O contato que Luiz Roberto Barcelos tem com a terra vem desde criança na fazenda da família herdada ainda dos tataravôs na região de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. As recordações de ver o pai, certas vezes, com dificuldades para pagar contas do trabalho do agronegócio o fizeram optar por cursar Direito na capital paulista e seguir um novo caminho.
Mas o destino não quis assim e, mesmo já formado, foi trabalhar em um escritório para atender um cliente exportador de frutas. Pela identificação com a área, foi contratado pela empresa, onde conheceu o amigo e sócio, Carlo Porro, com quem abriria a Agrícola Famosa, em terras cearenses. Luiz é neto de cearense.
Antes disso, a cobrança de uma dívida foi o que o trouxe para o Ceará, junto com Carlo. Como pagamentos receberam as terras de Icapuí, hoje sede da empresa que se tornou internacional, após a entrada do grupo de espanhóis na sociedade, a Citri&Co, em 2021. Possuem ainda escritório de distribuição para a Europa na Inglaterra.
A empresa está entre as gigantes de exportação de frutas do mundo e é a maior produtora de melão do Brasil, empregando quase 8 mil pessoas diretamente.
Exporta em navios fretados exclusivamente para ela, do Porto do Mucuripe, em Fortaleza, principalmente melões e melancias para Inglaterra, Holanda e Espanha, maior parte, e também Estados Unidos, Oriente Médio e Canadá.
Outra forma de envio são os containers que saem do Porto do Pecém, na Região Metropolitana. No futuro: a China, local que lutaram sete anos para conseguir a liberação.
Da família diz que veio o jeito humilde e simples de tratar bem qualquer pessoa e a fé para superar os momentos difíceis, como a perda de uma filha, Celina.
Dessa trágica experiência ficou a amizade e o carinho com os colaboradores que rezavam pela filha, além do ganho de espiritualidade que hoje descreve como ainda maior.
Com dois filhos bem encaminhados na vida, vive com a esposa Marta entre Fortaleza e Icapuí. O apoio e a companhia dela quando decidiu largar, em 1995, os parentes e as referências em São Paulo para desbravar novos ares com a família foram fundamentais para chegar onde está.
"Hoje somos mais cearenses do que paulistas", afirma.
Atualmente responde como conselheiro da Agrícola Famosa e divide seu tempo em questões institucionais da empresa, novos projetos e a parte política setorial, que faz em Brasília (DF) junto a entidades e o Ministério da Agricultura.
Para ele, seca não pode ser sinônimo de pobreza e existem formas de transformar o solo.
Saiba mais sobre as memórias, a carreira, a habilidade institucional e o legado que deixa para o Ceará no bate-papo com O POVO seguir.
O POVO - Quais as primeiras recordações da convivência com a família no interior de São Paulo?
Luiz Roberto Barcelos - Lembro muito da vivência na fazenda do meu pai no interior de São Paulo. Era uma antiga fazenda de café de meeiros que vieram da Itália e depois cultivavam laranjas.
A gente andando a cavalo, morávamos em Ribeirão Preto nessa época e íamos nos feriados e fins de semana para a fazenda. Nadava no lago, brincava de estilingue... Era uma vida bem de campo.
Eu sempre gostei da natureza, eu pescava e gostava do contato com as árvores, as plantas e os animais. A convivência com meus pais e avós também sempre era com todo mundo junto, muito unido e sempre conversando, trocando ideias sobre a formação do caráter, da personalidade.
Tive uma convivência boa, estável, equilibrada com os pais e avós que realmente passaram os valores que a gente traz até hoje.
O POVO - O que aprendeu de mais importante com eles que replica com os filhos?
Luiz - Tive uma formação católica muito forte de ir à missa aos domingos. Minha formação foi bem dentro desses princípios do catolicismo. Meus pais se conheceram nos Estados Unidos, minha mãe era professora e filha de diplomata da Bolívia, eles moravam em São Francisco, na Califórnia.
Meu pai foi jovem para morar e trabalhar por lá e se conhecer lá. Minha mãe sempre me dizia: 'Quando você crescer e for escolher sua profissão você pode escolher qualquer profissão, mas você tem que ser o melhor'. Sempre com princípios de honestidade e simplicidade, não ser arrogante e tratar todo mundo bem.
"Lembrar que todos são seres humanos, isso tudo foi fundamental, inclusive, para nossa empresa, pois ela gera muito emprego. São quase 8 mil colaboradores e essa filosofia de você tratar bem as pessoas é algo cultural para mim, pois não trato o número de forma fria, pois são seres humanos, são vidas."
Tratar todo mundo bem, independentemente da classe social, do que faz. Primeiro porque o mundo dá muita volta, um dia você está por cima, outro por baixo.
E quando você trata todo mundo bem você sempre será bem tratado. Isso a gente passa e passou para os filhos e graças a Deus eles estão bem encaminhados e nunca nos deram trabalho. São estudiosos, obedientes e pessoas alinhadas com a nossa filosofia de vida.
O POVO - O senhor tem um avô cearense com quem não teve contato. Hoje vive aqui com a família e criou uma das principais empresas do agro aqui também. O que isso representa para o senhor?
Luiz - Tem esse lado histórico do meu avô ter sido daqui. Ele saiu no começo do século passado para estudar medicina no Rio de Janeiro. Quando teve o surto da gripe espanhola no interior de São Paulo a família da minha avó levou ele como médico para cuidar deles.
Meus parentes tinham o hábito de casar entre primos e ele era totalmente de fora, mas foi bem recebido. Infelizmente eu não o conheci, pois veio visitar os pais e um dia antes de ir embora teve um infarto.
E o destino me trouxe de volta para a terra dele e as conversas que a gente tem com as pessoas mais antigas daqui são que ele era um médico muito bom, de bom coração, que atendia as pessoas naquela época sem cobrar.
Ele também foi líder setorial relacionado ao café à época. E é muito interessante você vendo essas conexões entre nós e o destino me trazendo de volta para Fortaleza, terra dele.
Aqui tive uma filha que nasceu e outra que faleceu. Então tem essa ligação que transcende o nosso entendimento e o nosso momento.
Mas, com certeza, ele deve ter mexido os pauzinhos lá de cima para que a gente viesse para cá, para poder dar emprego e ajudar os conterrâneos dele também. É meio místico e pouco inexplicável, mas uma coincidência bacana que aconteceu na minha vida.
O POVO - Conte sobre o início da sua carreira profissional no Direito e a passagem para ser empresário do agro...
Luiz - Fui criado no interior de São Paulo, na região de Ribeirão Preto. Naquela época, quando a gente começava a se entender como gente o agro não tinha a pujança que tem hoje. Era muito difícil, não tinha as tecnologias que se tem hoje, não tinha o mercado de exportação que temos. Então era bem difícil você sobreviver do agro.
Via o meu pai sempre com dificuldades financeiras, bancos, correndo atrás de pagar conta... Falei assim: "Eu não quero mexer com esse setor, quero qualquer coisa melhor". Eu fui então fazer Direito e me mudei para cursar faculdade em São Paulo, Capital, na USP (Universidade de São Paulo).
Durante esse período eu fiz estágio em escritório de advocacia e depois de formado continuei lá advogando.
Foi quando surgiu um cliente dono de uma empresa israelense e eu dava assistência jurídica para ela. Nesse convívio, ela era uma exportadora de fruta, com a minha experiência de ter sido criado em fazenda, na natureza, acabei me identificando e fui trabalhar na empresa como diretor.
O POVO - Lá que conheceu seu sócio Carlo Porro?
Luiz - Isso mesmo. E aí quando entrou o Plano Real, em 1994, o dólar caiu muito e essa empresa que era só exportadora acabou paralisando as atividades. Nesse momento a gente estava cobrando uma dívida de um fornecedor, aqui no Ceará, em Icapuí.
Nesse processo de cobrança, eu e Carlo recebemos as terras como pagamento e resolvemos estabelecer a Agrícola Famosa em 1995 e começar um novo projeto de vida.
Começamos ela com muito pouco, pois não tínhamos capital de giro, nem créditos e sem muito conhecimento da parte da produção, porque a gente era de uma empresa que exportava. Começou desse jeito e fomos crescendo ao longo dos anos.
O POVO - Qual foi o seu momento mais relevante na carreira? Quais as características mais marcantes pessoais e profissionais do senhor?
Luiz - Sem dúvida o momento mais marcante foi realmente quando a gente decidiu dar esse passo de sair de São Paulo e começar uma coisa nova. À época eu tinha trinta anos, já estava casado, eu comecei a namorar muito cedo, eu com 17 anos e ela com 15 anos.
Nessa época a gente já tinha dois filhos (Bráulio e Celina) e ela estava grávida da terceira (Beatriz) quando a gente fez essa mudança. Esse momento foi o mais importante, pois foi encarar a mudança de vida, uma mudança profissional, deixar os pais, as famílias dela e a minha que estavam muito próximos e vim pra um lugar que a gente não conhecia muito.
Esse foi um grande marco na nossa vida, óbvio que a esposa apoiou desde o começo, isso foi muito importante, porque ela também saiu da zona de conforto dela e encarar esse desafio. Ela topou desde o começo e incentivou para virmos.
O POVO - Como foi para os filhos?
Luiz - Foram criados entendendo que não podem ficar parados, que têm de fazer aquilo que se gosta. Nesse período eu notei que eu gostava dessa profissão de produzir, de ver a produção, de estar mais próximo, da comercialização, da exportação e os filhos foram criados dentro desse ambiente de empresário.
Saber juntar os fatores de risco que se tem dentro de uma empresa e fazer com que esses fatores sejam positivos e tragam resultados. Então eles todos desde criança foram criados dentro dessa visão empreendedora. E foram criados para o mundo e não para dar continuidade ao negócio especificamente.
OP - Eles são formados em quais áreas? O senhor influenciou de alguma forma?
Luiz – O Bráulio é formado em Administração de Empresas. Trabalhou em companhias grandes de agro. Foi trainee na Cargill, uma das maiores empresas do mundo de alimentos, e trabalhou na Companhia Suzano de papel e celulose, que tem uma ligação com a agroindústria.
Desde cedo ele viu o agro como uma grande possibilidade de trabalho. Acabei influenciando. A mais nova, Beatriz, fez Agronomia. Começou fazendo em Mossoró, como tinha muita greve ela foi para interior de São Paulo, e fez na Unesp de Jaboticabal (Universidade Estadual Paulista). Sem dúvida foram influenciados por esse meu ambiente e de toda a família.
Filhos: Bráulio, Celina (in memorian) e Beatriz
O POVO – Em que momento eles trabalharam com o senhor?
Luiz - O Bráulio trabalhou dois anos, depois de formado, quando ele voltou para Fortaleza. Ajudou a gente na área de BI (Business Intelligence) para formação de preço, onde vender os produtos, quais são os produtos mais rentáveis...
Ele que ajudou a criar esse departamento na empresa e depois acabou saindo, porque a gente teve uma venda de uma parte da empresa para um grupo estrangeiro e aí ele achou que estava na hora dele começar sua própria carreira.
Hoje ele está na área de ensino, mas também ajuda na estruturação de um fundo de agro para fazer investimentos em terras. Ajudo ele, mas não é ligado a Famosa (Agrícola).
E a minha filha trabalha representando uns produtos de biotecnologia, pois nós temos também uma empresa de agro e biológicos que produz macro e micros organismos vivos que hoje é nova tecnologia da fruticultura e do agro de modo geral.
O POVO – Como funciona?
Luiz – É você usar fungos e bactérias como seus aliados no combate de pragas, doenças e também na parte nutricional.
É recente essa empresa, temos há cinco anos, mas que está crescendo bastante. Ela junto com o marido criaram uma empresa para eles, independente, que faz representação, vendas, abre clientes e negócios.
O POVO - Do agro, o senhor não sai mais?
Luiz - Não saio mais. A ideia de futuro é ter um negócio meu, mais pessoal, paralelo à Famosa, que os filhos possam atuar no futuro, se quiserem.
"Seria uma nova geração de empresas. A Famosa continua com o projeto dela, acho que esse passo que nós demos é para perpetuar, que a empresa continue independente da gente estando lá ou não, pois ninguém é eterno."
Mas montar algo paralelo a isso também voltado no agro, como comprar áreas de pastos degradáveis e transformar isso na produção de alimentos. Não saio mais do agro e os filhos estarão cada vez mais inseridos nesse contexto.
O POVO - Como está a sociedade da Famosa com Carlo Porro? E os outros sócios?
Luiz - Isso, temos o Carlo, que também é o fundador da empresa e começou comigo. Hoje ele é o CEO da Famosa e quem cuida da parte comercial.
Em 2010, a gente também inseriu mais três sócios agrônomos e hoje um deles ainda continua que é o Richard Muller, ocupa o cargo de diretor de produção. Os outros já saíram.
Do lado brasileiro somos nós três. Com a chegada dos espanhóis eu passei a ser conselheiro da empresa, a minha parte agora é institucional, muito em Brasília com a Abrafrutas (Associação Brasileira de Exportadores de Frutas).
Criamos agora a Rede Nacional de Irrigantes, que seria uma associação dos irrigantes do Brasil. E continuo no Ministério da Agricultura como presidente da Câmara Setorial.
O POVO - Como foi ser presidente da Abrafrutas? E hoje como é a atuação como diretor institucional e suas funções políticas?
Luiz - Tenho feito muita política que chamo de política setorial e não partidária, mas tem essa obrigação, vamos dizer assim, de como liderança do setor cuidar das políticas públicas voltadas para o setor da fruticultura e do agronegócio.
Quando a gente teve o falecimento da filha, eu tive afastado para cuidar dela e, quando voltei, a empresa estava caminhando normalmente. Começou a produção, começou a comercialização e eu passei a me dedicar um pouquinho mais a essa parte institucional.
Como a abertura de mercado, a defesa fitossanitária e a parte de registros dos defensivos, pois existe toda essa parte regulatória que envolve o setor.
Eu fui um dos fundadores da Abrafrutas e fui o primeiro presidente por seis anos, dois mandatos, e muita gente queria que eu continuasse, mas eu não queria que ficasse uma coisa pessoal, queria ter um revezamento e acabei ficando como diretor institucional. Pois já tinha um relacionamento muito bom com os ministros.
"Os empresários muitas vezes não ligam para isso. A gente não pode só reclamar e tem que tomar algumas ações. Reclamação por si só não resolve nada. E estou na Presidência da Câmara Setorial do Ministério da Agricultura."
Já foram cinco ministros que passaram por lá e sempre entrego a minha carta de demissão, mas eles não aceitam e pedem que um fique mais pouco. Já estou há oito anos.
O POVO - E é bom para o senhor?
Luiz - Essa parte institucional também me deu muita experiência, assim como a fruticultura, e muitos amigos. A gente tem conseguido evoluir muita coisa aí na fruticultura, a partir do momento que a gente conseguiu criar essa associação.
Também é um legado que a gente procura deixar não só na empresa, mas também a nível institucional para perpetuar o setor, que ele cresça cada vez mais, que ela gere muito muito emprego e distribua muita renda.
O POVO - Quais principais conquistas e o que falta?
Luiz - A abertura do mercado do melão para a China que foi agora na pandemia. A gente ainda não conseguiu comercialmente explorar o mercado, mas já está aberto, foi uma batalha de sete anos.
E outros mercados que ainda faltam em países asiáticos como o Vietnã e Filipinas, que estão na fila, e Estados Unidos também estamos conseguindo melhorar nossa relação com eles para outras frutas, como limão e abacate.
Temos conseguido também sensibilizar o Governo Federal na questão de orçamento para a defesa fitossanitária que é um risco muito grande de entrar uma praga de fora e a gente não poder exportar mais nossas frutas.
Mas tem muita coisa a se fazer, porque entre governo sai governo, entra ministro, sai ministro, temos que estar sempre reconstruído essas relações, mas o importante é que sempre foi dentro de uma forma legítima e republicana, mostrar a importância que é a fruticultura e principalmente a fruticultura na região do semiárido brasileiro, que é a sem dúvida nenhuma a melhor forma de você diminuir as diferenças sociais que nós temos no Brasil.
Assim, levando o desenvolvimento e a geração de renda para essa região que normalmente é tão pobre, tão necessitada, porque não tem oportunidade das pessoas trabalharem. E a fruticultura acaba sesse esse veículo.
O POVO - Voltamos para o mapa da fome neste ano. Como o senhor acha que o agro pode mudar esse cenário?
Luiz - O agro pode ajudar produzido alimentos, que é a função que ele tem. E produzir cada vez mais alimentos utilizando-se cada vez menos de área de superfície, porque tem aumentado a produtividade por hectare, toneladas por hectare.
Quando você aumenta a produção de alimentos na mesma superfície você tem um impacto ambiental que você não precisa avançar em outras áreas que hoje estão mais preservadas em nível de natureza.
E também você baixa o custo de produção e portanto baixa o custo do alimento em si. Acho que um dos problemas que temos hoje é que o alimento é muito caro, principalmente na fruticultura.
O POVO - Como resolver?
Luiz - Temos que trabalhar para diminuir perdas e desperdícios e aumentar a produtividade para que o custo fique cada vez mais baixo e mais acessível, principalmente para as classes mais baixas que acabam ficando de fora do consumo de alimentos saudáveis por causa do preço.
Isso significa tecnologia e o agro brasileiro hoje é uma referência mundial, com várias técnicas que têm implementado na produção.
Você tem feito isso porque o Brasil hoje é um líder na posição de alimentos mundial e cada vez mais terá esse papel para realmente ajudar a matar a fome para evitar o colapso.
Onde você não tem fome você tem paz. Então também é um promotor da paz, porque os países e as pessoas que têm ali o alimento a sua disposição têm condição de pensar em outras coisas e não pensar tanto em disputas. É um papel muito importante que o agro tem que conseguir dar uma resposta.
O POVO - Como estão tratando a questão do agrotóxico no Brasil?
Luiz - Existe desconhecimento do que é realmente o agrotóxico. As pessoas usam muito o termo veneno, que é muito pejorativo para mim, mas é uma tecnologia que ajuda a gente a aumentar a produtividade numa mesma área.
Óbvio que tem de ter os cuidados de como e quando aplicar e as dosagens, mas tudo isso tem estudos científicos regulamentados.
E quem não obedece tem problemas, pois somos fiscalizados no Brasil e para as exportações. Temos 96% das amostras dentro do permitido e os 4% não geram riscos à saúde.
O POVO - Após uma fatalidade na vida familiar, a perda da filha Celina, o senhor contou que recebeu muito apoio da comunidade de Icapuí. Como foi?
Luiz – A gente teve uma solidariedade muito grande dos nossos colaboradores, maior parte de lcapuí, mas também de Tabuleiro do Norte, Limoeiro do Norte, Russas, Quixeré.
Eles foram muito solidários, sempre tiveram do nosso lado nos momentos difíceis, inclusive, a própria Celina narra em um texto (exposto na residência da família) o dia em que um funcionário foi lá na casa da fazenda rezar por ela, cantar e tudo mais.
Ela conta bem o que vivenciou nesses momentos, com nossos colaboradores, pessoas simples, pessoas que estavam ali realmente sem nenhum tipo de interesse e estavam lá mesmo para rezar por ela.
Até hoje a gente se dá muito bem com os colaboradores, considero todos pessoas fundamentais para o sucesso da empresa, porque eles que estão no dia a dia e com esforço e suor deles ajudaram a construir essa que, hoje, é uma das maiores empresas do mundo de produção de melão e é a maior exportadora do Brasil.
O POVO - Atualmente como é a relação de vocês?
Luiz – Temos uma relação muito fraterna, assim, de cuidar deles, de saber que eles estão bem, que as gerações estão crescendo ao longo dessas décadas.
"Temos muito orgulho dessa comunidade e em deixar esse legado ali. De ter melhorado a vida das pessoas, não só na parte da renda, que eles tiveram pelo trabalho deles, mas também que a geração seguinte melhora, existe uma ascensão social."
Por exemplo, o filho do motorista de Icapuí, Rogério, o Ulisses é agrônomo é responsável pela produção, trabalha com a gente. Temos outros filhos de técnicos agrícolas que também fizeram agronomia.
O POVO - O jovem Luiz, de 1995, achou que chegaria tão longe?
Luiz - Ah não... O jovem Luiz Roberto, assim como meu sócio Carlo... Não tínhamos a menor ideia que fóssemos chegar aonde chegamos.
A gente estava numa empresa que estava fechando as portas e a gente estava aqui cobrando uma dívida e a pessoa estava oferecendo essa fazenda e dizíamos: "O que vai ser lá? Como vamos fazer?"
Ele me incentivou a vir e tivemos essa oportunidade e eu vim primeiro porque eu cuidava mais da parte rural mesmo, que ele não conhece. De São Paulo mesmo ela fazia a parte comercial.
Por mais que a gente sonhasse, por mais que a gente quisesse assim exagerar nos sonhos, a gente não imaginou que fosse construir uma empresa deste tamanho.
É gratidão muito grande por Deus e pelas pessoas que estiveram com a gente durante esses quase trinta anos de empresa.
É maravilhoso você realmente conseguir êxito naquilo que você faz e mais importante que isso agora é a gente trabalhar para deixar esse legado, para que isso não termine quando a gente morrer.
O POVO - Qual legado a Agrícola Famosa deixa para o Ceará?
Luiz - Vemos que o legado muito importante que foi deixado é você transformar uma região que era muito pobre, que não tinha emprego ou oportunidade para as pessoas expressarem a sua força de trabalho.
Além de, antes da chegada da Famosa, o índice de mortalidade infantil era muito alto na região, de desnutrição. E com a vinda da Famosa, e outras empresa também, isso mudou.
Hoje aqui não tem desemprego na região e distribuição de riquezas, hoje um quarto do que produzimos vai para a mão de obra. É ter deixado gerações com novas possibilidades de ascensão social. São oportunidades que eles agarram.
Esse legado que a gente deixou e vem melhorando. E o legado também de ter montado uma empresa agrícola de fruticultura que chegou nesse tamanho mostra que outros podem fazer a mesma coisa se tiverem boa gestão, seriedade, honestidade e transparência.
Esse é o caminho do sucesso e não só o de se dar bem na vida, mas de estar bem com a vida, estar tranquilo e em paz com o trabalho feito para sociedade.
Todos os contatos para a entrevista foram feitos direto com Luiz Roberto Barcelos que nos convidou para um café no seu apartamento com a esposa e o filho mais velho Bráulio e para conhecer a fazenda em Icapuí, município cearense próximo à divisa com o estado do Rio Grande do Norte.
Durante os bastidores ficamos sabendo da perda de uma das filhas, ainda na adolescência, Celina.
Na residência tem um quadro, reprodução de uma carta que ela escreveu sobre o acolhimento e a fé que os colaboradores da Agrícola Famosa compartilharam com ela nos momentos difíceis.
Olhar os antigos álbuns de família com a presença de Celina emocionou a todos.
Durante dois dias, visitamos apenas parte da fazenda em Icapuí e já foi uma imensidão para a equipe. Em diferentes locais da locação fomos de carro.
É encantador ver como um Estado que ainda se fala em seca pode usar a tecnologia a seu favor. Encerramos a produção deste episódio com um bolo quentinho ao som de passarinhos e muito verde na sede da fazenda onde Luiz passa a maioria dos dias da semana.
O lugar também já recebeu políticos e industriais do setor. Sua esposa gentilmente nos recebeu mais uma vez para selar o encontro.
Essa entrevista exclusiva com o sócio-fundador da Agrícola Famosa para O POVO dá sequência ao projeto Legados: A tradição familiar como pilar dos negócios.
Serão dez entrevistas nesta primeira temporada com grandes empresários para contar a base que sustenta seus princípios, valores e tradições familiares que estão sendo passados para as novas gerações. E, ainda, o legado empresarial para o Ceará.
No próximo episódio, conheça a história da indústria de cosméticos Alyne. Paulo Gurgel e os filhos concedem entrevista ao O POVO.
Uma série de entrevistas especiais com grandes empresários que deixam legados para a sociedade e a economia do Ceará