Aos poucos, o fim da emergência por covid-19 mostra a cara do Brasil novamente. A retirada das máscaras simboliza a desconstrução de um cenário que atravessou decretos de isolamento social, leitos de UTI lotados e perdas incalculáveis, além de filas quilométricas para vacina, um imunológico que precisou vencer diversas barreiras — inclusive digitais — para chegar até o braço dos brasileiros. Mas em meio às mudanças, algo permanece: 61% das famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico), no Ceará, estão em situação de extrema pobreza.
Embora pareçam invisíveis para muitos, elas estão lá: nos ônibus, nas praças, nas ruas. Às vezes sob o papelão, às vezes segurando um, a quantidade de pessoas que pede por comida. É uma realidade escancarada pela pandemia que continua a existir — e crescer.
O aumento do número de famílias na miséria acompanha a dificuldade de saída do CadÚnico, registro do governo para acompanhar pessoas em situação de pobreza, baixa renda e extrema pobreza.
Uma pesquisa do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) concedida com exclusividade ao O POVO revelou que o Ceará é um dos estados do Nordeste com menor percentual de saída do cadastro (57%), ficando à frente somente de Sergipe (56%), Piauí (55%) e Rio Grande do Norte (55%).
São 2,1 milhões de famílias cearenses inscritas, das quais mais de 1,3 milhões recebem o Auxílio Brasil (antigo Bolsa Família). Desde 2020, mais de 230 mil pessoas fizeram o cadastro no Estado. Apenas em Fortaleza, nos dois primeiros meses deste ano, mais de 20 mil famílias de Fortaleza se cadastraram para receber o benefício.
Ao todo, são 484.394 grupos familiares, o que coloca a Capital como a terceira cidade brasileira com maior número de inscritos, atrás apenas do Rio de Janeiro (RJ) e de São Paulo (SP), que possuíam, até abril de 2022, 700.023 e 1.534.633 famílias, respectivamente.
A falta de mobilidade social no Brasil é um fator de perpetuação da pobreza, mesmo quando há crescimento econômico e programas de transferência de renda: isso significa que barreiras na educação, saúde e assistência social são fatores que agravam a dificuldade de um filho de família pobre ascender na pirâmide e ter melhores condições de vida. Essa é a avaliação do economista Paulo Tafner, diretor-presidente do IMDS.
"Quanto maior a mobilidade, maior a dinâmica. Você nascer em uma família pobre é determinante para a história da sua vida? Se houver infraestrutura para mobilidade, não. Você pode ter um bom ambiente familiar e uma boa escola, estudar e conseguir sair da pobreza. É possível ter um horizonte, perspectiva, direito de sonhar. Mas isso depende de fatores como educação, saúde e segurança", analisa.
"De 2005 a 2019, período analisado pelo estudo, é possível perceber que os pobres de hoje são filhos dos pobres de ontem. O Ceará não foi capaz de gerar o volume de empregos necessário para absorver a geração de crianças e jovens que estavam no Bolsa Família. Isso significa que a taxa de pobreza se manteve elevada no Estado, o que representa um desafio para o governo", observa.
Na opinião de Tafner, "o resultado é curioso porque o Ceará tem apresentado sistematicamente bons resultados de alfabetização e há um esforço grande na tentativa de qualificar a mão de obra, mas isso não está encontrando o devido eco no sistema produtivo cearense. Houve uma crise econômica, pandemia, e são fatores que aumentam o desafio de crescer de forma sustentável, por isso há a necessidade de um esforço adicional".
A nível nacional, o número de famílias em situação de extrema pobreza inscritas no CadÚnico saltou quase 20% nos primeiros dois meses de 2022 em relação ao período pré-pandemia. Em fevereiro, de acordo com a última atualização dos dados do Ministério da Cidadania, 17,5 milhões de famílias brasileiras viviam com renda per capita mensal de até R$ 105.
O ano de 2021 terminou com 15,7 milhões de famílias cadastradas, e em outubro do ano passado, com o fim do Auxílio Emergencial, esse número disparou. Em 5 meses, mais de 2,5 milhões de famílias nessa faixa de renda se inscreveram no sistema do CadÚnico. Para se ter uma ideia, quando a pandemia de Covid-19 atingiu o Brasil, em março de 2020, 13,5 milhões de famílias estavam registradas no programa.
Taxa de saída do CadÚnico
AL 61%
MA 59%
PE 58%
BA 58%
PB 57%
CE 57%
SE 56%
PI 55%
RN 55%