
A paralisação das obras do Anel Viário de Fortaleza no início de dezembro revelou uma disparidade no desenvolvimento de obras de infraestrutura logística. Se a ferrovia Transnordestina avança rumo ao Complexo do Pecém em ritmo acelerado, intervenções rodoviárias complementares não acompanham a mesma velocidade.
Neste descompasso entre ritmos, destaque também para o Arco Metropolitano e os projetos de readequação e duplicação de estradas federais que permitem o transporte de cargas entre os principais polos industriais do Ceará, as BRs 116, 020 e 222.
Para o coordenador do Núcleo de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Heitor Studart, existem deficiências logísticas importantes para um Estado que prevê dobrar sua movimentação de cargas via Porto do Pecém, até o fim da década, a partir de 2028, com o início da operação da ferrovia.
Heitor pontua que o caso do Anel Viário é o mais negativo, ao passo em que entende ser necessário revê-lo, pois se arrasta desde 2010 para a conclusão de um trecho de "apenas 34 km".
"Talvez seja o eixo estruturante mais importante do estado do Ceará, pois interliga todas as três BRs, a 116, a 222 e a 020, sendo ligação com o Porto do Pecém".
Para ele, a situação é problemática e não existiria "um projeto executivo definitivo", faltando acostamentos, canteiro central, faixa de pedestre, ciclovia, iluminação e conexão logística com os polos industriais da região, o que tornaria o desenho "atual superado, tanto em termos de planilha orçamentária quanto de escopo."
Larissa Augusto, diretora de Engenharia Rodoviária da Superintendência de Obras Públicas (SOP), assegura que o Governo do Estado vai manter o atual contrato com o Consórcio Novo Anel Viário (formado por Coesa, Laca, Dact e Saied Engenharia), que vem gerindo a obra, mas que aguarda a inclusão de uma nova empresa para a continuidade.
Segundo a diretora da SOP, após uma semana de paralisação por problemas financeiros de uma das quatro empresas que compõem o consórcio, as obras foram retomadas, mas devem ter uma nova parada por conta de recesso para Natal e Réveillon.
O POVO visitou as intervenções na segunda-feira, 22 de dezembro, fez imagens e já não havia nenhuma movimentação de trabalho nos canteiros, mesmo em data antes de folgas. Segundo a SOP, após conversa com as companhias, um novo cronograma foi elaborado e a partir de janeiro a continuidade deve ter seguimento de forma mais célere.
"Tivemos conversas com esses consorciados para que eles incorporassem outra empresa que tenha uma situação financeira boa, que seja daqui da região para conseguirmos concluir essa obra. Eles já estão fazendo essa tratativa com uma empresa para ela ser incluída no consórcio existente e darem todo o gás na obra", afirma.
Sobre a legalidade dessa movimentação de substituição, Larissa diz que a gestão fica por conta do consórcio, sendo uma prerrogativa das companhias desde que garantam todos os critérios de viabilidade financeira e técnica para tocarem os trabalhos.
Apesar da explicação, a informação sobre a mudança de empresa no consórcio ainda não está clara no mercado. O presidente do Sindicato das Indústrias de Construção Pesada do Estado do Ceará (Sinconpe), Dinalvo Diniz, aponta que não recebeu qualquer dado oficial ou administrativo por parte do Governo do Estado sobre como esse processo está sendo conduzido.
"Até o momento, o que temos conhecimento é de que uma empresa local está mobilizando equipamentos para dar prosseguimento aos trabalhos", pontua.

A capacidade de escoamento de cargas que devem chegar ao Ceará precisa ser melhorada para que a perspectiva de se tornar uma potência logística nacional se confirme, já que nem todos os produtos movimentados chegarão ao Complexo Industrial e Portuário do Pecém via ferrovia.
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo O POVO, deve haver esforço para conclusão de projetos que há anos se arrastam para que o efeito da chegada da Transnordestina seja majorado. Eduardo Neves, CEO da consultoria Unipar BR, o Ceará e o Brasil sofrem com um dilema de déficit na infraestrutura logística.
Diferentemente de outros países em desenvolvimento, em que o investimento em infraestrutura acontece projetando décadas à frente, o Brasil aguarda a confirmação de aportes para "correr atrás" de ofertar a condição necessária para a implementação. Isso gera atrasos e projetos com validade, analisa Eduardo.
O consultor ainda lembra que a maioria dos planos depende de recursos federais, necessitando haver um esforço interfederativo para acelerar o que está no papel.
"A partir do momento em que o Porto do Pecém cresce e aumenta o número de cargas entrando e saindo, o fluxo de conexões vai além da atividade portuária. O que chega aqui precisa sair e o modal rodoviário é importante e requer uma estrutura mais robusta do que a que temos hoje e, principalmente, mais bem conectada", elenca.
Heitor Studart, coordenador do Núcleo de Infraestrutura da Fiec, além de citar o caso do Anel Viário, elenca como obras complementares à Transnordestina: duplicações de rodovias federais que atravessam o Ceará e a construção do Arco Metropolitano.
"A Transnordestina está de vento em popa, já já estaremos ouvindo o barulho do trem. Com a liberação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), temos alguns meses em teste e acredito que ela já deva funcionar fornecendo grãos para os polos de agroindústria de Quixadá e Quixeramobim", aponta Heitor.
Outros desafios logísticos importantes dizem respeito à velocidade da execução dos projetos de duplicação das BRs que perpassam o Ceará, com algumas dezenas de quilômetros concluídos nos últimos 30 anos, nas BRs 116 e 222, mas nada na BR 020, via que considera como prioritária.
Para ele, é necessária e urgente a adequação da 020 com o alargamento do piso - passando a utilizar concreto ao invés de asfalto, criação de faixas de acostamento e de ultrapassagem.
A ideia é ter alternativa para movimentação de grãos dos estados do Centro-Oeste, que não encontram alternativa de escoamento via Maranhão e São Paulo. Heitor ainda cita o fato da BR-020 cruzar trecho da ferrovia Transnordestina, o que a faria uma alternativa de escoamento natural.
"Segundo estudos produzidos pela Fiec (Federação das Indústrias do Estado do Ceará), o mais importante seria a adequação desde o nascimento da estrada, em Brasília (DF), passando por Barreiras (BA) e Luiz Eduardo Magalhães (PI) até chegar a Fortaleza, pois seria a rodovia para movimentar grãos."
Heitor destaca ainda outra bandeira defendida pelo setor logístico e de transportes no Ceará: a implementação do projeto do Arco Metropolitano, uma rodovia de mais de 100 km, iniciando na BR-116 entre Chorozinho e Pacajus, conectando com rodovias estaduais da Região Metropolitana até o acesso ao Porto do Pecém, desafogando o trânsito do Anel Viário de parte dos veículos pesados vindos do Interior.
"Encaminhar a BR-116 diretamente ao Porto do Pecém diminui o custo de frete, combustível, de emissão de carbono. O Arco Metropolitano poderia ser uma parceria público-privada (PPP)", conclui.

O "receio" cultural dos cearenses de pagar pedágios impede a implementação de Parcerias Público Privadas (PPPs) que ajudem a melhorar a condição de estradas no Ceará, avalia Heitor Studart, da Fiec.
Segundo ele, a experiência em outros estados, principalmente do Sudeste e Sul, demonstra que a melhoria estrutural das rodovias compensam qualquer custo.
Ainda assim, sobre o caso do Ceará, propõe alternativas que poderiam ser utilizadas em uma PPP ou concessão de estrada, como a cobrança proporcional ao número de quilômetros rodados na rodovia - por meio de free flow, ou pedágio por radar, além de liberação de placas de municípios da região onde a concessão está.
Citando os projetos do Anel Viário e Arco Metropolitano, diz que poderiam ser as primeiras aplicações do modelo no Estado.

Os projetos de desenvolvimento da infraestrutura viária no Ceará têm como um dos focos atender a demanda do setor do agronegócio cearense, que precisa de vias de boa qualidade para escoamento da produção.
O secretário executivo do Agronegócio da Secretaria do Desenvolvimento Econômico do Estado (SDE), Sílvio Carlos Ribeiro, diz que esse ponto é fundamental para que os segmentos continuem em crescimento, especialmente a fruticultura e a pecuária leiteira.
Ele aponta ainda que existe uma série de obras em planejamento na SOP com essa finalidade, com recursos garantidos por meio de diversos programas, incluindo parcerias com o Banco Mundial e investimentos diretos do Tesouro Estadual.
O foco fica por conta da região da Chapada do Apodi, que receberá uma das principais obras, percorrendo a região do Baixo Jaguaribe. Segundo Sílvio, a intervenção já foi autorizada pelo governador e deve iniciar em breve.
"Dentro desses programas, serão liberados recursos para essas novas rodovias. Uma das principais vai percorrer o Baixo Jaguaribe para escoar a produção de frutas. Esse investimento é fundamental também para a produção de leite, em que estamos com sete projetos de melhorias de estradas vicinais, uma demanda dos laticínios e produtores de leite", elenca.

A quantidade de quilômetros de novas estradas entregues no Ceará desacelerou em 2025 em relação à média dos dois anos anteriores.
Por outro lado, o equivalente a 62,5% das estradas estaduais são tidas em condição regular, ruim ou péssima, segundo a Pesquisa CNT de Rodovias, que analisou 3.773 km de estradas no Estado. Conforme o levantamento, 37,5% das rodovias apresentam um estado geral ótimo ou bom.
A pesquisa também elaborou um cálculo que estima o montante de investimentos necessários em ações emergenciais e manutenção para recuperação completa das estradas. No Ceará, o valor necessário seria de R$ 3,08 bilhões.
Ainda foram identificados 66 pontos críticos em estradas, enquanto o prejuízo gerado pelos acidentes foi de R$ 413,29 milhões. Conforme mapeamento da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), o governo gastou R$ 83 milhões com obras de infraestrutura rodoviária de transporte, em igual período.
O mapeamento, que leva em conta os repasses federais, aponta ainda que, do total de recursos autorizados pela União para infraestrutura rodoviária especificamente no Ceará em 2025, R$ 85,2 milhões, foram devidamente investidos R$ 30,7 milhões até novembro, pouco mais de 1/3 do total (36,1%).
No caso das vias estaduais, balanço da Superintendência de Obras Públicas (SOP) repassado com exclusividade ao O POVO informa que foram iniciadas e entregues o equivalente a 126 km de rodovias estaduais.
O desempenho na entrega de quilômetros de estradas novas é inferior à média dos últimos dois anos, quando foram entregues outros 423 km em obras rodoviárias (ou o equivalente a 211,5 km por ano). Em 2025, a SOP afirma que o foco foi além dos projetos de grande relevância para o desenvolvimento socioeconômico, mas também para "tornar mais seguro e eficiente o deslocamento dos usuários".
Dentre os maiores trechos de estradas estaduais entregues, destaque para a pavimentação de 16 km da CE-276, em Iracema (R$ 14,4 milhões); 23 km da CE-449, em Quixeramobim (R$ 40 milhões); 21 km da CE-273, em Jaguaribara (R$ 6,8 milhões), beneficiando projetos de irrigação desenvolvidos na região do Açude Castanhão.
Segundo a SOP, mais de 560 km de projetos de novas obras rodoviárias estão em andamento, como a pavimentação de 17,5 km da CE-496, entre Brejo Santo e Abaiara (R$ 30,5 milhões); 40 km da CE-366, entre Varjota e Santa Quitéria (R$ 36 milhões); 13 km da CE-388, entre Altaneira e Nova Olinda (R$ 23,5 milhões), sendo restaurada e recebendo melhorias: alargamento de pistas, paradas de ônibus, ciclovias etc.
