a nova ferrovia, com a Transnordestina funcionando, a gente pode chegar a praticamente dobrar a movimentação do Porto. Então é algo assim que desde aquele potencial que eu falei, que foi visto com a consultoria do Porto de Roterdã, foi visto como grande catalisador.

 

"Nós temos hoje uma movimentação em torno de 18 de toneladas por ano e nós temos uma capacidade de até 28 milhões de toneladas, então nós podemos ainda crescer. " Duna ao comentar o potencial de desenvolvimento dos negócios do Porto do Pecém

 

Ou seja, o acesso ferroviário vai fomentar, vai possibilitar este crescimento e esse escoamento de mercadorias que hoje não estão sendo escoados. É algo que: ganha o Porto e ganha a economia em todos os sentidos... Educação, emprego, desenvolvimento.

Para novas operações, pás maiores, cargas maiores, nós temos o planejamento. O planejamento de expansão portuária. Somente para colocar aqui alguns números...

Nós temos hoje uma movimentação em torno de 18 de toneladas por ano e nós temos uma capacidade de até 28 milhões de toneladas, então nós podemos ainda crescer. Porém, já estamos trabalhando no projeto de ampliação portuária. Já nos preparando para essas novas cargas que irão vir.

A gente tem que se preparar desde agora, já que precisa ser feito todo o projeto de engenharia, licenciamento, e até chegar à parte de construção e operação.

Então, novas pás, energia eólica offshore, que é aquela no mar, que tem componentes muito maiores, vão precisar de uma ampliação portuária, que nós estamos preparados para fazer.

E isso é a beleza do negócio, porque quando foi formatada a parceria, foi feito com que a empresa, a Cipp S/A (Companhia de Desenvolvimento do Complexo Industrial e Portuário do Pecém) fosse capitalizada. Então a própria empresa pode, através dos seus recursos, investir na expansão, como capitalizar no mercado investimentos, financiamentos, para poder ter investimento maior para essas expansões.

Aí nessas expansões nós visualizamos diferentes atividades, como o próprio hidrogênio verde, a movimentação do hidrogênio verde, o escoamento, a movimentação portuária desses componentes eólicos, principalmente os offshore, que precisam de um maior espaço.

Esses são dois desses projetos e também a ferrovia, um grande projeto, que nós estamos falando de 15 milhões de toneladas, que precisarão desta expansão portuária.

E o interessante é fazer esse planejamento hoje, tendo vários cenários de crescimento, financeiros, levar isso ao Conselho para poder estarmos preparados para quando esses projetos realmente se consolidarem.

Fábrica da Aeris Energy no Complexo do Pecém. Empresa demandou melhoria na infraestrutura no entorno do Porto para atender movimentação de pás eólicas maiores(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Fábrica da Aeris Energy no Complexo do Pecém. Empresa demandou melhoria na infraestrutura no entorno do Porto para atender movimentação de pás eólicas maiores

OP - Mas tem um ponto que não é atribuição do Complexo, mas que influencia na movimentação, que é a infraestrutura do entorno. Como estão trabalhando nessa cobrança?

Duna Uribe - Nós hoje deixamos de ser a empresa Cearáportos e ZPE de forma fragmentada e individualizada como estávamos, e hoje somos Complexo do Pecém. Por que eu digo isso? Porque hoje existe uma empresa guarda-chuva, que olha todo o entorno do que foi por decreto definido como Complexo Industrial e Portuário.

Dentro deste Complexo, mesmo que nós não tenhamos a ingerência, o controle de todas as ações, nós precisamos estar sempre em alinhamento com os diferentes órgãos, não apenas Governo do Estado, mas também tem Governo Federal envolvido, para que essas ações realmente elas se tornem realidade, ou que sejam corrigidas, ou aceleradas. Então essa relação é importante.

E eu gostaria de citar aqui que um porto, em qualquer lugar do mundo, ele pode ser 100% privado, mas ele sempre vai ter uma dependência do Poder Público. Então nós não somos diferentes. Nós temos o Estado como principal acionista e precisamos do Estado e, repito, dos três Poderes, municipal, estadual e Federal e dos seus órgãos competentes para poder existir.

Isso é em qualquer lugar do mundo… Os portos precisam ter esse alinhamento com o Poder Público na questão não apenas do investimento em infraestrutura que ligam ao porto, como acessos rodoviários e ferroviários, mas também em questões sociais, em questões de treinamento, de capacitação de mão de obra.

A lista é bem comprida nesses pontos em que são necessários de alinhamentos. E para isso a gente tem a Diretoria de Relações Institucionais para fomentar essas atividades.

Duna Uribe, diretora executiva Comercial do Complexo do Pecém(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Duna Uribe, diretora executiva Comercial do Complexo do Pecém

OP - Em relação às cargas que vocês planejam crescimento, o Porto do Mucuripe começou a ter embarque nestes produtos que eram concentrados no Pecém. O Porto do Mucuripe é concorrente ou aliado?

Duna Uribe - Pergunta pegadinha (risos). É interessante porque muitas vezes funcionamos como aliados e muitas vezes funcionamos como concorrentes. E tudo bem. Concorrência é saudável.

O consumidor, importador e exportador, no caso, tem escolha. Citando aí um exemplo de porque que a gente é aliado, porque existem cargas que por alguma razão são melhores colocadas no Mucuripe, cito aí o trigo, que está todo centralizado no Porto do Mucuripe, e que o Ceará precisa e o Nordeste precisa. Então, neste sentido nós somos aliados.

Mas existem casos em que o cliente pode muito bem pedir uma cotação, ter opções de propostas comerciais com os dois portos. Isso não tem problema algum.

Agora, o que a gente tem visto fora do Brasil, acho que no Brasil não tem se consolidado ainda, mas é algo muito novo que a gente vem observado, principalmente na Europa, é como as autoridades portuárias, não os terminais, Cipp S/A, têm se consolidado umas com as outras, porque é Poder Público, a maioria delas.

Então, o Poder Público está olhando e fala: ‘Peraí, eu tenho aqui três portos que têm uma vocação específica, mas que estão distantes de si 50, 60, 100 quilômetros. Por que não eu colocar debaixo de um mesmo guarda-chuva, embaixo de uma mesma administração?’

Então isso vem ocorrendo na Holanda, na Bélgica, na Espanha. É algo para a gente ficar em sintonia. Eu estou dizendo que isso vai ocorrer no Ceará? Não, não sei. Eu estou formando algo que a gente vê como tendência.

E o que está acontecendo na esfera Federal é a privatização, ou a parcerização, ou a vinda do setor privado, porque a maioria na verdade não é privatização, é uma concessão ao ente privado e vem ocorrendo aqui no Brasil para aumentar a eficiência, aumentar os investimentos, infraestrutura.

A gente está observando essas tendências. Acreditamos que no Pecém a nossa transformação ocorreu. Qual foi a transformação? Primeiro a gente se integrar como Cipp S/A tendo a ZPE como subsidiária cuidando do Complexo como um todo para fortalecer a marca e trazer para o investidor a solução que ele precise, seja movimentação portuária ou também a área industrial ou ZPE, e a vinda, a atração do parceiro privado. Acredito que essa transformação já ocorreu com o Pecém, mas ela ainda vai ocorrer com muitos portos brasileiros.

OP - Recentemente, o presidente da Aliança, braço da Hamburg Süd, considerou um desafio para o Porto do Pecém melhorar o seu Terminal de Múltiplo Uso. Com isso chega até o Complexo do Pecém, essa demanda?

Duna Uribe - A Aliança é uma grande cliente de cabotagem, que é ligação de portos brasileiros, e é um modal extremamente importante. O Pecém atua hoje como hub, como concentrador de cargas que vêm do âmbito Sudeste e são escoadas para o Norte e ao contrário. E a Aliança é nosso grande parceiro para possibilitar isso.

Eu acredito que sempre podemos melhorar e esse é o desafio. Nestes dois anos e meio a gente tem avançado em muitos aspectos e agora nós precisamos avançar no aspecto superestrutura.

A infraestrutura do porto que é o que nos cabe à Companhia e antes da parceria cabia ao Governo do Estado, ela foi feita. Eu falei de uma próxima expansão, mas também devo citar que a gente acabou de ter uma expansão, segunda expansão não somente portuária, mas de obras onshore (em terra). E temos hoje 10 berços de atracação. A parte de contêineres, onde nós tínhamos um berço nós temos dois agora. Aumentamos em 100% a capacidade.

O que precisamos fomentar é a captação de investimentos na superestrutura, que são feitos através do operador logístico, prestador de serviço que a Cipp credencia. É importante a gente não apenas ter a Cipp, o Governo do Estado, atuando como investidor e melhorando, mas também ter o operador fazendo os seus próprios investimentos para a gente ter sempre a melhor eficiência para os nossos clientes, no caso, a Aliança.

Área do Terminal de Múltiplo Uso do Complexo do Pecém(Foto: Divulgaçao)
Foto: Divulgaçao Área do Terminal de Múltiplo Uso do Complexo do Pecém

OP - O governo aprovou recentemente a mudança do Marco Legal da ZPE. Como se enxergam melhorias para a ZPE nesta mudança?

Duna Uribe - Essa mudança do Marco Legal de ZPEs pro Brasil todo foi de extrema relevância para o Pecém, porque antes o exportador precisava exportar 80% da sua receita para se instalar na ZPE.

Mesmo para um player grande, que exporta bastante, é muito difícil dar essa quantia de exportar 80% da sua produção. A mudança que eu considero mais importante é a retirada dos 80%.

Então o exportador pode ter o benefício fiscal que é o mais atrativo para as mercadorias que ele quer exportar. Porém, o que ele for vender no mercado interno ele não vai ter esse benefício tributário. Isso facilita a nossa atração de investimentos, facilita o negócio do comércio exterior como um todo para poder se instalar em ZPE.

É importante que fique claro que os equipamentos e insumos que foram importados, se eles forem para produzir produtos que são exportados, eles têm uma isenção tributária. Isso é importantíssimo porque dá grande vantagem ao exportador. Esperamos que assim com essa mudança do Marco Legal possamos alavancar investimentos nesse setor.

OP - E as expectativas do fomento do hub do Comércio Exterior?

Duna Uribe - O hub do Comércio Exterior tem opções. Qual a solução que eu preciso? Eu quero exportar? Então eu gostaria de ficar dentro de área de ZPE. Eu quero somente usar a atuação portuária? Então ele pode ficar na movimentação portuária. Ele vai ter um menu de seleção para a escolha de produtos e serviços no Complexo do Pecém e facilitar a outros também que ingressem no comércio exterior. Isso é de suma importância.

OP - E quando o Porto de Roterdã chegou havia já alguns entraves com a Petrobras. Tanto com refinaria, quanto em relação ao terminal de regaseificação. O que estão buscando para tirar esses entraves?

Duna Uribe - Estamos buscando novos parceiros. Estamos em negociação com novos parceiros. A Petrobras está passando por uma grande transformação, focando aí na exploração do petróleo e gás, então não é algo propício apenas para o Ceará, mas é algo que está acontecendo no Brasil inteiro.

Sendo assim, a gente aposta nessa tendência e estamos negociando com novos parceiros tanto na parte de refino, quanto na parte do GNL. A parte do GNL talvez tenha até um agravante a mais, uma urgência a mais, porque hoje nós temos aí uma grande demanda no setor elétrico, onde o GNL, o Gás Natural Liquefeito, abastece as térmicas a gás do Estado e até de outros estados.

É importantíssimo ter essa atividade no Pecém e não perdermos, termos a continuidade. O contrato com a Petrobras vai até 2023 e nós precisamos ter novos parceiros para ter continuidade do GNL escoado através do Porto do Pecém para abastecer tanto a demanda elétrica, as termelétricas a gás quanto outras demandas do Estado, inclusive da distribuidora do Estado.

OP - Mas existe uma perspectiva de quando se consegue resolver essa questão do GNL?

Duna Uribe - A Petrobras tem um FSRU (Floating Storage and Regasification Unit), uma embarcação que regaseifica o gás líquido. Essa embarcação não está no Pecém atualmente.

Nós estamos tentando entender da Petrobras quando que essa embarcação irá retornar ao Porto para podermos nos preparar. Porque isso é uma parceria. Eles têm a embarcação e nós temos a infraestrutura portuária.

Se não retornar no curto prazo, que a gente seja notificado para podermos buscar uma alternativa. Agora isso é no curtíssimo prazo. O que é importante frisar é o pós 2023 . Essa continuidade do gás pelo Porto do Pecém.

Terminal GNL da Petrobras deixou o Pecém em março e opera, hoje, na Bahia(Foto: Agência Petrobras)
Foto: Agência Petrobras Terminal GNL da Petrobras deixou o Pecém em março e opera, hoje, na Bahia

OP - Quando a Porto de Roterdã chegou foi falada da parceria com empresas holandesas. Houve perda de interesse das empresas com a pandemia...

Duna Uribe - Eu não sou holandesa, não represento os holandeses, hoje eu sou Cipp, mas o que houve... Nós tivemos aí um ano e meio praticamente sem viagem, sem muitas aproximações, infelizmente, a feiras, roadshows.

Porém isso afeta muito os negócios, obviamente, então eu não julgo que houve desinteresse pelas empresas europeias, pelas holandesas. Houve uma desaceleração de todos os novos investimentos. Investimentos Capex que nós chamamos (investimento que a empresa realiza em si mesma para manter o seu nível operacional, ou aumentá-lo).

O que a gente está fazendo para se preparar para isso é programando um cronograma de roadshows, porque nós estamos chegando num momento em que as pessoas estão se vacinando, porque existe aí uma perspectiva de poder viajar, de poder ter mais contatos. Estamos programando um cronograma de roadshows para poder ir até os investidores e fomentar e mostrar e expor o que o Ceará tem e o que o Complexo do Pecém tem para oferecer.

Para o mercado externo é preciso que a gente se coloque de forma muito clara e objetiva quais são as reais oportunidades de negócio que o Complexo do Pecém tem a oferecer. Estamos preparando esse material para poder colocar em exposição para os investidores internacionais.

Nós queremos fazer, realizar roadshows ainda no fim deste ano e também no início do próximo ano. O prazo ele vai muito colado com o prazo da segunda dose das vacinas para que nós possamos todos viajarmos de forma segura.

OP - Em relação às rochas ornamentais, segundo o que nos relataram, algumas dessas negociações não andaram e algumas empresas chegaram a investir fora do Brasil. As rochas ainda estão neste radar e há alguma ação efetiva para o segmento?

Duna Uribe - As rochas ornamentais representam segmento muito interessante, porque, como eu tinha falado da ZPE, como seria difícil empresas exportando 80% e é interessante porque as rochas ornamentais elas exportam quase que 100%.

É um segmento que se encaixa muito bem em ZPE. Agora com a mudança de Marco Legal a gente nem precisa disso, mas aí ela se beneficia mais, porque ela exporta mais e nós estamos em tratativas com algumas empresas do segmento. É isso que eu posso afirmar.

"Toda minha carreira foi construída fora. Então, às vezes, posso parecer bem gringa, como alguns me chamam, a Duna gringa. Eu já não me ofendo com isso, eu acho que até pode ser um símbolo de carinho, mas o coração fica quentinho, porque me sinto em casa", Duna Uribe, diretora executiva Comercial do Complexo do Pecém(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR "Toda minha carreira foi construída fora. Então, às vezes, posso parecer bem gringa, como alguns me chamam, a Duna gringa. Eu já não me ofendo com isso, eu acho que até pode ser um símbolo de carinho, mas o coração fica quentinho, porque me sinto em casa", Duna Uribe, diretora executiva Comercial do Complexo do Pecém

OP - E agora eu vou para o seu coração. Como é para a senhora, soteropolitana, que tem família cearense, trabalhar aqui, ter seu coração aqui? Ou o seu espírito é viajador?

Duna Uribe - Eu me sinto como uma cidadã global, mas o que quero dizer com isso: que eu adoro viajar, adoro conhecer novas culturas, que incorporei outros lugares como também o meu lar, estabeleci relacionamentos com outras figuras, de outras regiões, de outras vivências, mas nada como estar no Ceará. O coração fica quentinho, é algo que... Eu passei mais de 20 anos fora do Brasil, então não é pouco.

Ainda mais que toda minha carreira foi construída fora. Então, às vezes, posso parecer bem gringa, como alguns me chamam, a Duna gringa. Eu já não me ofendo com isso, eu acho que até pode ser um símbolo de carinho, mas o coração fica quentinho, porque me sinto em casa. É algo que não traz esforço, vem de forma leve e é muito bom poder retornar a esse lar cearense.

OP - Os seus laços mudaram com essa volta? Porque quando você viaja até a sua visão muda. Mas como o seu laço com o Ceará mudou?

Duna Uribe - Eu acho que o choque cultural ele ocorre das duas rotas: tanto você saindo do Brasil, quanto você voltando. Especialmente quando você passou tanto tempo fora como eu. Então tiveram vários choques...

Eu acho que eu estava muito acostumada a... No trabalho é trabalho e o pessoal é o pessoal. Mas existe uma diferença, uma separação muito clara e no Brasil não, no Ceará não. Existe uma simbiose, existe uma ponte.

Você pode trabalhar com pessoas que se tornam amigas, você pode falar de questões familiares no trabalho… Isso não é algo estranho… É algo até desejável, significa que você tem confiança nas pessoas.

Então eu acho que isso me vem à cabeça como um choque. Porque no começo eu ficava… “Nossa, mas estão falando de tantas coisas pessoais… (risos) E eu devo falar então, também?” Mas leva um pouquinho de tempo para você ir se readaptando e depois é um processo bem gostoso.

OP - E como se enxerga num horizonte aqui no Estado? Você tem essa pretensão de voltar para o Exterior?

Duna Uribe - Sim, sim… Eu estou aqui cedida pelo Porto de Roterdã, então, oficialmente eu preciso me reportar à Holanda. Não sei se é isso que vai acontecer, mas é a situação que eu me encontro hoje e o futuro a Deus pertence.

Mas o importante é que o tempo que eu tenho aqui como liderança na área Comercial e como nova cidadã cearense, que eu consiga ter um impacto desejado, que eu sempre quis trazer um pouquinho da minha contribuição do que eu aprendi lá fora, trazer para o Estado e me divertir nesse processo, e abraçar as pessoas e empoderar as pessoas.

Isso é muito importante: a gente empoderar as pessoas com as quais a gente trabalha, porque na verdade elas são muito capazes. O que eles precisam é ser vistas.

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