O que o corte do Google revela sobre a nova era das organizações
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Vladimir Nunan é CEO da Eduvem, uma startup premiada com mais de 20 reconhecimentos nacionais e internacionais. Fora do mundo corporativo, é um apaixonado por esportes e desafios, dedicando-se ao triatlo e à busca contínua pela superação. Nesta coluna, escreve sobre tecnologia e suas diversidades
O que o corte do Google revela sobre a nova era das organizações
Escrevo este artigo não para decretar o fim da gestão, mas para lembrar que ela está mudando de forma acelerada
Foto: KENZO TRIBOUILLARD / AFP
Google demite gerentes
Durante décadas, a gestão foi considerada a espinha dorsal das empresas. Gerentes eram vistos como indispensáveis para coordenar equipes, supervisionar processos e garantir que as metas fossem alcançadas.
No entanto, a revolução tecnológica e o avanço da inteligência artificial (IA) estão colocando em xeque esse modelo.
A recente decisão do Google de demitir 35% de seus gerentes de equipes pequenas acendeu um debate: estamos diante do fim da gestão como conhecemos ou apenas de uma nova fase com outro perfil de liderança?
Essa questão não é apenas tecnológica, mas também estratégica e sociológica. O que vemos hoje é a transição de um modelo centralizador, no qual gestores definem e alteram regras conforme seus critérios, para um modelo mais descentralizado e colaborativo, onde a própria comunidade de participantes redefine as normas. Nesse sentido, falamos de Organizações Gestoras e Organizações Curadoras.
Mais do que o desaparecimento dos gestores, o que está em curso é uma redefinição de seu papel. Eles deixam de ser vigias da produtividade para se tornarem orquestradores de equipes híbridas, compostas por humanos e algoritmos. Esse movimento, acelerado pela IA, pode representar a maior mudança no trabalho desde a Revolução Industrial.
A evidência recente: o caso Google
Em agosto de 2025, a CNBC revelou que o Google cortou 35% de seus gerentes de pequenas equipes. A informação veio de um áudio de reunião interna no qual o vice-presidente de Pessoas comentou a decisão.
A justificativa foi simples: equipes muito pequenas, às vezes de apenas duas ou três pessoas, não precisavam de um gerente exclusivo.
Essa não foi uma medida isolada. Segundo o Wall Street Journal, a companhia busca aumentar a eficiência operacional e reduzir camadas de hierarquia que tornam a tomada de decisão lenta.
Além disso, o Google já havia passado por uma reestruturação em 2023 e 2024, reduzindo cargos administrativos intermediários e incentivando a autonomia das equipes técnicas.
Outras gigantes seguem caminho parecido. A Meta (Facebook) cortou camadas de middle management em 2023.
A Amazon e a Intel também anunciaram mudanças na proporção entre empregados e gestores. O Gartner estima que a relação de 5 empregados para cada gerente em algumas empresas pode chegar a 15 para 1 nos próximos anos.
Essa tendência se apoia em dois movimentos principais:
- Automação da base da pirâmide, com tarefas repetitivas antes feitas por humanos sendo substituídas por algoritmos.
- Redução da necessidade de supervisão, já que menos pessoas executando processos manuais significa menos necessidade de coordenação diária.
Se antes uma equipe de 100 programadores exigia 10 gerentes, hoje, com 80 desses programadores substituídos por IA, apenas dois gerentes podem ser suficientes.
O enfoque científico: o que dizem os estudos sobre estrutura organizacional
A transformação atual não é inédita na história. A sociologia das organizações já analisava, desde os anos 1960, os efeitos das mudanças tecnológicas sobre o trabalho. Dois exemplos importantes:
Burns e Stalker (1961) mostraram a diferença entre estruturas mecanicistas, hierárquicas e centralizadas, e estruturas orgânicas, mais flexíveis e descentralizadas. Eles concluíram que ambientes instáveis e inovadores exigiam estruturas mais orgânicas, algo que vemos hoje em empresas digitais.
Henry Mintzberg (1979) categorizou tipos de estrutura organizacional, incluindo a adhocracia, modelo inovador, adaptativo e sem fronteiras rígidas de comando, que se aproxima da lógica de startups e de organizações em rede.
O conceito contemporâneo de achatamento das hierarquias ganha força nesse cenário. Estudos recentes da Harvard Business Review indicam que empresas mais horizontais, com menos camadas de chefia, apresentam maior engajamento e velocidade de inovação.
Por outro lado, pesquisas também mostram riscos. A redução abrupta de gestores pode sobrecarregar os que permanecem, diminuindo a qualidade do acompanhamento individual.
O próprio Wall Street Journal alerta para a possibilidade de perda de mentoria e dificuldade de progressão de carreira em estruturas excessivamente enxutas.
O papel da IA na pirâmide hierárquica
A IA é o grande catalisador dessa mudança. Mas é importante destacar que ela não é a única causa, apenas acelera processos que já vinham ocorrendo.
Estudos do MIT em 2024 mostraram que 95% dos projetos corporativos de IA não atingiram seus objetivos iniciais, não por falhas técnicas, mas por questões de cultura organizacional.
Isso revela que o problema não é apenas ter ou não IA, mas como ela é integrada na gestão.
Do ponto de vista prático:
A IA reduz tarefas repetitivas, como relatórios, análises financeiras básicas ou até mesmo a geração de código.
A IA aumenta a autonomia dos times, já que muitas dúvidas operacionais podem ser resolvidas com ferramentas digitais sem precisar de aprovação hierárquica.
A IA desafia gestores a assumirem papéis de facilitadores, estrategistas e criadores de sentido, em vez de simples supervisores.
Portanto, o fim da gestão é, na realidade, a transformação do gestor-vigia em gestor-orquestrador, capaz de coordenar humanos e algoritmos em sinergia.
Organizações gestoras e organizações curadoras
Um conceito útil para entender essa transição é distinguir dois tipos de organizações:
Organizações gestoras
Definem as regras e podem alterá-las conforme seus critérios.
Dependem de plataformas centralizadas.
Exemplo: o Google ajustando políticas internas ou a Apple controlando seu ecossistema.
Organizações curadoras
Definem regras de base, mas não podem mais mudá-las unilateralmente. Deixam os próprios participantes alterarem, por meio de sistemas P2P (peer-to-peer).
Exemplo: o Bitcoin, que funciona sem uma plataforma centralizada e é mantido pelos próprios usuários. Esse contraste mostra duas tendências de futuro. Empresas tradicionais ainda funcionam como gestoras, centralizando decisões.
Já movimentos descentralizados, como DAOs (Organizações Autônomas Descentralizadas), representam curadorias coletivas, em que o papel do gestor se dissolve na governança distribuída.
A pergunta que fica é: qual modelo vai prevalecer? A resposta pode ser híbrida, com empresas mesclando centralização em áreas críticas como compliance e segurança e descentralização em processos criativos e colaborativos.
A culpa é da IA ou de novas estratégias de gestão?
É tentador culpar a IA por essa redução de gestores. Afinal, os algoritmos parecem roubar espaço da supervisão humana. No entanto, olhando mais de perto, o fenômeno é mais amplo.
A decisão do Google, por exemplo, está ligada a estratégias de eficiência e não apenas a IA. As empresas perceberam que camadas hierárquicas demais tornam processos lentos.
Além disso, em uma economia digital, a inovação precisa de velocidade, e velocidade não combina com excesso de burocracia.
Assim, a IA é meio, não fim. Ela acelera a transformação, mas a motivação real está em repensar a forma de organizar o trabalho.
Portanto, não se trata do fim da gestão, mas do fim da gestão tradicional. A nova gestão é:
Mais estratégica, menos operacional.
Mais horizontal, menos vertical.
Mais curadora de talentos, menos controladora de tarefas.
Desafios e riscos
Apesar dos ganhos potenciais, existem riscos que precisam ser reconhecidos:
Sobrecarga de gestores remanescentes, que passam a cuidar de equipes muito maiores.
Perda de mentoria, já que menos líderes podem significar menos apoio ao desenvolvimento de carreira.
Choque cultural, porque funcionários acostumados a modelos tradicionais podem se sentir inseguros em ambientes horizontais.
Risco de centralização oculta, quando a redução de gestores apenas transfere poder de decisão para algoritmos.
Esses riscos apontam para a necessidade de requalificação dos gestores. Eles precisarão dominar o que chamo de Hybrid Skills, habilidades para trabalhar em ecossistemas mistos de humanos e máquinas.
Aliás, esse é o tema do meu novo livro, Domine as Hybrid Skills, que chega à segunda edição em menos de um mês.
O que estamos presenciando não é exatamente o fim da gestão, mas uma transformação profunda. O cargo de gerente, como foi concebido no século XX, está se tornando obsoleto.
Em seu lugar, surge um novo tipo de liderança: menos controlador, mais curador; menos burocrático, mais estratégico; menos vigilante, mais orquestrador.
A decisão do Google de cortar 35% de seus gerentes não é um acidente, mas um sinal de que a pirâmide organizacional está sendo redesenhada.
Com menos humanos na base, a necessidade de supervisão diminui. E à medida que a IA assume tarefas repetitivas, o papel dos gestores será criar significado, inspirar e orientar equipes em ambientes híbridos.
Seja em Organizações Gestoras, ainda centralizadas, ou em Organizações Curadoras, descentralizadas e P2P, o que importa é reconhecer que a gestão, como a conhecemos, não será a mesma.
E isso não deve ser motivo de medo, mas de oportunidade. Afinal, toda mudança traz consigo a chance de evoluir.
Mensagem final ao leitor
Escrevo este artigo não para decretar o fim da gestão, mas para lembrar que ela está mudando de forma acelerada. Não adianta resistir às transformações, é preciso se preparar para elas. Se você é gestor, veja nesta nova era uma oportunidade de se reinventar.
E se você faz parte de uma equipe, entenda que a colaboração entre pessoas e máquinas já não é futuro, é presente. O trabalho do amanhã não será mais sobre controle, mas sobre orquestração. Essa é a reflexão que deixo para você.
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