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Campanha "Compre no Ceará" pode ter mais pluralidade e clareza
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É o(a) profissional cuja função é exclusivamente ouvir o leitor, ouvinte, internauta e o seguidor do Grupo de Comunicação O POVO, nas suas críticas, sugestões e comentários. Atualmente está no cargo o jornalista João Marcelo Sena, especialista em Política Internacional. Foi repórter de Esportes, de Cidades e editor de Capa do O POVO e de Política

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Campanha "Compre no Ceará" pode ter mais pluralidade e clareza

É perfeitamente legítimo do ponto de vista institucional O POVO encabeçar campanha com foco nos setores afetados por um tarifaço. Mas é necessário ouvir mais vozes e comunicar melhor os propósitos da iniciativa
Tipo Opinião
PROCESSO de produção de peixe para exportação na Compex (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA PROCESSO de produção de peixe para exportação na Compex

O noticiário econômico segue predominantemente pautado, como não poderia deixar de ser, pelos efeitos do tarifaço dos Estados Unidos aplicado à parte das exportações do Brasil. Na última semana, o principal destaque foi o anúncio por parte do Governo do Ceará das medidas estaduais de socorro aos setores afetados pelas tarifas norte-americanas.

O Ceará é visto com particular atenção na questão do tarifaço pelo fato de quase metade de tudo que é vendido para o exterior ter os EUA como destino final, fazendo do Estado um dos mais impactados pelas medidas do governo Trump. Depois de ferro e aço, o setor de pescados é o mais afetado. O POVO publicou em seu site na última quarta-feira, 20, e na edição do impresso no dia seguinte matéria com o título: “Compre do Ceará: 50% dos barcos de pesca param com tarifaço e mercado interno aliviaria”.

O enunciado indica a abordagem das primeiras consequências das tarifas que entraram em vigor no último dia 7 de agosto. O estranhamento ficou por conta do emprego pouco usual do verbo no imperativo no início do título. O estímulo ao leitor para comprar o produto local é explicado ao fim do texto no online.

“O Grupo de Comunicação O POVO idealizou e lançou a campanha editorial Compre do Ceará, com matérias no portal de notícias, jornal impresso, além de vídeos em suas redes sociais, mostrando produtores que fazem parte da cadeia da exportação e que estão sendo afetados pelo tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aos produtos brasileiros, em 50%. Novos conteúdos serão lançados nas diferentes plataformas nos próximos dias.”

No impresso, a mensagem foi mais discreta e sucinta: “O POVO idealizou e lançou a campanha editorial Compre do Ceará, mostrando produtores que fazem parte da cadeia da exportação e que estão sendo afetados pelo tarifaço”.

Como campanha, a "Compre do Ceará" poderia ter sido mais bem estruturada e comunicada aos leitores. A boa ideia teria ainda mais força se fossem dadas mais algumas explicações aos leitores sobre o teor da iniciativa. 

Editora-chefe de Economia do O POVO, Beatriz Cavalcante explica que a campanha foi motivada a partir da matéria “Produtos agrícolas do Ceará ocupam só 20% dos supermercados, diz Federação”, publicada em 11/8, mostrando como o estímulo ao maior consumo de produtos locais pode minimizar os efeitos do tarifaço, segundo a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec).

“O Compre do Ceará é um projeto editorial ainda no começo. Ainda não temos como detalhar quantidades, pois a medida em que encontramos personagens vamos fazendo”, explica Beatriz. Ela observa ainda que o "tarifaço urge celeridade", explicando o por quê de algumas das matérias serem adiantadas "enquanto a campanha nasce". "O interesse público prevaleceu", considera.

Diretora de Jornalismo do O POVO, Ana Naddaf reforça que o projeto ainda está no início e acrescenta que a matéria “Tarifaço preocupa produtores e abala cocoicultura do Ceará” foi outra a servir como pontapé inicial para a campanha. Voltarei a esta matéria mais à frente. “A partir das matérias do tarifaço, detectamos a necessidade de olhar para a produção local e ver o efeito imediato das medidas. Começamos pela matéria sobre cocoicultura e vimos que poderia render uma série, um projeto de incentivo ao produtor cearense", aponta Ana.

Levantar bandeiras é legítimo

É perfeitamente legítimo do ponto de vista institucional O POVO encabeçar campanha com foco nos setores afetados por um tarifaço que não se justifica pelas regras estabelecidas no comércio internacional. Em 97 anos, a empresa se engajou numa porção de causas que entendeu servirem a um bem comum. A defesa feita pelo Grupo às medidas cientificamente comprovadas de combate à pandemia da Covid-19 é apenas um recente exemplo de muitos.

Na coluna da última semana, usei um trecho dos Compromissos Editoriais do O POVO para ilustrar um argumento. Peço licença para destacar um outro trecho, o penúltimo parágrafo da mesma carta.

“Como veículo que participa ativamente dos debates públicos, O POVO encampa bandeiras editoriais em defesa de temas específicos. Mas a cobertura desses temas devem se dar sob os mesmos critérios de qualquer outra cobertura do Grupo, respeitando o contraditório e abrindo espaço para opiniões divergentes.”

Aqui estamos noutro ponto ao qual eu queria chegar. Se a ideia da campanha é mostrar os desafios de um determinado setor exportador em meio ao tarifaço, é esperado que sejam ouvidos os diferentes atores que o compõem, expondo a amplitude e a complexidade de uma cadeia produtiva sob vários olhares.

A matéria publicada na última semana tem declarações de apenas um personagem: Paulo Gonçalves, sócio da Compex Indústria e Comércio de Pesca e Exportação e 1º secretário do Sindicato das Indústrias de Frio e Pesca do Ceará (Sindifrios). Ao longo do texto, as funções dele acabam por vezes se confundindo.

Numa parte do texto, ele fala como representante do setor, apontando as dificuldades que diz enxergar no cenário atual. Noutro, entra o empreendedor, inclusive com um trecho que destaca o histórico da empresa e de como a família desembarcou no Ceará vindo da Espanha há cinco gerações. Um detalhe meio extemporâneo e fora de lugar diante da crise com o tarifaço.

Se o propósito da campanha é mostrar os impactos no setor como um todo, representantes de outras empresas do comércio de pescados poderiam ser ouvidos na matéria. Mais do que isso. São muitos os atores posicionados em diferentes pontos dessa cadeia produtiva. Desde os pescadores que agora estão deixando os barcos parados, passando pelos intermediários atuando entre o que sai do mar e vai para os contêineres ou para os mercados, além dos exportadores em maior escala.

Dois bons exemplos

Elenco logo abaixo dois bons exemplos de como o olhar pode ser mais abrangente na cobertura dos impactos do tarifaço. O primeiro é a matéria citada por Ana Naddaf sobre os efeitos das taxações na cocoicultura em Paraipaba. Fez toda a diferença o repórter ir ao local ver e entender de perto as expectativas e projeções das pessoas que trabalham na colheita do coco para uma nova realidade econômica.

A segunda é uma matéria produzida pela BBC Brasil ("Prejuízos no Estado mais atingido pelo tarifaço de Trump ameaçam rede de 32 mil pescadores artesanais: 'Estão assustados'") e reproduzida pelo O POVO justamente sobre os pescados no Ceará. Além dos dados do impacto do tarifaço para as exportações do setor no Estado, o conteúdo traz detalhes bem interessantes sobre o funcionamento dessa cadeia produtiva e ouve os pescadores, o elo mais vulnerável nesse cenário.

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