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A repercussão das "casinhas feias"
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

A repercussão das "casinhas feias"

Nome provocativo do projeto Casinhas Feias, a favor da preservação de imóveis do Centro de Fortaleza, causa debate nas redes sociais
Tipo Opinião
Projeto "Casinhas Feias" levanta debate sobre imóveis no Centro. Na imagem, casa na avenida Dom Manuel (Foto:Aurelio Alves/ Jornal O POVO) (Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Projeto "Casinhas Feias" levanta debate sobre imóveis no Centro. Na imagem, casa na avenida Dom Manuel (Foto:Aurelio Alves/ Jornal O POVO)

A pauta sobre o projeto chegou em uma quinta-feira a partir de um encaminhamento que meu amigo e editor Renato Abê me fez, com uma série de mensagens e documentos. Somente um deles revelava o nome da iniciativa: “Projeto Casinhas Feias”. Não assimilei de cara sobre o que seria, mas respondi prontamente: “Já amei o nome”. Renato me devolveu: “Me conquistou pelo nome, também”. A reação nas redes sociais do Vida&Arte e do O POVO não foi, porém, tão unânime quanto nessa conversa inicial de WhatsApp. Centenas de comentários questionando a classificação que um projeto defensor do patrimônio fazia das pequenas moradias se somaram. Tal repercussão diz muito sobre nossa relação com a Cidade e, também, com as redes.

Antes, uma explicação direta e reta: o nome do projeto, que defende as casinhas comuns à paisagem do Centro de Fortaleza como um patrimônio cuja preservação é tão importante quanto a dos casarões históricos e representantes da “boa arquitetura” - modéstia à parte, vale ir além do post de rede social e se aprofundar na leitura da matéria -, é uma provocação.

“Provocar” é termo com múltiplos significados. Pode ser visto como sinônimo de “insultar”. Também de “desafiar”, “instigar” ou “ocasionar”. A iniciativa, de um grupo de pessoas ligadas à arquitetura e às artes, foi a de visitar estes imóveis menores que seguem existindo no Centro entre o desinteresse e a dificuldade de serem vistos como construções que “mereçam” ser preservadas.

O debate patrimonial em Fortaleza, ressalte-se, costumeiramente se encerra em construções de “valor”, seja ele histórico, arquitetônico ou econômico. Mas se um casarão de quase 110 anos que chegou a estar provisoriamente tombado - o que, em tese, protegeria a estrutura contra destruição ou descaracterização -, como foi o casarão dos Gondim, é demolido apesar das instâncias de salvaguarda, o que dizer das chances de casinhas pequenas, estreitas, desgastadas pelo tempo, que se encontram em um bairro que é, ao mesmo tempo, constante alvo de “revitalizações” e ignorado?

Além do Casarão dos Gondim, é possível citar só nos últimos meses a queda de parte da estrutura do Farol do Mucuripe, a “inviabilidade” de permanência do Edifício São Pedro ou o desabamento de parte do teto do Teatro da Praia. São construções de diferentes tempos, com diferentes gerências, que ruíram na Cidade - ou, observando históricos de inações de poderes públicos ao longo dos anos, “foram ruídas”?

Mas de volta às casinhas e à feiura: na postagem sobre o projeto feita na última terça, 31 de agosto, no Instagram do O POVO - com um texto que de partida explicitava que o interesse da iniciativa é a de visibilizar os imóveis menores que passam ao largo do debate patrimonial -, somam-se até o fechamento deste texto mais de 1100 comentários.

 
 
 
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Um dos mais curtidos, também no momento, é uma opinião singela: “Acho lindinhas”. Há, ainda, aqueles indignados: “Feias?”, “quem teve a ideia desse título?”. Há quem tenha se indignado assim que fez a primeira leitura, mas recebido como resposta uma gentil lembrança da ironia contida no nome do projeto - são estes os meus favoritos, possibilitando trocas poucas vezes vistas na selvageria das caixas de comentários e se encerrando com um humano “agora entendi, obrigado”.

O debate, porém, não se limitou somente ao batismo do projeto, mas à própria existência das casinhas. É possível cruzar com quem defenda a demolição usando a “evolução” e a “modernização” como justificativa, bem como quem tenha sugerido que os poderes públicos cuidassem delas, o que "embelezaria" a cidade. Evocando o ditado, "quem ama o feio, bonito lhe parece". O que é o "feio" e o "bonito", porém, são questões de opinião 

As reações à alcunha do projeto são como as reações das pessoas às próprias casinhas: diversas, conflitantes, calorosas, emocionais, intensas, instintivas. Como assim “feias”?! Minha avó morava numa dessas! Tinha flores lindas na parte de cima da entrada, que eu criança, confesso, vez por outra arrancava para presenteá-la, e também uma calçada ótima para papear. Feio onde?! Pois é. No entanto, o quanto pensamos, de fato, nas casinhas?

As centenas de comentários no Instagram, em outras redes sociais do O POVO e em outros fóruns de encontros virtuais são a comprovação do êxito da escolha do nome “Casinhas Feias” para o projeto. O debate que ele propõe se impõe já no “cartão de visita” da iniciativa, de partida, concorde-se ou não com a escolha. Outrora “assimiladas” na paisagem do dia-a-dia por nosso olhar acostumado, as casinhas estavam, a partir dali, lembradas, discutidas, defendidas.

Por aqui, sigo amando as “casinhas feias” - os imóveis e o nome do projeto - e lembrando das flores de minha avó.

Foto do João Gabriel Tréz

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