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As microrrevoluções diárias
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Jornalista, Professora, Empreendedora social, Mestre em Educação (UFC). Nesta coluna Cidade Educadora, escreve sobre os potenciais educativos das cidades, dentro e fora das escolas

As microrrevoluções diárias

À revelia das negativas de um mundo que sucumbe, existem os sentimentos e as ações bonitas de um mundo que resiste. E as crianças e os adolescentes devem também ser os grandes protagonistas dessa beleza, conduzidos por adultos conscientes, presentes, pacientes e encantados sim com a esperança da transformação
Tipo Análise
O discurso da posse de Donald Trump (Foto: Justin Sullivan/Getty Images/AFP)
Foto: Justin Sullivan/Getty Images/AFP O discurso da posse de Donald Trump

As desesperanças vindas das notícias mais recentes ecoaram no meu email, no meu WhatsApp, em algumas ligações telefônicas que estabeleci com amigos do Brasil e do exterior. Refletiram-se também em um questionamento do meu filho mais velho, de 12 anos, enquanto acompanhávamos pela tevê e pelo celular as repercussões da posse de Trump: “Mãe, acho que o mundo não tem mais jeito com esse homem como presidente, né?”. Até então, eu vivia todo aquele cenário mundial consternada, de fato, mas foi a pergunta do meu filho o que me tirou do eixo.

Ele está deixando a infância para iniciar a fase em que acreditamos que podemos salvar o mundo; a fase do destemor, da vontade de fazer aquelas balbúrdias boas, do enfrentamento às regras, do questionamento ao que está posto, da inquietude mais visceral de transformar realidades desiguais e injustas.

Assistindo às análises da posse de Trump, combinado com tantas notícias mais acerca do desleixo da humanidade com o planeta em que vive, ele chegara, nesta semana, ao desterro da desesperança.

No mesmo instante em que ele me fez a pergunta, eu trouxe a culpa para mim, para o pai dele, e pensei no peso das nossas reações de desolamento, diante das notícias, que colaboraram para que ele chegasse àquela conclusão.

Essa reflexão inicial fixou o meu olhar no dele por uns 5 segundos, em silêncio, nós dois. Ele sentiu que me impactou. Em seguida, com fisionomia monalísica, eu só consegui dizer: "Tem sim. Tem sim. A gente precisa resistir e continuar acreditando que tem jeito sim".

Ali, naquele momento, eu só consegui dizer isso. Ele não falou mais nada. Nem eu. Retornei o olhar para a tevê e ainda que eu, aparentemente, parecesse suficiente pelas palavras que acabara de falar, fui, imediata e intensamente, tragada por reflexões que não me deixaram em paz por um bom tempo.

Eu vivia na minha família a prática de um discurso de resistência? Passei a analisar o nosso dia a dia. A rotina que eu vivia com os meus filhos alimentava neles muito mais a esperança ou a desesperança? Temi a resposta.

Aos poucos, fui me acalmando mais. Óbvio, na nossa trajetória houve dias mais apáticos e alienados, mas houve muitos mais dias em que estivemos (e estamos!) imersos em microrrevoluções. E que importante isso!

Microrrevoluções são ações em que semeamos mudanças. As transformações não são instantâneas em si. Como uma grande árvore frutuosa, elas começam com um pontinho na terra fértil. Exige consciência, presença, paciência e encanto também com o processo. As microrrevoluções é o resistir na alegria, na atuação e no acreditar, “mesmo que o mundo diga não”.

À revelia das negativas de um mundo que sucumbe, existem os sentimentos e as ações bonitas de um mundo que resiste. E as crianças e os adolescentes devem também ser os grandes protagonistas dessa beleza, conduzidos por adultos conscientes, presentes, pacientes e encantados sim com a esperança da transformação.

E quais são as sementes que estamos plantando nas terras férteis que são nossas crianças e nossos adolescentes e que vêm nos fortalecendo de esperança e fazendo-nos viver as microrrevoluções?

As sementes das mudanças estão nas leituras compartilhadas, antes de dormir; nos resíduos que vocês reciclam em casa ou que evitam jogar no meio da rua ou na praia; no carinho com que tratam os animais, sejam vocês os tutores ou não; no cuidado com as áreas verdes ou com as florestas urbanas, na cidade onde moram, quando vocês as visitam juntos; no olhar de contemplação para o mar, para o luar, para o nascer ou o pôr do sol, com o qual você sempre insiste para que as crianças olhem; nas orientações que você dá sobre respeito, gentileza e solidariedade no trato com todas as pessoas; nos espetáculos teatrais a que assistem, nos museus que visitam; nos exemplos de valorização da ciência que eles veem você praticando.

Parece tudo tão pouco. Até falam que essa coisa de “fazer a sua parte” é bobagem. Mas é o dia a dia que molda as grandes transformações, que não percorrem caminhos únicos e que, muitas vezes, levam anos para se consolidar. As grandes transformações sociais nascem nas histórias de vida, desde pequenininhos, daqueles que as empreendem.

Por isso, atentar-se para a maneira como educamos as crianças e os adolescentes, nas mínimas iniciativas e decisões, é tão importante, faz tanta diferença. Porque independente do rumo que eles tomem na vida, as microrrevoluções que eles viveram em casa compõem o alicerce que irá ancorar a responsabilidade social que eles terão (ou não), não importa a profissão que exerçam.

Cidade que educa

Ainda Estou Aqui

A arte e a cultura são minas de esperança. Elas nos salvam. Se puder, assistam com seus filhos adolescentes ao nosso premiado Ainda Estou Aqui (2024), em cartaz no cinema. Conversem sobre o contexto do filme.

As novas gerações precisam ser informadas, com cuidado, afeto e sensibilidade, sobre os horrores de uma ditadura para que ela jamais se repita. Se possível, assistam juntos à premiação do Oscar, torçam pela nossa atriz Fernanda Torres. Vibrem com o cinema brasileiro, para que, também, nós saibamos, desde cedo, a valorizar o que é nosso.

Não ao nazismo

A cobertura da ascensão de Trump ao poder americano trouxe esta semana também a temática do nazismo às discussões. O cinema também pode ser um disparador para reflexões sobre o tema, com adolescentes. Sugiro assistirem juntos:

  • A Vida é Bela (1997);
  • O Menino do Pijama Listrado (2008);
  • O Diário de Anne Frank (2016);
  • Os meninos que Enganavam Nazistas (2017).

Não perca a oportunidade factual de conversar com eles sobre isso. Meu pai, em dedicatória escrita no livro “Brasil: Nunca Mais” aos três filhos, na década de 1980, quando todos nós ainda éramos tão crianças, escreveu: “para que não sofram de imbecilidade”. Sim. Não podemos permitir que as novas gerações sofram de imbecilidade. Essa responsabilidade é nossa.

Atriz de "Ainda Estou Aqui" revela bastidores do filme indicado ao Oscar 2025 l O POVO NEWS

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