Sucessão, sustentabilidade e futuro dos negócios recebem um olhar especial nas histórias que compõem a nova temporada do Projeto Legados, do Grupo de Comunicação O POVO. Não à toa. Dados mostram como o tema é atual e importante. Segundo o Banco Mundial, entre 5% e 15% das empresas familiares do mundo seguem operando até a terceira geração, nas mãos dos descendentes do(s) fundador(es).
No Brasil, 42% dos CEOs são da segunda geração da família fundadora do negócio e 31% das empresas contam com um conselho de administração - globalmente, esse percentual sobe para 61%. Nacionalmente, 77% dos líderes percebem a ligação e o impacto entre o legado e o desempenho empresarial.
Os dados divulgados em setembro deste ano são do estudo “Legado das Empresas Familiares: preservando o passado e construindo o futuro - 2024 Global Family Business Survey”, produzido pela KPMG e pelo Step Project Global Consortium (SPGC).
Mesmo tendo 90% das empresas com perfil familiar, sendo essas responsáveis por empregar 75% da mão de obra brasileira e responder por 65% do PIB nacional, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fica evidente a falta de planejamento.
Estudo do Instituto Brasileiro Governança Corporativa (IBGC) relata que 72% das empresas familiares no Brasil não têm um plano de continuidade para os cargos-chave voltado aos descendentes.
Porém, se o desejo é que o negócio dê continuidade, o assunto “sucessão”, transições de controle, poder e até morte não podem ser acompanhados de desconfortos e tabus, conforme explica Lucas Legnare, diretor de expansão e parcerias do IBGC.
“O momento certo depende da jornada da empresa. O momento errado é deixar pra falar em sucessão nos momentos de crise. Então é preciso abordar o tema quando a empresa está navegando bem, sem grandes dificuldades tanto do ponto de vista financeiro quanto das dinâmicas familiares”, afirma o diretor.
Ter um olhar atento para a governança corporativa e familiar é um ponto crucial para que as mudanças ocorram de forma tranquila, conforme detalha Lucas. Segundo ele, a maioria das empresas erram quando se dedicam apenas à preparação de quem vai entrar, por meio de capacitações e convivências no dia a dia.
“É muito difícil para o fundador falar: a partir de amanhã, eu não entro, eu não estou mais na empresa, eu não vou mais apertar o botão do elevador que eu apertei durante os últimos 40 anos”, exemplifica.
Assim, ter um olhar atento para quem está saindo, envolver quem contribuiu por tanto tempo e permitir que eles continuem participando das discussões e decisões garantem também a longevidade do negócio.
Fatores como aumento da expectativa de vida e o prolongamento da vida profissional das pessoas interferem no desejo de permanência nos negócios. Ao mesmo tempo, o desejo de empreender e de assumir posições de liderança da geração mais jovem demandam mais atenção das empresas familiares.
Quando a sucessão está em vias de acontecer, Lucas explica que um dos maiores desafios é superar o desalinhamento de expectativas, principalmente entre quem está saindo e quem está chegando.
Uma das formas de quebrar tensões e diminuir os impactos das transições é criando o conselho de administração, um órgão colegiado onde as principais decisões são tomadas.
“O fundador, que foi o executivo principal, o diretor-geral, o presidente, assume um assento dentro desse conselho para, junto com outras pessoas, ajudarem no direcionamento da empresa sem estar no dia a dia. Todo mundo tem que se olhar, tanto quem está entrando quanto quem está saindo”, detalha Lucas.
O conselho também permite que a empresa inove, pois é formado por pessoas que não são membros da família e que conseguem contribuir com conhecimentos específicos, contribuindo para um caminho de sucesso sem, necessariamente, repetir receitas.
Para a pesquisadora Elismar Álvares, curadora do programa FDC Family Business, da Fundação Dom Cabral (FDC), a ida para o conselho é uma passagem natural, que impede um desligamento imediato e permite que o conhecimento e a experiência continuem sendo utilizados por todos, dando ainda segurança aos que permanecem à frente.
Por outro lado, o então presidente precisa ter ciência de que a transição também implica na mudança de rotina. “(Os fundadores) são muito ativos, gostam de andar pela empresa, saber o que que está acontecendo, tocar nas coisas, ver e avaliar com os próprios olhos. A porta do escritório está sempre aberta, todos entram e saem dali com decisões tomadas, um processo ágil”, descreve Elismar.
O trabalho, conforme explica a pesquisadora, se torna mais analítico, envolvendo leitura de relatórios, gestão e metodologias.
De acordo com Lucas Legnare, diretor de expansão e parcerias do IBGC, um dos maiores desafios atuais na sucessão de empresas familiares está em despertar o interesse dos mais novos em se juntar aos negócios tradicionais da família, seguindo por outros rumos do empreendedorismo.
A tendência, segundo ele, tem pontos positivos e de atenção. O lado bom é que, conforme a empresa familiar vai se desenvolvendo, é preciso que os familiares sigam investindo juntos, de forma a diversificar as fontes de receita.
“Então isso permite com que novos negócios vinculados a esse negócio principal sejam criados”, descreve.
Por outro lado, o ponto de atenção é a descontinuidade de membros da família dentro da empresa, o desinteresse em trilhar aquela escada tradicional, de começar de baixo, dar os primeiros passos até assumir uma posição de liderança.
Para Elismar Álvares, essa liberdade de escolha é fundamental. Porém, é possível fazer um trabalho de motivação entre os membros da família, estimulando as novas gerações a se interessar pelo negócio. “É trazê-los para perto, levá-los a criar vínculos, a criar laços.
Outra observação é o “pulo” de interesses, onde a segunda geração não tem afinco pelos negócios, mas na terceira podem aparecer pessoas interessadas em dar continuidade.
Segundo a executiva Christie Bechara, profissional que atua na área de ESG (Ambiental, Social e Governança, traduzida do inglês), a governança é um ponto fundamental para quem está no processo de sucessão em empresa familiar.
“Se a empresa já tem um padrão e uma cultura de sustentabilidade, isso já favorece todo o processo de sucessão familiar. Porque já tem toda a documentação correta, já deve ter Código de Conduta, políticas, processos auditados, verificados, certificações”, explica.
Os mecanismos citados por Christie, demonstram não apenas uma boa governança, mas também uma saúde financeira e uma transparência de informações, tornando a sucessão ainda mais fluída.
Outro ponto importante é a publicação de relatórios de sustentabilidade, mesmo de forma voluntária, sem haver a necessidade de cobrança desse tipo de postura.
Por outro lado, discutir questões estratégicas apenas no almoço de família atrapalham a fluidez e a sustentabilidade dos negócios.
Assim, quando uma empresa ainda não tem esse modelo de negócio sustentável, o processo de sucessão se torna mais desafiador, porque muitas vezes as documentações estão incompletas e a forma de gestão não é tão transparente, tão aberta.
“É importante, no primeiro trabalho, implementar a governança. No Ceará, existem muitas empresas familiares grandes, com muitos funcionários, já até mesmo com filiais. Será que essas empresas estão com a sua governança em dia? Será que elas praticam os princípios de transparência, a prestação de contas, compliance, equidade e sustentabilidade?”, questiona Christie.
Muito mais que o patrimônio, o legado de um negócio envolve outros valores intangíveis, conforme explica Elismar Álvares, curadora do programa FDC Family Business, da Fundação Dom Cabral (FDC) e pesquisadora.
Segundo ela, princípios e uma boa educação fazem parte dessa lista, itens necessários para formar um cidadão e deixá-lo apto para participar da sociedade de uma forma digna, além de contribuir para o conhecimento e a experiência, que, quando inexistentes, geram risco para a continuidade dos negócios.
“Às vezes (as famílias) não se dão conta, não estão atentas para isso. Legado hoje é tudo. São seus atos como cidadão, ajudando a comunidade, por meio da solidariedade. Um cidadão de bem.”
Outros pontos que a consultora também destaca são habilidades como paciência para lidar com as pessoas, desde clientes e fornecedores, passando ainda por acionistas, se ocupar em desenvolver novas lideranças e ter sensibilidade para lidar com gerações mais velhas.
“Isso já é um legado que todos nós, individualmente, podemos deixar. Você se empenhar em educar as novas gerações. E desenvolver nelas o amor pela empresa, criar vínculo, orientar os mais novos para serem cidadãos e transmitir essas lições para os netos”, completa.
A quarta temporada do Projeto Legados: A tradição familiar como pilar dos negócios estreia nesta segunda-feira, no O POVO+ e na terça-feira, 19, no jornal O POVO.
O conteúdo da edição estará disponível nas plataformas do Grupo de Comunicação O POVO (Gcop) e traz mais uma série de entrevistas e histórias de empresários que atuam no Ceará e impactam a sociedade e a economia local.
Os seis episódios serão divididos em duas semanas. A cada entrevista, O POVO revela o lado pessoal e alguns segredos que envolvem o legado desses profissionais.
Dentre os pontos em comum entre os entrevistados e as respectivas empresas estão os desdobramentos dos negócios, dando origem a outros empreendimentos, e a preocupação em preparar as gerações seguintes para uma gestão promissora.
Alguns também já estão liderados pelas gerações seguintes às responsáveis pela criação e consolidação do negócio. Para tanto, afirmam ter passado por diferentes setores até a chegada à presidência.
A temporada inicia com a entrevista de Nazareno de Oliveira, do Colégio Master, seguida de Mônica Farias, do Sítio São Roque, e José Antonio Nogueira, da Panificadora Nogueira.
Na segunda semana, será possível conhecer a história de Dico Carneiro, da Cialne, e de Claudênia Régia, do Grupo Diamantes. O encerramento é no dia 28 de novembro, com João Araújo Sobrinho, da Casa dos Relojoeiros.
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