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Richardson: o andarilho do futebol que encontrou, no Ceará, o lar
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Richardson: o andarilho do futebol que encontrou, no Ceará, o lar

Volante potiguar de 33 anos relembra começo difícil no futebol, experiência no futebol japonês e identificação com o Vovô ao longo de duas passagens, quatro títulos e dois acessos
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Fortaleza- CE, Brasil, 16-01-25:  Entrevista com o volante do Ceará Richardson. (Fotos: Lorena Louise / Especial para O POVO) (Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO)
Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO Fortaleza- CE, Brasil, 16-01-25: Entrevista com o volante do Ceará Richardson. (Fotos: Lorena Louise / Especial para O POVO)
 

 

Em sua sétima temporada vestindo a camisa do Ceará, Richardson é um dos personagens mais importantes da história recente do Vovô — não à toa está cada vez mais próximo de atingir a marca emblemática de 300 jogos pelo time de Porangabuçu. 

Hoje capitão de um time de Série A do Campeonato Brasileiro, o volante teve início difícil no futebol e se apegou a trabalho e esforço para obter sucesso. Com a camisa alvinegra foram quatro títulos (Campeonato Cearense em 2017, 2018 e 2024 e Copa do Nordeste em 2023) e dois acessos nacionais (2017 e 2024).

O volante do Ceará Richardson foii entrevistado pelo O POVO no dia 16 de janeiro de 2025(Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO)
Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO O volante do Ceará Richardson foii entrevistado pelo O POVO no dia 16 de janeiro de 2025

Potiguar de Natal (RN), Richardson viveu a infância em São José de Mipibu, munícipio de cerca de 48 mil habitantes, localizado a 38 quilômetros da capital norte-rio-grandense. Na pequena cidade, inclusive, foi onde deu os primeiros passos no esporte e contou com uma forte influência em casa: o pai, que, apesar de não ter se tornado profissional, sempre gostou de jogar e incentivou o filho. 

O talento, visualizado ainda cedo pela família, garantiu uma bolsa escolar em uma escola privada de Natal. Segundo ele, a partir disso, os "caminhos se abriram".

Porém, nem tudo foram flores. No começo da carreira, o volante visualizou um cenário difícil para se firmar em algum clube e pensou em desistir do sonho, mas teve a família como base para seguir persistindo. 

De perfil aguerrido em campo e com a filosofia de "vestir a camisa", ele rodou por diversos clubes até chegar ao Ceará em 2016. Em Porangabuçu, caiu no gosto da torcida alvinegra e obteve grandes êxitos em seus primeiros anos no time. Entre eles, o acesso para a Série A em 2017 e permanência na elite no ano seguinte.

Depois, topou atuar no futebol japonês em busca da tão sonhada independência financeira. Lá, onde defendeu o Kashiwa Reysol, aprendeu a falar a língua local — que ainda utiliza nos dias atuais — e gostou da organização e estilo de vida. Contudo, em 2022, o coração falou mais alto, e ele decidiu retornar ao Vovô.

Na primeira temporada de retorno, o Ceará teve bons momentos sob comando de Dorival Júnior — hoje técnico da seleção brasileira —, mas depois "desandaram" após a saída do treinador para o Flamengo, e Richardson viveu seu pior momento no clube, com o rebaixamento nacional. Em 2023, conseguiu um dos grandes sonhos no time e levantou a taça da Copa do Nordeste.

Richardson foi campeão pelo Kashiwa Reysol em 2019
Foto: REPRODUÇÃO/INSTAGRAM
Richardson foi campeão pelo Kashiwa Reysol em 2019

Em 2024, a trajetória voltou aos trilhos. No primeiro semestre, ajudou a quebrar uma sequência de títulos do rival Fortaleza ao vencer o Campeonato Cearense. No segundo, foi peça fundamental na arrancada rumo ao acesso à Série A, destacando-se dentro e fora de campo.

Em pouco mais de 40 minutos de entrevista ao O POVO nas arquibancadas de Carlos de Alencar Pinto, em Porangabuçu, Richardson mostrou bom humor e revelou diversos episódios inéditos da sua carreira e trajetória no Alvinegro.

 

 

O POVO - Como surgiu sua paixão pelo futebol? Já jogava futebol desde pequeno?

Richardson - Começou tudo geneticamente, pelo meu pai. Ele gosta muito de futebol e jogava também. Não chegou a ser profissional, mas foi do futebol amador, jogava de volante também, então acho que veio um pouco do DNA do meu pai.

E também minha mãe, que é uma apaixonada por futebol, gosta muito, torcedora fanática do Flamengo. Então esse berço dentro do esporte eu já tinha desde o início, foi facilitando todo esse processo de entrar. Meu pai e minha mãe sempre me incentivaram.

Eu não me recordo, mas meu pai e minha mãe contam que eles sentiram que tinha algo diferente para o esporte a partir dos 4 anos, que eu já entrei nas escolinhas, no interior do Rio Grande do Norte.

Fui me adaptando e evoluindo muito rápido. Entrei muito rápido e, logo em seguida, já estava jogando com os meninos mais velhos, de 7, 8 anos. Foi ao natural que tudo foi acontecendo, mas essa paixão dentro de casa, do futebol, foi me incentivando e criando esse meu amor pelo esporte.

Volante Richardson no jogo Atlético-GO x Ceará, no estádio Antônio Accioly, pelo Campeonato Brasileiro Série A
Foto: Fausto Filho/CearaSC.com
Volante Richardson no jogo Atlético-GO x Ceará, no estádio Antônio Accioly, pelo Campeonato Brasileiro Série A

OP - Qual é o seu Interior?

Richardson - São José do Mipibu, Região Metropolitana de Natal. Eu nasci em Natal, mas fui criado... Até eu sair, eu tinha uns 12 para 13 anos, foi a primeira vez que eu fiz uma avaliação de futsal e comecei a ser bolsista numa escola particular em Natal. Ganhei bolsa para praticar o esporte e estudar na escola, aí os caminhos foram se abrindo.

OP - Em que momento percebeu que tinha virado a chave e poderia se tornar jogador profissional? Ou não tinha essa ambição?

Richardson - Para mim, até hoje, eu vivo como vivia na minha infância, esse carinho e esse amor pelo esporte. É claro que chega um momento que você tem que decidir se vai virar profissional ou se vai virar apenas um hobby, mas, para mim, foi muito natural.

O futebol me deu praticamente tudo, porque comecei a estudar numa escola melhor, já dá um alívio para os meus pais, que pagavam uma escola particular para mim. Sendo bolsista, já aliviou na minha casa.

Eu tenho uma irmã gêmea, então seriam duas mensalidades, virou uma. No ano seguinte, eu fui bem no esporte e na escola, aí minha mãe conseguiu com o diretor dar o suporte de levar minha irmã junto, primeiro com 50% de desconto, no outro ano... Os dois eram bolsistas, então o esporte foi me proporcionando coisas na vida.

Eu fui muito indo muito tranquilo, passo a passo. Esse berço familiar de educação, com meu pai e minha mãe, me deu muita tranquilidade para eu poder resolver. Fui nas categorias de base, aí, quando chegou o momento de ir para o profissional, as coisas não estavam acontecendo, eu fiquei um pouco receoso se ia acontecer ou não.

Nesse momento foi que a minha mãe segurou firme e falou: "Você tem que ir até o final, tem que tentar. Acredito que você tem potencial para ser o que quer". E ela não deixou eu desistir. E também foi quando entrou minha namorada, que hoje é minha esposa, que segurou firme a mão e falou: "Você tem que ir".

Richardson em partida de 2023, Ceará e Floresta, pelo campeonato cearense no Estádio Presidente Vargas
Foto: AURÉLIO ALVES
Richardson em partida de 2023, Ceará e Floresta, pelo campeonato cearense no Estádio Presidente Vargas

As coisas foram acontecendo. Subi para o profissional do América-RN, fui emprestado para o Baraúnas-RN, voltei para o América, não tinha muita oportunidade na época e acabei indo para o Confiança-SE, onde as coisas começaram a clarear mais. O primeiro ano foi complicado, um pouco difícil, fiquei naquela coisa de "vai dar certo / não vai", e foi nesse momento que minha namorada e minha mãe seguraram firme.

Acabei indo para o Guarani-SP, não tive muita chance também, de lá fui para o Operário-PR, consegui jogar e acabei voltando para o Confiança, em 2014. Aí, os dois anos foram muito bons, em 2014 e 2015.

A gente conseguiu ser campeão estadual, subir da Série D para a Série C, em 2015 jogamos a Série C e foi aí que tive a visibilidade. Comecei a despertar o interesse de alguns clubes aqui e tive a felicidade de escolher o Ceará, as coisas fluíram ainda melhor.

OP - Naquele momento difícil do começo da carreira, você pensou em desistir o futebol? Chegou a ter outros empregos?

Richardson nasceu em Natal, mas foi criado em São José do Mipibu(Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO)
Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO Richardson nasceu em Natal, mas foi criado em São José do Mipibu

Richardson - Nessa transição da base para o profissional, acabei fazendo um contrato profissional no América, só que eu tinha idade de sub-20. As coisas não foram acontecendo. Por ter um relacionamento muito legal lá, um treinador que foi meu treinador na base e estava como coordenador perguntou se eu não queria voltar. Acabei voltando, me reintegrando de novo e acabei subindo para o profissional.

Nessa transição... fiz seis meses no Confiança, acabei indo para o Treze-PB, fiquei dois meses, foi uma situação meio complicada, o time foi mal e escolheram alguns jogadores para serem dispensados, eu estava nessa dispensa.

Fui dispensado e fiquei, sei lá, quatro meses, em casa, na casa da minha mãe na época. Esse foi o momento mais difícil para mim, eu lembro que realmente pensei: "Pô, acho que eu tenho que estudar, tentar partir para outro lugar".

Não tive nenhuma proposta de emprego para mudar, mas isso estava me incomodando, de ficar na casa da minha mãe. Eu já ajudava ela desde o início... Estar lá sem jogar, sem trabalhar, sem dar uma ajuda financeira para a minha mãe, esse foi o momento mais complicado.

E a minha namorada, na época, dizia: "Espera um pouquinho mais, vai aparecer". Só que a gente quer no nosso tempo, né? Quer que aconteça o quanto antes. Foi um momento difícil.

Quando eu tive a oportunidade de ir para o Operário, consegui jogar e voltei para o Confiança, isso me deu uma motivação maior. "Pô, eu não quero viver novamente o que eu vivi há um período". Isso me motivou muito.

Eu sempre tive, mas acho que esse momento difícil me deixou com ainda mais foco na carreira. "É isso que eu tenho. Se não for isso, não vou conseguir. Se eu sair novamente do cenário, não vou conseguir voltar". Foi isso que me deu foco suficiente para eu trilhar um caminho legal.

Richardson em novembro de 2024, jogo Ceará x América Mineiro, na Arena Castelão pela Série B
Foto: AURÉLIO ALVES
Richardson em novembro de 2024, jogo Ceará x América Mineiro, na Arena Castelão pela Série B

OP - Você enxergou a proposta do Ceará como a chance da sua vida?

Richardson - Eu sou suspeito para contar essa história. Eu sou um cara que acredito muito em Deus nos detalhes e foi muito detalhada essa minha vinda para o Ceará. Eu tinha algumas situações, algumas sondagens na época, o empresário que trabalhava comigo na época trabalha até hoje, que foi o cara que me viu lá no Confiança e falou: "Eu acho que consigo abrir algumas portas, tem alguns clubes interessados".

Surgiu a proposta do Ceará, a gente tinha feito um bom campeonato lá, e o Everson, goleiro, tinha vindo. Ele me liga nas férias: "Fiquei sabendo que você está com a possibilidade de vir para cá". O Ceará tinha vivido um momento difícil em 2015, que foi um quase rebaixamento para a Série C e conseguiu a arrancada.

Eu estava acompanhando, a torcida, toda aquela euforia, clube de massa. Ele (Everson) me liga e fala: "Você tem o perfil do clube, vai encaixar muito bem aqui". A gente tinha um relacionamento muito bom e isso me deu um start.

Eu orei muito para Deus na época, para Ele me dar uma direção. Eu senti muito no meu coração que era para vir para cá, independente de os outros lugares terem propostas financeiras melhores, eu achava que era o Ceará, até pela visibilidade, pelo clube ser sempre um postulante ao acesso, apesar do ano anterior, em 2015, ter brigado contra o rebaixamento. "Essa é a oportunidade da minha vida, da minha carreira, de eu dar um salto melhor, poder ajudar meus pais".

Eu sempre tive o projeto de família também. Acabei aceitando. Lembro que o presidente na época era o Robinson (de Castro), ele me ligou e falou: "Você tem tudo para dar certo aqui no Ceará, tem a cara do clube". Eu lembro muito que ele usou essa frase: "Eu acho que você tem a cara desse clube, vai dar muito certo aqui". Acabei vindo.

A entrevista com Richardson foi conduzida pelos repórteres do O POVO Afonso Ribeiro e João Pedro Oliveira
Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO
A entrevista com Richardson foi conduzida pelos repórteres do O POVO Afonso Ribeiro e João Pedro Oliveira

O início foi um pouco difícil também, vindo de um clube menor, com pouca oportunidade de estar jogando, acho que fui ter oportunidade mesmo depois de uns três meses de clube.

Quando eu vim para cá, se não me engano, estava com 24 e ia fazer 25 anos, era a oportunidade de estar mudando de patamar no futebol, não só financeiramente, como reconhecimento. Eu pensei muito e sempre tive esse foco: "Eu tenho que me preparar, quando eu tiver oportunidade, tenho que ir bem".

Aconteceu da forma que eu planejei. Quando eu tive a oportunidade, eu estava muito bem preparado, um elenco também que me ajudou. Eu pude contribuir e as coisas foram acontecendo. Aos poucos fui virando titular, fui tendo uma sequência, mais visibilidade.

 

 

OP - Quais lembranças tem da primeira passagem pelo Ceará? Você conquistou títulos estaduais e acesso à Série A...

Richardson - Nessa primeira passagem, o clube sempre era um postulante a estar brigando pelo acesso, a gente sabia disso. Em 2016, fizemos uma grande campanha no primeiro turno (da Série B), viramos o turno em segundo colocado, depois a gente teve uma oscilação muito grande e não conseguiu manter os resultados. As atuações eram até meio parecidas, mas a gente não conseguia confirmar com vitórias, então acabou não conseguindo o acesso.

No ano seguinte, se manteve uma base do time, a gente se conhecia bem, entendeu o campeonato e conseguiu fazer... Aquela mudança de chave também, quando o professor (Marcelo) Chamusca assumiu, que trouxe algumas peças que foram muito importantes: o Lima, que ninguém conhecia, o Leandro Carvalho, que estava afastado no Paysandu e veio para cá... Conseguiu entender tudo que acontecia aqui e a gente conseguiu esse feito de colocar o clube na Série A.

Volante Richardson com a bola no jogo Ceará x Globo, na Arena Castelão, pela Copa do Nordeste(Foto: Stephan Eilert/Ceará SC)
Foto: Stephan Eilert/Ceará SC Volante Richardson com a bola no jogo Ceará x Globo, na Arena Castelão, pela Copa do Nordeste

Toda vez que eu converso sobre isso, eu sempre falo: a responsabilidade, a cada ano, é ainda maior de continuar uma história no clube, de continuar contribuindo dentro do campo, às vezes viver momentos complicados, que fazem parte dessa história.

Momentos difíceis, às vezes as coisas não acontecem da mesma maneira, tem a cobrança do torcedor. E a gente tem que aproveitar o que o clube tem de melhor, que também é o torcedor.

O torcedor que exige o máximo empenho é o mesmo que, quando as coisas vão acontecendo, leva o clube junto. De 2016 a 2018 aconteceu muito isso: a crítica, a cobrança, depois, na arrancada final de 2017, o torcedor levou o clube junto, começamos 2018 mal o Brasileiro, com sequência negativa, e o torcedor acreditando no processo, que a gente, dentro do campo, ia fazer nosso melhor.

A diretoria, na época, blindou muito o elenco, para a gente se preocupar só com o campo, e a gente conseguiu aquela arrancada, que marcou e nos manteve na Série A.

Para mim foi muito gratificante. Ali foi minha primeira Série A, vindo de clubes menores, jogando divisões menores... Estar jogando uma Série A foi a realização de um sonho de infância. A partir do momento que a gente veste a camisa do Ceará, joga uma Série A, a gente não quer retroceder.

Essa história é muito legal, porque a gente se empenha mais e se cobra mais para que o clube possa estar vivendo coisas grandes. Esse longevidade dentro do clube é importante com esses resultados.

Claro que tem identidade, identificação com o clube, respeito de todos, mas a gente se dedica muito para que as coisas aconteçam e espera dar continuidade nesse processo, nessa história legal que a gente está construindo aqui.

"Estar jogando uma Série A foi a realização de um sonho de infância"(Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO)
Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO "Estar jogando uma Série A foi a realização de um sonho de infância"

OP - Em 2018, você teve a oportunidade de disputar a Série A do Campeonato Brasileiro pela primeira vez. Sentiu muita diferença?

Richardson - Primeiro, o desafio para mim, pessoal, era muito grande. Eu sabia da responsabilidade de estar vindo para um clube gigante, como o Ceará, tinha esse foco de estar sempre me preparando porque sabia que a oportunidade ia ser uma e talvez não teria mais.

Se eu fosse mal numa primeira oportunidade, eu não teria uma segunda chance, então sempre me preparei muito bem. Essa questão de se identificar com o torcedor, eu acho que foi muito natural também.

Esse perfil meu... Quando eu cheguei aqui, sempre falei: não posso prometer que vou dar espetáculo dentro do campo, mas vocês vão ver um cara que veste a camisa de verdade, que entra e faz o seu melhor, se dedica muito dentro do campo para que aconteçam os resultados.

Volante Richardson e zagueiro Miranda no jogo Ceará x São Paulo, na Arena Castelão, pela Copa Sul-Americana(Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.net)
Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.net Volante Richardson e zagueiro Miranda no jogo Ceará x São Paulo, na Arena Castelão, pela Copa Sul-Americana

Às vezes as coisas não acontecem como a gente espera, mas isso nunca vai faltar de mim: transpiração, dedicação, empenho dentro do campo. Isso acabou virando marca para o torcedor.

Hoje, com bastante tempo de casa, eu vejo que é realmente o que o torcedor espera. Já passei alguns jogos aqui que a gente até perdeu e saiu aplaudido de campo, porque o torcedor reconheceu todo o esforço. Todo esse reconhecimento do torcedor é muito legal para mim, mas é uma característica minha, desde o início da minha carreira.

OP - O que te motivou a aceitar a proposta do Kashiwa Reysol e ir jogar no Japão?

Richardson - A princípio, eu não queria ir. Quando surgiu a proposta, eu tinha negociado aqui a minha permanência para o ano seguinte, já estava tudo encaminhado para assinar o contrato. Quando surgiu a proposta, era muito boa financeiramente para o clube, para mim também era interessante, mas, dentro do atleta, existe a pessoa também.

Eu tinha um projeto familiar. Casei em 2017, quando a gente subiu, e minha esposa estava grávida do meu primeiro filho. Quando chegou a proposta, ela já estava com oito meses de gravidez, praticamente tudo certo para nascer aqui, e eu estava nesse processo.

Planejei a gravidez do meu primeiro filho e queria acompanhar, aí a gente teve uma conversa muito interessante, minha esposa me incentivou: "Você tem que ir, é uma oportunidade, não só financeiramente, mas de conhecer uma outra cultura, viver um outro ambiente".

E foi aí que eu decidi aceitar a proposta e foi muito legal. Eu tive números muito legais lá também, consegui fazer mais de 100 jogos no clube, conseguimos ser campeões. Tenho uma história legal lá, um respeito muito grande dos japoneses, dos torcedores.

Richardson no Kashiwa Reysol(Foto: Reprodução / Kashiwa Reysol)
Foto: Reprodução / Kashiwa Reysol Richardson no Kashiwa Reysol

Foi muito marcante para mim e para a minha família. Acabei não conhecendo o meu filho na hora que ele nasceu, conheci com 2 meses, quando ele chegou lá para morar, mas é uma história legal e foi um aprendizado muito grande para mim e para minha esposa.

OP - Como era a vida no Japão? Foi difícil a adaptação?

Richardson - Primeiro, o fuso horário é de 12 horas, tem uma dificuldade para se adaptar. Depois, o idioma é muito difícil no início, até a adaptação.

Culturalmente falando, é muito legal. Quem tem contato com japoneses sabe da cultura, de seguir as regras ao extremo, cumprir todo combinado, ter muito respeito, não só pelo atleta, como pela pessoa também. Eles têm esse carinho muito grande.

Eu fui para um clube que, historicamente, tem jogadores brasileiros, então o clube me acolheu muito bem, tinha arroz e feijão na hora do almoço para nós, brasileiros. Foi muito fácil. A comissão técnica era brasileira.

OP - Passou por alguma gafe pelo idioma? (risos)

Richardson - Tem uma história engraçada sobre adaptação. Em um dos meus primeiros jogos, acabou tendo uma confusão, um desentendimento dentro do campo, eu acabei me desentendendo com um jogador japonês.

Ele me deu uma porrada, eu dei uma porrada nele, ficou aquela coisa: ele falava em japonês comigo, eu falava em português, xingava ele em português, porque estava bravo. Eu lembro muito que ele falava: "Gomenasai, gomenasai". E eu não entendia, comecei a xingar o cara, tudo em português. O tradutor estava dando risada no banco de reservas, a confusão foi um pouco mais para a lateral.

Acabou o jogo, a gente venceu, e eu fui nele (no tradutor): "Pô, cara, você estava dando risada, a gente brigando". E ele disse: "Não, é que 'gomenasai' é 'desculpa'. O cara estava me pedindo desculpa e eu estava brigando com ele (risos). Foi uma história engraçada.

Depois, eu fui pegando o idioma, adaptando. É uma experiência sensacional. Todos os jogadores que têm a oportunidade de ir lá, morar e jogar o Campeonato Japonês, têm muita coisa boa para falar. Essa qualidade de vida, as viagens são pequenas, nos jogos em casa eles não têm cultura de concentração, você fica em casa e se apresenta no clube.

Culturalmente foi muito legal e um aprendizado muito grande. Eu trouxe pilares para a minha vida, alguns ritos japoneses, de cumprir muito horário, nunca se atrasar.

OP - Ainda consegue falar japonês?

Richardson - Ainda falo um pouquinho. Eu tento. De vez em quando aparecem uns japoneses aqui para visitar, e eu falo um pouquinho. Não consigo conversar igual a gente está conversando aqui, mas o básico eu consigo arranhar um pouquinho.

Eu sou muito bom nessa coisa de escutar e conseguir... Na época que eu trabalhei lá, meu treinador era brasileiro (Nelsinho Baptista). Ele passava as informações do treino em português, o tradutor falava para os japoneses, então eu ficava...

Do tempo no Japão, Richardson mantém costumes e o idioma(Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO)
Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO Do tempo no Japão, Richardson mantém costumes e o idioma

Quando os companheiros falavam alguma coisa, para mim ficava mais fácil, eu entendia pelo que ele já tinha falado. Ficou fácil essa adaptação ao idioma. É difícil, mas a gente consegue se virar. Brasileiro se vira em qualquer lugar.

OP - E por que decidiu voltar do Japão para o Brasil depois de três temporadas?

Richardson - Eu estava num momento muito legal lá, feliz no clube, estava para finalizar o contrato de três anos e eu tive a possibilidade de renovação, o clube me deixou aberto para expressar minha vontade, se eu queria permanecer ou não, e eu achava que, naquele momento, eu queria ficar no Japão, mas mudar um pouco de clube.

Tinham coisas dentro do clube que, às vezes, eu não concordava, algumas decisões do próprio treinador, apesar de respeitar, mas não concordava muito. Isso me deixou querendo mudar um pouco de ambiente. Voltei para o Brasil nas férias de 2022 com essa decisão de não querer permanecer no clube, mas, a princípio, de permanecer no Japão.

"Voltei para o Brasil nas férias de 2022 com essa decisão de não querer permanecer no clube, mas, a princípio, de permanecer no Japão"(Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO)
Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO "Voltei para o Brasil nas férias de 2022 com essa decisão de não querer permanecer no clube, mas, a princípio, de permanecer no Japão"

A partir do momento que eu fico livre, soltaram essa notícia aqui no Brasil e muitos torcedores do Ceará me mandaram mensagem: "Volta, aqui é sua casa". Eu tinha uma relação muito boa aqui, torci muito para o clube. E 2019 foi um ano também difícil, eu fiquei torcendo, brigou até o final (contra o rebaixamento na Série A), mas conseguiu permanecer. Já em 2020 fez um ano mais tranquilo.

Aí, surgiu uma possibilidade de um retorno. Quando vem o Ceará, entra em contato, faz a proposta, aí balança não só com o atleta, mas com a pessoa. Eu adoro o clube, me sinto muito bem aqui, amo estar aqui, amo vestir a camisa do clube. E toda essa relação... Três anos foi um período curto, mas três anos não é tão curto assim. Já sentia um pouco de falta dessa atmosfera do Brasil, de jogar aqui novamente.

Quando surge o Ceará, tem o sentimento de casa, de conhecer todo o clube, os funcionários, um relacionamento muito bom, minha esposa gosta muito daqui também, conhecer a cidade... Tudo isso me despertou aquela chama de poder retornar.

Quando surgiu o Ceará, minha cabeça mudou. Eu queria permanecer (no Japão), mas quando surgiu o Ceará novamente, eu falei: "Eu posso viver tudo aquilo que eu já passei lá". Não pensei duas vezes, aceitei o desafio de estar voltando, com o clube em outro patamar, estabilizado numa Série A e com a responsabilidade muito grande. Fui muito bem recebido aqui, por isso que eu continuo aqui até hoje. A gente vem construindo essa história.

OP - O que deu errado em 2022? O Ceará teve bons momentos no ano, mas acabou rebaixado para a Série B...

Richardson se firmou como titular no meio-campo do Vovô (Foto: Gabriel Silva/Ceará SC)
Foto: Gabriel Silva/Ceará SC Richardson se firmou como titular no meio-campo do Vovô

Richardson - É muito difícil falar de uma coisa negativa quando você faz parte dela. Eu fiz parte dessa rebaixamento e tenho certeza que, como eu, todos os outros jogadores que você perguntar o que precisaria fazer naquele momento para que o clube não fosse rebaixado, a gente faria. Não faltou empenho, mas chegou um momento que as coisas...

Estava tudo muito bem. Primeiro começou um pouco desgastante, com as eliminações na Copa do Nordeste e no Estadual, coisa que não é normal de acontecer, mas depois voltamos para o trilho: começamos o Brasileiro bem, fazendo uma campanha tranquila, o Dorival (Júnior, técnico) estava aqui com aquele jeito, de saber lidar muito com o ser humano, saber tratar todo mundo, estava um ambiento muito bom.

Nessa mudança de chave, nessa mudança de comando, nosso grupo tinha jogadores de muita qualidade e, às vezes, um ou outro acaba ficando fora, porque começam apenas 11, e a gente, como grupo, falhou. Não é botando a culpa em treinador, nem transferindo para ninguém, a gente errou como grupo.

Eu me incluo nisso, talvez ter se posicionado um pouco mais, tentar cobrar mais, trazer o grupo, fechar de uma forma melhor... Porque a gente foi rebaixado na penúltima rodada. Se a gente tem um pouco mais de foco nessas duas rodadas, a gente poderia ter escapado.

Eu falo muito dessa relação de grupo porque a gente tem um exemplo muito recente, de 2024. Enquanto muitos de fora acreditavam que não era possível (o acesso), internamente a gente acreditou até o final.

Faltavam dez rodadas, a gente tinha que ganhar oito e a gente ganhou as oito. Então, acredito que em 2022 a gente falhou como grupo mesmo, de ter esse espírito que o clube tanto precisa, que o torcedor necessita.

A gente errou nesse aspecto, acabou jogando a toalha antes de acontecer. Não todos, mas acredito que se todos têm esse foco até o final, não teria acontecido. Mas aconteceu, era para acontecer. Tudo serve de aprendizado. Acredito que todo os jogadores aprenderam alguma coisa naquilo e ninguém quer passar novamente.

OP - Para você e para o clube, qual a importância do título da Copa do Nordeste em 2023 e do Campeonato Cearense 2024?

Richardson - O ano seguinte do rebaixamento (2023) começou tudo muito tranquilo, a gente fazendo bons jogos, conseguindo vencer e teve a mudança de comando (Gustavo Morínigo foi substituído por Eduardo Barroca). Eu, particularmente falando, queria muito vencer uma Copa do Nordeste. Na minha primeira passagem não consegui vencer e, quando eu saí, venceram, então era um título que eu queria ter na minha carreira.

Em 2023, as coisas foram acontecendo ao natural, a gente foi fazendo boas campanhas, chegamos muito fortes na decisão. Tenho alguns amigos torcedores do Sport que brincam que lá (no Recife) era para eles terem feito muitos gols, no jogo de volta, e eu falei: "E no primeiro jogo aqui, na nossa casa, era para a gente ter feito mais gols também". Deu tudo certo. Foi empate, e a gente foi campeão nos pênaltis.

Eu fiquei muito feliz por ter sido um título que eu não tinha e a gente sabe que, conquistando o título, fazendo jogos assim, marca a memória do torcedor, escreve nosso nome na história do clube. Vão passar vários anos e, quando se lembrar do título de 2023, meu nome vai estar lá como campeão.

Muito importante para mim, fiquei muito feliz. Teve pouco tempo para comemorar, porque a gente já estava no Brasileiro (Série B). Infelizmente, por alguns motivos, a gente não conseguiu estar brigando (pelo acesso) até o final em 2023, mas, em 2024...

Perdi um pouco de espaço no final de 2023, com as mudanças de comando, e em 2024 comecei no banco de reservas, esperando oportunidade.

Quando a oportunidade surgiu, consegui ter uma sequência, me firmar de novo na equipe e a gente quebrou esse quinto título seguido do rival, que era um objetivo traçado no início da temporada, quebrar esse ciclo de títulos (do Fortaleza) e ser campeão e, em segundo, conquistar o acesso.

Em 2024, a gente conquistou os objetivos principais do clube, que era ser campeão estadual e conquistar o acesso. Sendo vencedor, conseguindo conquistar objetivos, a gente marca o nome na história do clube. Graças a Deus deu tudo certo, apesar de todo o sofrimento que foi até o final. A gente, como grupo, se blindou muito, acreditou até o final que ia dar certo e foi coroado.

OP - E o acesso em 2024? A última rodada foi com bastante emoção...

Richardson - A gente chegou no momento decisivo do campeonato e era o momento que a gente queria. A gente não esteve incisivamente dentro do G-4, mas a nossa conversa aqui... O professor Léo Condé frisava muito isso: "O importante é a gente acabar a última rodada dentro do G-4. Se a gente vai estar antes ou durante não é importante, o importante é acabar a última (dentro do G-4)".

Volante Richardson no jogo Ceará x Fortaleza, no Castelão, pela final do Campeonato Cearense 2024(Foto: Lucas Emanuel/FCF)
Foto: Lucas Emanuel/FCF Volante Richardson no jogo Ceará x Fortaleza, no Castelão, pela final do Campeonato Cearense 2024

E chegar no último jogo dependendo só das nossas forças e de algumas combinações para ter o acesso foi o mais importante. O foco que a gente teve até esse momento foi o que marcou, realmente. Faltando alguns jogos, a gente estava, sei lá, oito pontos atrás, passaram três rodadas e os adversários que estavam nove pontos na nossa frente ficaram atrás um ponto. Esse foco foi muito importante.

A adrenalina dentro do campo, a gente não conseguiu ter muita dimensão no momento, porque as notícias foram pipocando. Primeiro teve o gol, eu comemorei para caramba, depois o gol foi anulado, aí a gente ficou: "Meu Deus, o que vai acontecer agora?".

De repente, a torcida grita, a gente não sabia o que estava acontecendo, depois chegou a informação que o Novorizontino acabou sofrendo o gol lá. A gente tentou pressionar para fazer o gol, para não depender de resultado nenhum, mas acabou... A gente foi coroado por acreditar no momento em que muita gente desacreditou.

Volante Richardson comemora gol no jogo Independiente x Ceará, em Avellaneda, pela Copa Sul-Americana(Foto: Staff Images / CONMEBOL)
Foto: Staff Images / CONMEBOL Volante Richardson comemora gol no jogo Independiente x Ceará, em Avellaneda, pela Copa Sul-Americana

A gente chegou no momento decisivo, não fizemos um grande jogo, na minha visão, naquela última rodada. Fizemos um jogo num campo que não dava para jogar muito. Fizemos o que precisou ser feito. Era para acontecer aquilo. Conseguimos fazer um pontinho que nos levou ao acesso.

O foco maior foi nessa sequência de comprometimento que a gente teve na reta final. A palavra que define o grupo de 2024 é essa: comprometimento. Ninguém deixou de acreditar em nenhum momento.

OP - O Richardson é ídolo do Ceará?

Richardson - Cara, isso aí é uma pergunta complicada de se fazer. Essa é uma palavra muito forte e cada torcedor tem jogadores que marcam. Se você perguntar para os torcedores, alguns reconhecem. Eu, particularmente, para falar de ídolo, acho que tem jogadores hoje que têm mais história do que eu dentro do clube, mas estou construindo minha história aqui dentro, tentando fazer sempre o meu melhor, ser vencedor, escrever meu nome na história do clube. O reconhecimento do torcedor é muito importante e muito legal para mim.

A minha responsabilidade aumenta a cada ano. A cada ano, eu vou ficando um pouquinho mais velho e a responsabilidade aumenta, porque vestir essa camisa, com toda essa história, todo esse número de jogos, sendo importante... A responsabilidade, para mim, aumenta, mas sou muito feliz aqui. Essa pergunta eu deixo para o torcedor responder. Só quero continuar escrevendo capítulos positivos na história, minha história aqui dentro.

Depois, no final da carreira, a gente pergunta para o torcedor se eu sou ou não. O meu foco, nesse momento, é continuar vencendo, sendo importante dentro do clube e continuar escrevendo capítulos nessa história tão legal que eu vivo aqui.

 



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