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Havoc no e-sports: o jovem cearense que trocou as ondas pelo mouse
Reportagem Seriada

Havoc no e-sports: o jovem cearense que trocou as ondas pelo mouse

Com 17 anos, Ilan Eloy é conhecido nos servidores de Valorant como "Havoc", sendo uma das principais promessas do e-sports brasileiro. Atleta da Furia, ele é um dos representantes do Brasil na principal competição continental de sua modalidade, realizada em Los Angeles, nos Estados Unidos
Episódio 27

Havoc no e-sports: o jovem cearense que trocou as ondas pelo mouse

Com 17 anos, Ilan Eloy é conhecido nos servidores de Valorant como "Havoc", sendo uma das principais promessas do e-sports brasileiro. Atleta da Furia, ele é um dos representantes do Brasil na principal competição continental de sua modalidade, realizada em Los Angeles, nos Estados Unidos
Episódio 27
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Em um cenário onde cada pixel pode definir quem ganha e quem perde, um cearense surge como uma das principais promessas do esporte eletrônico brasileiro. Frequentador assíduo das ensolaradas areias da Praia de Iracema, em Fortaleza, Ilan Eloy trocou o surf e a altinha pelo mouse e teclado para construir carreira como atleta profissional de Valorant. Contratado por uma das maiores equipes de e-sports do País, a Furia, ele é conhecido dentro dos servidores online como “Havoc” e está entre os representantes do Brasil na principal competição continental de sua modalidade.

Com 17 anos, Havoc foi um dos destaques da The Union, equipe duas vezes campeã do Valorant Challengers Brazil (VCB), o campeonato brasileiro de Valorant, em 2023. Dono de uma voz mansa, pensamentos rápidos e uma linguagem típica da internet, ele despertou o interesse do mais alto nível do e-sports nacional em menos de um ano jogando profissionalmente. Hoje ele veste a mesma camisa da lenda brasileira dos jogos eletrônicos, Gabriel “FalleN” Toledo.

Para colocar seu nome entre os brasileiros mais promissores no game, porém, ele precisou abrir mão dos estudos regulares, além de superar no início a falta de apoio dos pais para seguir jogando. Também encontrou ao longo da sua curta e movimentada trajetória um desequilíbrio entre o foco total no jogo e os cuidados necessários a serem empreendidos com a sua saúde física e mental. Havoc chegou a dar uma pausa nas competições, mas agora com a cabeça no lugar vislumbra consistência no game alinhada à uma rotina saudável. Tudo isso enquanto mira o topo do mundo.

Antes de seguir nesta história, é necessário explicar o que é o game onde Havoc se destaca, o Valorant. Este é um jogo tático em que duas equipes, compostas por cinco jogadores, se enfrentam em duelos de ataque contra defesa. Criado pela Riot, a mesma desenvolvedora do famoso League of Legends (LOL), o game faz parte de uma das paixões brasileiras: o tiro em primeira pessoa – ou FPS, para os mais familiarizados. Diferentemente de outros títulos, no entanto, o Valorant traz algo além da batalha bélica: o uso da magia.

Ao todo, o jogo conta com mais de 20 personagens, cada qual com características e habilidades únicas que vão do domínio dos quatro elementos naturais (água, terra, fogo e ar) ao uso de poderes místicos e tecnológicos. Alguns se preocupam mais em controlar as ações da partida ao usar barreiras, fumaças ou armadilhas para atrapalhar a vida dos adversários; enquanto outros são responsáveis justamente por abrir caminho e ultrapassar essas arapucas com o máximo de velocidade possível.

Conhecidos como “duelistas”, esses últimos são equipados de habilidades rápidas e um plano de jogo direto: ser o primeiro a invadir o território adversário, abatendo inimigos e garantindo que seus aliados possam seguir seus passos. Em uma alusão simplória, os duelistas seriam os atacantes camisa 9 do futebol. Isto é, aqueles que carregam o dever de romper as defesas adversárias como agilidade, técnica e, acima de tudo, capacidade de decidir o jogo nos momentos cruciais.

 

Conheça as classes dos agentes (personagens) do Valorant

 

Foi justamente nesse universo, onde a estratégia se entrelaça com a precisão dos tiros, que Havoc começou a se destacar como um verdadeiro maestro, orquestrando sua equipe com precisão e uma pontaria afiada. No mundo cheio de magias do Valorant, essa harmonia é essencial, uma vez que cada confronto é único e imprevisível. A capacidade de executar jogadas inesperadas unida às técnicas próprias de grandes players foram o que fizeram com que Havoc escrevesse seu nome em uma prateleira cobiçada no e-sports nacional.

 

Assista a algumas jogadas de Havoc

 

 

Trocando o mar pelo mouse, Havoc precisou lidar com questões de saúde mental para voltar a jogar

Morador da Aldeota, Ilan Havoc sempre tentou aproveitar o máximo a proximidade geográfica do mar para realizar diferentes atividades físicas durante sua adolescência. Sobre as areias da Praia de Iracema, inclusive, ele costumava praticar altinha com amigos, demonstrando todas as suas habilidades com a bola nos pés. Além do mais, ele carrega ainda duas outras paixões litorâneas: tomar banho nas águas salgadas de Fortaleza e surfar em suas ondas. Desse modo, sua rotina era religiosamente seguida: escola pela manhã e praia pela tarde.

Participantes da altinha fortalezense "Unialta" em julho de 2021. Ilan Havoc é o quarto da esquerda para direita(Foto: Unialta / Instagram)
Foto: Unialta / Instagram Participantes da altinha fortalezense "Unialta" em julho de 2021. Ilan Havoc é o quarto da esquerda para direita

À noite, porém, toda e qualquer atividade era substituída pelo ambiente digital. Havoc começava a jogar online ao anoitecer e não tinha hora para parar. “Eu ficava jogando até umas duas ou três horas da madrugada”, recorda, informando que seu dia recomeçava logo cedo na manhã seguinte. Nesse ritmo, não demorou para que os estudos logo fossem interrompidos para dedicar seu foco nos games, mesmo que sem nenhuma pretensão aparente. Após concluir o ensino fundamental, ele deixou os estudos formais de lado.

Na época, Havoc ainda não se destacava nacionalmente no cenário competitivo de Valorant. Gamer desde criança por causa de uma forte influência dos irmãos mais velhos, Ícaro e Ian, o jovem enfrentou resistência dos pais para poder travar suas batalhas online. “Eu não tive nenhum apoio para jogar, até porque também não tinha caído nenhum dinheiro ainda para meus pais poderem ver que aquilo era um trabalho”, diz.

A amostra de que os jogos poderiam ser mais do que uma mera diversão na vida de Havoc também não demorou muito para chegar. Ele logo passou a chamar atenção de players de todo o Brasil e ao 16 anos foi convidado para compor a equipe de Valorant da The Union, de Curitiba, em 2023. O grande desafio da temporada era disputar o campeonato nacional, o Valorant Challengers Brasil (VCB), realizado presencialmente em São Paulo, entre janeiro e março.

Havoc durante participação da Etapa 1 do Valorant Challengers Brazil (VCB)(Foto: Valorant Brasil)
Foto: Valorant Brasil Havoc durante participação da Etapa 1 do Valorant Challengers Brazil (VCB)

Ao lado de atletas de diferentes estados, Havoc brilhou logo na sua estreia no ambiente profissional, elevando a The Union do posto de “azarão” para o de “campeã surpreendente” da Etapa 1 do VCB. Naquele momento, o cearense passou a ser considerado “o cara” daquela conquista, tendo encerrado a competição com o melhor desempenho entre todos os atletas. "Foi realmente foda”, resume.

Durante a disputa da Etapa 2 do VCB, porém, a relação entre Havoc e The Union ganhou um capítulo final. Em junho, pouco tempo antes da equipe novamente conquistar o título, Havoc anunciou que daria uma pausa na carreira “por motivos de saúde”. “Antes de participar das competições presenciais, eu fazia muito exercício, ia à praia. Mas em determinado momento esqueci de mim mesmo”, revela.

 

 

Desligado da equipe, Havoc regressou para Fortaleza, onde deu início a sessões de terapia ao longo de algumas semanas. Foram alguns meses até voltar a ficar 100% novamente. “Eu tinha entrado em um modo de estresse infinito e não estava conseguindo desempenhar bem dentro do jogo. Aí eu me retirei para não prejudicar meu time. No meu tratamento, fiz exercícios físicos, continuei jogando e acompanhando o meu time”, prossegue, informando que fez tudo isso para poder “refrescar a cabeça”.

“Eu tomei um choque de realidade para ser quem eu era antes. Literalmente o que me faltavam eram exercícios físicos, distrair minha cabeça, porque eu estava muito ligado no jogo, entendeu?”, conta, refletindo sobre a necessidade do equilíbrio constante entre o corpo e a mente.

 

 

Furia e Loud: o interesse de grandes equipes do e-sports brasileiro por Havoc

O tempo em que ficou parado foi insuficiente para que Ilan Havoc fosse esquecido da cena. Prova disso é que no fim de 2023, durante a janela de transferências do Valorant, seu nome passou a ser ventilado nas principais equipes de e-sports do Brasil. Quase que diariamente, portais de notícias e jornalistas especializados no game informavam sobre um suposto interesse das organizações, em especial as maiores delas: Loud e Furia.

Única brasileira campeã mundial no Valorant, a Loud estava passando por um momento de transição significativa quando surgiu o rumor envolvendo Havoc. O melhor jogador do Brasil e um dos melhores do mundo, Erick “Aspas” estava de saída para a equipe argentina Leviatán. De imediato, o público fervoroso de e-sports começou levantar várias hipóteses sobre quem poderia ser bom o suficiente para substituí-lo, incluindo aí a joia cearense.

“Praticamente foram só boatos que rolaram. Eu tive contato, sim, com a Loud, mas realmente foi só uma conversa normal, nada demais”, esclarece Havoc, informando que o fato de ter sido considerado para substituir uma lenda do Valorant já representava uma conquista. Mas essa vitória não seria tão grande quanto que veio caraterizada em um contrato a ser assinado com a Furia.

 

 

Também conhecida como Pantera, a equipe é uma das mais históricas no esporte eletrônico brasileiro e que conta com o maior cyber atleta do País, Gabriel “FalleN” Toledo, do Counter-Strike. “Estou muito feliz por ter vindo para a Furia, que é onde eu preciso estar feliz, fazendo o que eu gosto e porque eu quero. É a realização de um sonho", destaca Havoc, que diz ainda que desde pequeno já acompanhava as competições disputadas pela organização.

Agora os próximos passos de Havoc na Furia serão dados em Los Angeles, nos Estados Unidos, onde são realizadas as disputas do Valorant Champions Tour (VCT) Americas 2024. Este é o principal campeonato da modalidade no continente e que pode classificar para o Valorant Masters (torneio mundial). Os novos e mais difíceis desafios que se colocam diante do cearense são encarados com muito entusiasmo e expectativas positivas. "Eu estou bastante confiante e feliz”, afirma, de maneira orgulhosa.

Vale ressaltar: A estreia de Havoc nos Estados Unidos pela Furia acontece em 16 de fevereiro, às 19 horas, diante da equipe americana NRG. Esta será a partida de abertura do VCT 2024 - Americas Kick-off, competição que abre a temporada competitiva do Valorant profissional na região.

 

 

Conexão de internet interfere no jogo mas não é determinante para o sucesso

Entre os desafios notáveis enfrentados por Ilan Havoc até alcançar um brilho nacional, destacam-se as dificuldades relacionadas à conexão de internet enquanto morava em Fortaleza. Apesar de jogos online, como Valorant, possibilitarem a competição entre jogadores de diferentes regiões, a centralização dos servidores em locais como São Paulo prejudica a experiência de quem reside em áreas mais distantes, como cidades do Norte e Nordeste.

Nessas regiões, mesmo uma internet de alta velocidade não é suficiente para garantir uma jogabilidade adequada. O principal obstáculo é o ping, que representa o tempo necessário para que um pacote de dados vá até o servidor e retorne ao dispositivo do jogador. Esse valor é medido em milissegundos (ms), e quanto maior o ping, mais lenta é a transmissão de informações.

No Ceará, mesmo com conexões de fibra óptica que prometem sinal mais estável e com menor interferência, os jogadores costumam jogar com ping que varia de 40ms a 80ms (podendo chegar a mais de 100ms). Em São Paulo, esses números caem facilmente para menos de 10ms. Em uma simples troca de mensagens, essa demora pode passar despercebida, mas em jogos altamente competitivos, um ping elevado pode ser decisivo nas partidas.

Para Havoc, de início o ping não mudava nada em sua jogabilidade, uma vez que jogava apenas de maneira despretensiosa. Quando viajou para São Paulo pela primeira vez para competir e viu a redução do ping para quase zero, a experiência “mudou bastante”.

Apesar disso, a conexão não seria uma barreira intransponível para que outros jogadores de regiões mais afastadas possam se colocar ao sol. “O ping não é algo que vai afetar totalmente sua jogabilidade e carreira se você querer muito aquilo. Se você tem o sonho de ser jogador de esporte eletrônico, é só correr atrás”, aconselha.

 


Bastidores

A entrevista com Ilan Havoc por intermédio do jornalista Guilherme de Andrade, ex-estagiário do Esportes O POVO. No dia em que foi marcada a conversa, porém, ele estava de férias e infelizmente não pôde participar. Ainda assim, vale a menção por ter contribuído com a descoberta da história de mais um cearense escrita dentro do esporte eletrônico. 

Outra curiosidade: Logo após a entrevista, Havoc atendeu aos fãs que trabalham no O POVO, incluindo o jornalista que assina esta reportagem. No Instagram, a foto chegou a alcançar o perfil oficial da Furia, que deixou um like e um comentário na imagem.

 

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