Reportagem atualizada às 10h30min de 18 de março de 2025, após votação do veto de Evandro na Câmara Municipal de Fortaleza. A matéria foi aprovada e a área excluída voltou a ter proteção. Mais abaixo, a reportagem indica as intenções de voto e como votou cada vereador da nova legislatura.
Piscou, perdeu. As votações na Câmara Municipal de Fortaleza são tão rápidas e confusas que, na própria sessão, os vereadores se interrompem e questionam, na hora, que projeto é aquele mesmo que está em pauta.
“Que emenda é essa?”, é uma pergunta comum nos arredores do plenário em dia de sessão. Uma expressão constante referida a um projeto que modificará a conjuntura social, econômica, política e/ou cultural da cidade.
Nas pautas ambientais o atropelo se acentua, somado à falta de transparência. Medidas que excluem áreas protegidas não apresentam quaisquer indicadores do que se tratam. Nem mesmo no momento da votação são citados detalhes, bairros nos quais estão localizadas as zonas, quantas e quais são as emendas, dentre outras questões.
Sobre o que é esse projeto?
Mensagem Nº 056/2022- Altera Dispositivos da Lei Complementar Nº 062, de 02 de Fevereiro de 2009, que dispõe sobre o Plano Diretor Participativo de Fortaleza e dá outras providências.
Exclui uma enorme zona ambiental no bairro Serrinha. De Zona Especial Ambiental (ZEA), a área passou a integrar a área de Zona de Requalificação Urbana (ZRU 2) a fim de “possibilitar a adequação ambiental e urbanística”, ou seja, construções.
Ao menos na legislatura passada, matérias assim foram pautadas com frequência. Houve uma sessão com tantas exclusões que vereadores de oposição precisavam questionar: “De qual área estamos tratando agora?”, tamanha a quantidade de proteções ambientais derrubadas.
É assim, nas escuras, a toque de caixa, que as pautas de negativo impacto ambiental são aprovadas. O verde some aos montes. O meio ambiente é empurrado na Câmara de Fortaleza e a população só fica ciente quando anda na rua e não o encontra mais.
A sessão com mais exclusões de áreas ambientais da legislatura passada foi a de 17 de dezembro de 2024 – realizada dois dias antes do recesso parlamentar daquele ano. Ao todo, somaram-se 6 horas e 45 minutos de discussões. Foram incluídos cinco projetos extra-pauta com temática ambiental, alguns com até seis emendas, que diziam respeito a 16 áreas ambientais em processo de exclusão.
O “susto” da inclusão destas pautas virou alvo de reclamação por parte da oposição. “Do momento em que tivemos ciência de que eles estariam na pauta até agora, foram 10 minutos. Isso priva os parlamentares. Precisamos analisar”, chegou a dizer Gabriel Biologia (Psol).
Todas as áreas protegidas tiveram a exclusão aprovada pelo legislativo. Nem mesmo o mapeamento dessas áreas foi fornecido, tendo sido realizado posteriormente, de forma inédita, em reportagem do O POVO+.
Sessão de 17 de dezembro circundou cinco propostas e resultou em 16 exclusões ambientais
Em resumo, foram analisados cinco projetos: três projetos de lei complementar e dois vetos. Dentro das propostas, havia 13 emendas, também com solicitações de exclusão de zonas ambientais. Muitas delas diziam respeito a locais muito distantes do original. A maioria das emendas também foi aprovada.
O projeto com maior número de emendas foi o PL 44/2022, de José Sarto, que dizia respeito inicialmente a uma área na Serrinha. Foram propostas seis emendas, quatro delas aprovadas. No fim, o projeto excluiu quatro áreas: além da Serrinha, na Praia do Futuro, Luciano Cavalcante e Messejana.
A proposta que excluiu mais zonas foi a de Paulo Martins (PDT), que mirou cinco áreas ambientais em torno da Lagoa da Maraponga. Quatro emendas foram incluídas e áreas no Edson Queiroz, Sapiranga/Sabiaguaba e Bom Jardim também tiveram proteção ambiental removida, totalizando 8 zonas.
Cinco áreas ao redor da Lagoa da Maraponga tiveram aprovação excluída. Demais áreas foram divulgadas em reportagem do O POVO+
Hoje reeleito, Martins foi o vereador responsável pela exclusão do maior número de áreas na sessão em questão. Atrás, Gardel Rolim (PDT) e Adail Jr. (PDT) propuseram a inclusão de duas áreas ambientais, cada. No total, nove vereadores assinam os projetos/emendas.
O PDT é o partido com maior número de vereadores autores dos projetos. O então prefeito José Sarto, outro autor de projeto, também é filiado à sigla.
Autores dos projetos e os bairros das respectivas zonas excluídas
Todos esses projetos consistiram em sete votações. A primeira, aprovação – do projeto de Sarto – durou 38 segundos, com a justificativa de que tratava-se da redação final. As demais consistiram: na primeira discussão do Projeto 19/2024 (Manoel Dias Branco); na primeira discussão do PL 40/2024 (Maraponga) e em três votações de emendas deste último.
Por fim, houve uma votação em bloco de projetos e vetos. Dentro do conjunto, estavam os vetos de Sarto, que havia derrubado projetos de exclusão do Parque Rachel de Queiroz. Os vetos também caíram e a retirada da proteção ambiental seguiu aprovada.
Em todos os projetos, a maioria dos vereadores votou contra o meio ambiente. O máximo de votos pró-áreas verdes, por votação, foram sete, em quatro discussões. Apesar do número ser o mesmo, os nomes mudavam e apenas a vereadora Adriana Gerônimo (Psol) optou pela natureza em todas as votações.
Número máximo de votos pró-meio ambiente foi sete, por votação
Isso porque, em uma das votações – da emenda 002 do projeto de Paulo Martins (Maraponga)–, o voto de Gabriel Biologia (Psol) não foi contabilizado, ainda que ele tenha se manifestado contra a matéria. Nas atas e na contagem ao vivo, estavam lá: sete votos contra a proposta, sem a inclusão do voto do vereador.
As justificativas das proposições constavam nos projetos. Apenas os autores se pronunciaram no momento da sessão, explicando o porquê do voto a favor das exclusões. Em suma, alegaram que a área já estava degradada e, portanto, não havia motivo para aquela proteção ambiental. O primeiro episódio desta série de reportagens trata mais destas justificativas que, segundo especialistas, não se sustentam.
Como cada vereador votou nos projetos de exclusão ambiental de dezembro/2024
Todas as aprovações ocorreram em uma sessão tumultuada e bagunçada, presidida por Gardel Rolim, mas de forma intercalada com colegas. As pautas envolveram ampla discussão, atropelo de votos e até acusações de traição política, em um contexto pós-eleitoral. Adail Jr (PDT), autor de um dos projetos, usou o tempo de fala para acusar os colegas do Psol de infidelidade com Evandro Leitão, então prefeito eleito.
Outros exemplos da desorganização consistem no próprio voto não contabilizado de Gabriel Biologia; nos constantes questionamentos da natureza das pautas; nos pedidos de explicação por parte dos autores, que – com exceção de Luciano Girão (PDT) – em princípio se mantiveram em silêncio.
O sistema corrido pareceu confundir os próprios vereadores. Ronivaldo Maia (PSD), por exemplo, justificou-se por um voto errado nas tratativas anteriores do PL de Sarto (da Serrinha). Segundo ele, estava passando por problemas pessoais e acabou votando a favor da proposta em uma das discussões, sem saber ao certo do que se tratava. Ele se manifestou contra a redação final, cuja discussão durou segundos. O projeto foi aprovado.
Uma mudança de gestão mexe com toda a configuração da Câmara. Mais que isso, parece causar uma crise de identidade em alguns vereadores, que, tendo passado de uma base para outra, mudam de posição em relação a votos antes defendidos com unhas e dentes. Em certos casos, a mudança pode ser benéfica ao meio ambiente.
O prefeito Evandro Leitão (PT), sucessor de José Sarto (PDT) e eleito em 2024, enviou um veto de uma das zonas ambientais excluídas na sessão de 17 de dezembro. Diz respeito a uma área no Manoel Dias Branco, incluída como emenda no projeto da Serrinha. A inclusão da retirada ambiental foi proposta por Luciano Girão (PDT).
Girão era da base de Sarto e hoje está com Evandro. O mesmo ocorre com os vereadores reeleitos Adail Jr., Gardel Rolim e Emanuel Acrízio, outros autores de projetos de exclusão. Já Eudes Bringel (PSD) propôs a exclusão da área no Dom Lustosa. Ele é chefe de gabinete do prefeito petista.
O veto de Evandro foi para a Câmara. A matéria chegou a entrar em pauta no dia 6 de março de 2025, mas acabou enviada para análise em comissões, conforme pedido pelo presidente da sessão: justamente Luciano Girão, autor da proposta.
A comissão em questão é a de Constituição e Justiça (CCJ), presidida pelo vereador Aglaylson (PT). Após a discussão a proposta retorna ao plenário para votação. A Câmara pode aprovar ou revogar o veto.
A palavra final é do Legislativo. A proteção ambiental da área está nas mãos dos vereadores e, assim, O POVO+ buscou todos os parlamentares para verificar suas intenções de voto em relação ao veto. Conseguimos obter 22 intenções favoráveis ao veto e, portanto, à recomendação dos ambientalistas.
Não foi possível contatar 16 vereadores. Dois (autores de projetos) não quiseram se pronunciar, enquanto outros dois parlamantares disseram ainda estar aguardando maiores discussões. Por fim, o vereador Marcelo Mendes (PL) disse não ter conhecimento do projeto em comissões ou no plenário.
Apuração do O POVO+ constatou que o veto tem grandes chances de ser aprovado em plenário
Os votos foram coletados à distância, por meio dos respectivos assessores parlamentares, de imprensa ou chefes de gabinete. A reportagem chegou a comparecer presencialmente à Câmara, mas foi informada de que o acesso ao plenário está proibido aos jornalistas, que devem se recolher à sala de imprensa.
Intenções de voto de cada vereador sobre o veto de Evandro Leitão
A tendência positiva (de aprovação do veto) é ainda acentuada pelo sucesso de outras votações de matérias propostas pelo Executivo. O fim da taxa do lixo foi um exemplo disso, extinta em sessão extraordinária, por base e oposição de Evandro. Mais recentemente, a Reforma Administrativa também passou tranquilamente: com 31 votos a favor, nove contrários e três abstenções.
Ainda que haja otimismo quanto ao posicionamento dos novos vereadores nas questões ambientais, a confusão legislativa segue na nova gestão. No dia da visita do O POVO+, estava em pauta justamente a reforma administrativa de Evandro Leitão. Após inúmeros adiamentos, os vereadores deixaram para votar no último dia do prazo (quinta-feira, 13).
A pressa levou a inclusão de todas as emendas do projeto na pauta do dia. Algumas foram unificadas, por meio de um mecanismo da liderança do governo, Bruno Mesquita (PSD). Ou seja, houve uma redução e, mesmo assim, o alto volume de textos provocou aquele coro familiar na sala de imprensa e galerias:
“Certo, mas qual projeto é esse mesmo?”
Pouco tempo após a publicação desta reportagem, ocorreu a votação do veto do prefeito Evandro Leitão. Conforme indicado pelo O POVO+, a matéria foi aprovada e a área ambiental do Manoel Dias Branco retomou a proteção ambiental.
A votação foi ainda mais expressiva do que o previsto. Enquanto apuramos 22 votos pró-meio ambiente, a sessão contou com 31.
Placar final da votação do veto de Evandro Leitão à exclusão de área verde
Alguns autores de projetos de exclusão, como Adail Júnior e Gardel Rolim, que não quiseram se pronunciar quando os questionamos, acabaram seguindo o recomendado pelos especialistas. O propositor do projeto, Luciano Girão, ausentou-se da sessão.
Como votou cada vereador quanto ao veto de Evandro Leitão
Assim, salienta-se a mudança de postura de alguns parlamentares quanto a pautas ambientais. Vereadores que foram a favor de todas as propostas de exclusão ambiental em dezembro de 2024, acabaram optando por outro caminho desta vez. É o caso de Ana Aracapé, Paulo Martins e o líder do governo, Bruno Mesquita.
O histórico de cada vereador com as pautas ambientais. Gráfico integra os novos e os vereadores da legislatura 2021-2024
As aprovações “no susto” são comuns em todo o legislativo brasileiro, conforme Paula Vieira, membro do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia, da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC). As votações apressadas, segundo ela, seriam características do próprio regime presidencialista, cujo fluxo de informações é intenso no legislativo.
O regimento dos parlamentos concede a possibilidade de julgamentos com “urgência”, aprovadas após mobilização da mesa diretora. Cada projeto precisa ter a urgência justificada para votação em plenário. Os motivos podem envolver interesse público, desenvolvimento econômico, social, dentre outros.
O jogo, no entanto, utiliza o mecanismo como maneira de “barrar mobilizações” de determinadas pautas, ainda segundo a professora da UFC. “Por isso que (nas pautas ambientais) o vereador Gabriel Biologia tem acesso 10 minutos antes. A capacidade de mobilização dele é alta. Utilizar a estratégia ‘a toque de caixa’ é uma maneira de diminuir a atenção da votação”, explicou, alegando que os acordos para a aprovação de urgências são, muitas vezes, informais.
“Os vereadores podiam adiar ao máximo votações ou votar com rapidez. Eles vão adequando os regimentos de acordo com as agendas políticas, que são articuladas entre o pessoal da Câmara e o Executivo”, completou Paula. “No caso das áreas verdes, rapidamente votadas, é para não haver mobilização popular”.
Ela ainda alegou que a inclusão de inúmeras emendas, com mais exclusões, dentro dos projetos também seria uma forma de desvio do foco. Seriam os “apensados”, ou seja, a junção de mais projetos em um único para que tudo possa ser votado.
Paula reforça que pautas voltadas ao meio ambiente tendem a sempre ser votadas “a toque de caixa”. O motivo seria a relação das pautas ambientais com os interesses do mercado imobiliário. A mobilização popular, portanto, precisaria ser menor do que a mobilização entre empresários e o legislativo.
A conjuntura nos leva a outra frase comum no meio político: “É do jogo”. A utilização dos mecanismos da maneira mais conveniente para os atores ocorre de maneira tendenciosa, mas ainda regular. Cada um joga como pode o que leva aos demais participantes das pautas como a oposição, a imprensa e o público.
A mobilização popular é capaz de chamar atenção e direcionar luz ao que estava escondido. Não à toa, segundo Paula Vieira, há esse esforço em mascarar: quando o povo se interessa, torna-se capaz de engajar e derrubar.
E, nisso, o meio ambiente se destaca. “Ainda que tenhamos alguns grupos que acham que as áreas verdes têm que deixar de existir para uso humano, existe uma ética moral. Do mundo em que moramos, da natureza. Imagine, não conseguir colocar rapidamente uma pauta, a mobilização que causa”, disse a cientista.
As redes sociais contribuem na intensificação do debate e, assim como o legislativo consegue pautar rapidamente, os meios digitais também. Hoje, o povo pode ser mais rápido e, em meio a aprovações "relâmpago", identificar matérias nocivas e, assim, reverter o jogo.
A apuração desta reportagem foi dividida em duas etapas. A primeira consistiu na análise minuciosa da sessão de 17 de dezembro de 2024, na Câmara Municipal de Fortaleza. O encontro legislativo durou 6 horas e 45 minutos.
As informações do vídeo da sessão foram checadas na plataforma do Sistema de Apoio ao Processo Legislativo (SAPL), tendo em vista que a natureza exata do projeto não é explicitado pelo presidente da sessão, com o anúncio somente do número e do nome – que, na maioria das vezes, consiste em uma descrição genérica, que não cita sequer o teor ambiental da pauta. Ou seja, só conseguimos ter conhecimento de qual área estava sendo excluída ao consultar o projeto na íntegra.
O SAPL permite ainda conferir o estágio atual da pauta, o que revelou outra questão: as emendas. Muitas delas diziam respeito a locais muito distantes das zonas citadas originalmente. Em cinco projetos, de sete, houve a inclusão de emendas. Assim, a aprovação veloz ou confusa das pautas excluía um grupo de zonas ambientais em uma única tacada.
A partir do vídeo e das atas, foram computados os votos de cada projeto. O vídeo teve que ser pausado e retomado diversas vezes pela velocidade de algumas votações – que duravam segundos.
A segunda parte da apuração consistiu na ida in loco à Câmara dos Vereadores. No entanto, a sessão da apuração – de 12 de março – acabou cancelada. No dia seguinte, fomos à Casa Legislativa, mas não foi permitida a entrada no plenário.
Os votos foram apurados à distância pela reportagem, com os próprios vereadores ou seus respectivos assessores. Em alguns casos, não houve retorno. A reportagem segue aberta ao recebimento de novas respostas.
Colaborou o repórter de política d'O POVO, Guilherme Gonsalves.
"Olá! Aqui é Ludmyla Barros, repórter do O POVO+. Ficou supreso sobre como seu vereador vota em pautas ambientais? Conta nos comentários"
Série de reportagens especiais utiliza levantamento de dados exclusivo e trabalho investigativo para mostrar qual o futuro das áreas verdes de Fortaleza após a exclusão de zonas ambientais em 13 bairros da Capital. Diante dos efeitos da crise climática, o especial analisa o impacto dessa retirada para a Cidade e busca responder a seguinte questão: é possível o crescimento urbano coexistir com a sustentabilidade?