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Da idolatria ao sonho de jogar com Rei, a história de Zico
Reportagem Seriada

Da idolatria ao sonho de jogar com Rei, a história de Zico

Zico ia ao Maracanã para assistir Pelé jogar e tentar aprender um pouco com a genialidade do maior jogador de todos os tempos. Galinho realizou o sonho de jogar com o Rei. E o cantor Raimundo Fagner relembra momentos de amizade, futebol e música com Pelé
Episódio 5

Da idolatria ao sonho de jogar com Rei, a história de Zico

Zico ia ao Maracanã para assistir Pelé jogar e tentar aprender um pouco com a genialidade do maior jogador de todos os tempos. Galinho realizou o sonho de jogar com o Rei. E o cantor Raimundo Fagner relembra momentos de amizade, futebol e música com Pelé
Episódio 5
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Antes de tornar o fenômeno do futebol mundialmente conhecido como Zico, Arthur Antunes Coimbra "cansou" de ir ao Maracanã para ver Pelé jogar. De um lendário camisa 10 para o maior de todos os tempos, Galinho comentou, em entrevista ao O POVO, sobre a relação com o Rei, o simbolismo por trás do número que lhe acompanhou em campo e a experiência de ter tido a oportunidade de atuar ao lado do tricampeão mundial.

Quando criança, Zico acompanhava o noticiário sobre Pelé. Mas, morando no Rio de Janeiro, não era assim tão fácil assistir ao camisa 10 dos Santos e da seleção em campo. A primeira vez que o ídolo do Flamengo viu a contraparte craque de Edson Arantes do Nascimento em ação, o santista já fora coroado duas vezes, nas Copas do Mundo de 1958 e 1962.

Eterno 10 do Flamengo, Zico cedeu o número a Pelé quando jogou partida festiva ao lado do Rei. Naquele dia, ele foi o 9(Foto: Alexandre Vidal/Flamengo)
Foto: Alexandre Vidal/Flamengo Eterno 10 do Flamengo, Zico cedeu o número a Pelé quando jogou partida festiva ao lado do Rei. Naquele dia, ele foi o 9

"Foi em um jogo no Maracanã, depois da Copa do Mundo de 1962, em que ele se machucou. O jogo era contra o Flamengo. O Santos estava ganhando por 2 a 0, mas o Flamengo virou para 3 a 2. Luiz Carlos e Leandro fizeram uma marcação forte contra ele", lembra.

Zico conta que ficou surpreso com a virada do Rubro-Negro. As análises pré-jogo davam vitória fácil para o Santos de Pelé, Pepe e companhia. "O Flamengo fez uma partida espetacular e virou. A gente não via muita coisa do Santos no Rio. Não tinham tantos jogos transmitidos na TV como hoje. Mas pelas notícias e filmes que a gente via, dava para perceber que ele era diferenciado. Cansei de ir ao Maraca para ver o Pelé jogar e tentar aprender um pouquinho", garante.

E o eterno 10 da Gávea aprendeu direitinho. No Flamengo, apareceu para o futebol e fez história usando o místico número, habitualmente utilizado por craques após Pelé. Zico é o maior artilheiro do Rubro-Negro e do Maracanã, conquistou títulos importantes pelo clube carioca, como a Copa Libertadores e do Mundial Interclubes, e é considerado um dos maiores jogadores de todos os tempos — apesar de ter jogado mais no meio-campo, é o quarto maior artilheiro da seleção, atrás de Pelé, Neymar, Ronaldo e Romário.

Pelé 80 anos - CAPA(Foto: intervenção de Cristiane Frota em foto reprodução)
Foto: intervenção de Cristiane Frota em foto reprodução Pelé 80 anos - CAPA

"A camisa 10, sem dúvidas, virou um símbolo por causa do Pelé. Lógico que eu tinha um ídolo no Flamengo, o Dida, que era camisa 10. Ele era titular da Copa de 1958, mas depois o Pelé entrou e tomou o lugar dele. A camisa 10 representou muito e representa até hoje", conta.

O ex-craque do Flamengo e da seleção explica que, após as exibições de Pelé no futebol, a camisa 10 se tornou um peso significativo. "Pra mim foi complicado. Veio o Rivellino com a 10 depois do Pelé. Ficou todo mundo achando que ia ver outro Pelé", diz o Galinho.

Para o ídolo rubro-negro, dificilmente vai haver outro jogador como o Rei. "Quando Deus criou um jogador de futebol, ele falou assim: 'Vou colocar todas as qualidades em cima deste cidadão'. Ele é um fenômeno inigualável. Vão passar anos aqui na Terra, e eu não vou ver mais. Acho difícil alguém no mundo que possa chegar ao mesmo nível dele. Já apareceram grandes jogadores, mas igual a ele, não. Pelé tinha tudo que um jogador de futebol precisava", derrete-se.

Apesar de gerações diferentes, Zico teve a oportunidade de dividir o campo com Pelé, em um jogo beneficente entre Flamengo e Atlético-MG, no Maracanã, para arrecadar fundos e ajudar as vítimas da forte chuva que atingiu Minas Gerais. A chance de ouro de tabelar com o Rei aconteceu em abril de 1979, há mais de 40 anos e é lembrada com carinho até hoje. O Galinho vestiu a 9 do Rubro-Negro e cedeu a 10 para o Rei.

Pelé e Zico, ambos com a camisa do Flamengo(Foto: Site oficial do Flamengo)
Foto: Site oficial do Flamengo Pelé e Zico, ambos com a camisa do Flamengo

"Foi uma experiência fantástica. Realizei o desejo que todo mundo gostaria: de poder jogar ao lado dele. Ele foi muito simpático e solícito. Foi um orgulho para todos nós de participarmos junto com ele. Foi um jogaço, o Atlético tinha um timaço. O mais importante foi a participação dele com a gente. Dia inesquecível."

Em homenagem aos 80 anos de Pelé, Zico deixou uma mensagem carinhosa para o Rei. "Muita gente conhece o Brasil e o futebol do País por causa de você. Representou sempre muito bem o nosso país e conquistou tudo, teve uma carreira brilhante. Eu tenho muito orgulho de ser brasileiro e ter tido um cara como você (no país), Pelé. Espero que você possa curtir bastante seus 80 anos e seja muito feliz. O mais importante é que você tenha muita saúde e recupere sua condição para podermos te ver mais vezes. Parabéns, muitas felicidades e obrigado por tudo."

Na saída do Galinho de Quintino do Flamengo, em 1983, o músico Moraes Moreira perguntava “E agora como é que eu fico / nas tardes de domingo / Sem Zico no Maracanã”. Tal qual o baiano, Zico também foi torcedor órfão. De um camisa 10 para outro camisa 10, o futebol se reinventa em gozos em frustrações.

Pelé 80 anos(Foto: Paulo Pinto / Fotos Públicas)
Foto: Paulo Pinto / Fotos Públicas Pelé 80 anos

Amizade, futebol e música: Fagner
relembra grandes momentos com o Rei

O futebol e a música caminharam juntos na trajetória de Raimundo Fagner, 70 anos. O cantor cearense emplacou inúmeros sucesso como "Mucuripe", "Canteiros", "Deslizes", em mais de 40 anos de carreira. Ao mesmo tempo, demonstrou amor pelo esporte com a bola nos pés, disputou amistosos espalhados pelo mundo e colecionou amizades com craques brasileiros. Entre eles, o Rei.

A relação com Pelé teve início antes de os dois se tornarem amigos. Em 1970, Fagner, então com 20 anos e desconhecido para o grande público, era um dos milhares de brasileiros que acompanhavam a campanha da seleção brasileira na Copa do Mundo, no México.

Na final do Mundial, Fagner se reuniu com amigos na rua Lauro Maia, em Fortaleza, para assistir Pelé e companhia buscarem o tri do Brasil. Em meio à euforia, o cantor se despedia do Ceará rumo a Brasília, onde firmaria novo lar naquele início da carreira.

Pelé, ao lado de Fagner em (Foto: Acervo Pessoal)
Foto: Acervo Pessoal Pelé, ao lado de Fagner em

O que Fagner nem imaginava naquele momento de idolatria ao Rei era que, pouco tempo depois, o próprio ídolo estaria lhe abraçando para iniciar forte amizade. Quatro anos após o tri, o cearense tinha atingido as paradas de sucesso com o lançamento do primeiro disco — "Manera Fru Fru Manera" — e se tornara figura presente entre boleiros.

Foi neste cenário que, em 2 de outubro de 1974, Pelé e Fagner se encontraram. Era a despedida do craque vestindo a camisa do Santos. Havia um batalhão de carros e de seguranças em frente ao portão da concentração. Mas o cantor conseguiu driblar a dificuldade pela amizade com Afonsinho, ex-jogador. O músico chegou no exato momento em que um táxi amarelo estacionou ao seu lado, trazendo o Rei.

Ao avistar o cearense, o camisa 10 mais celebrado do futebol mundial o abraçou. Daquele primeiro contato em diante, eles se tornaram verdadeiros amigos.

 

"O Pelé é único. O futebol poderia ser descrito como antes e depois do Rei Pelé e seu surgimento, encantando o mundo aos 17 anos em plena Copa (de 1958). Este fato ficará marcado para sempre na história do futebol", diz Fagner, ao O POVO.

O encontro entre os amigos se tornou frequente. Fortaleza, São Paulo, Santos, Los Angeles, Nova York, Barcelona, Paris são algumas cidades em que a dupla esteve junta. As lembranças são vivas no cantor, que diz estar devendo uma visita ao Rei.

"Nos vimos em muitos lugares. Em Nova York, quando fui gravar, ele me visitava no hotel em que eu estava. Foi o mesmo lugar que ele morou quando jogou no Cosmos e me levava para fazer macarrão e tocar violão. Nestas horas, parava o hotel", lembra.

 Pelé, ao lado de Fagner em (Foto: Acervo Pessoal)
Foto: Acervo Pessoal Pelé, ao lado de Fagner em

Apesar de ter desfrutado de muitos momentos marcantes com o craque brasileiro, o músico tem um arrependimento. "(Eu) Me arrependo de não ter registrado nosso encontro numa ocasião em sua casa, em Santos. Ele passou a tarde me mostrando todo seu acervo, que hoje é o museu. Não tínhamos o hábito como hoje de registrar tudo em foto e vídeo. Eu não tinha a dimensão do que estava vivendo", conta.

Fagner narra história curiosa sobre a fama mundial de Pelé e como era acompanhar o amigo em uma simples caminhada. "Na Copa da Espanha (1982), entrei com ele em um estúdio em Sevilha. Caminhamos por dez minutos. Meus bolsos ficaram cheios de cartões de apresentação de personalidades do mundo inteiro."

E a surpresa com a quantidade de fotógrafos amontoados em busca do melhor ângulo para registrar Pelé na cerimônia em que o brasileiro recebeu o prêmio de Atleta do Século, em Paris. "Nunca tinha visto uma chuva de flashes tão grande na minha vida."

Apaixonado pelo esporte, Fagner ainda teve o privilégio, por intermédio do Rei, de dividir o vestiário com as lendas do futebol: o Eusébio, Di Stéfano, Cruyff.

"Tenho muita saudade dele. Eu tinha um show marcado em Santos, mas foi cancelado por conta da pandemia. Agora é rezar para que esta loucura tenha fim logo para que eu possa ir dar um abraço nele. Viva os oitenta anos de Pelé."

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