O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu seu voto no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus pela suposta tentativa de golpe de Estado, seguindo o relator Alexandre de Moraes pela condenação dos acusados.
Dino proferiu seu votou por cerca de uma hora na terça-feira, 9 de setembro, alinhando-se à tese de que os crimes contra o Estado Democrático de Direito foram configurados por atos executórios, não meros atos preparatórios.
Assim, Dino também afasta a tese que Bolsonaro estaria sendo julgado por um crime sem materialidade. O voto de Flávio Dino era um dos mais esperados pela proximidade que tem com o presidente Lula (PT) e setores da esquerda.
A participação de Flávio Dino no julgamento foi permeada por breves momentos de irreverência e doses de ironia, que já são uma marca registrada do ministro.
Ao final do voto do ministro relator, Alexandre de Moraes, o presidente da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin, perguntou aos demais sobre o horário de retorno da audiência.
“15h30 é suficiente, presidente. Inclusive, se Vossa Excelência quiser cancelar o almoço, eu e o advogado do general Heleno vamos ficar felizes”, brincou o ministro Flávio Dino, causando risadas.
A piada faz referência à ocasião em que o advogado Matheus Mayer Milanez pediu a Moraes o adiamento da sessão de interrogatório dos réus para ter mais tempo para “minimamente jantar”.
Descontrações à parte, Dino tocou em um dos pontos mais intrincados do direito penal, ao abordar a distinção entre atos preparatórios e atos executórios.
O ministro afirmou que o critério previsto no Código Penal é insuficiente para tal diferenciação, sendo a doutrina majoritária quem reconhece essa limitação.
Dino recordou um precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em um caso de furto, no qual a invasão da residência já configurava risco concreto ao patrimônio, mesmo antes da subtração.
Aplicando essa lógica ao julgamento do Golpe, Dino declarou que há um encadeamento entre atos preparatórios "que já são os atos executórios".
Para ele, os atos demonstrados expuseram o bem jurídico, o Estado Democrático de Direito, a "gravíssimo perigo".
Além disso, o ministro argumentou que houve uso de "violência e grave ameaça" pelos réus, ironizando que o nome do plano era "Punhal Verde Amarelo", e não "Bíblia Verde e Amarela".
Dino também lembrou que acampamentos terem ocorrido em portas de quartéis, onde há "fuzis, metralhadoras, tanques", reforçando a inerente violência à narrativa dos autos.
O professor de direito e advogado Ilmar Muniz concorda com essa interpretação, afirmando que existe uma linha tênue, mas que "meros atos iniciais executórios já são puníveis".
"Se o golpe tivesse sido consumado, nem em julgamento nós estaríamos falando", aponta, acrescentando que as provas da Procuradoria-Geral da República (PGR) demonstram claramente a iniciação da tentativa de abolição democrática de direito.
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Outro ponto crucial do voto de Dino foi a defesa da validade da colaboração premiada de Mauro Cid, rechaçando os pedidos da defesa para anulação.
Dino reconheceu que a delação é um dos institutos mais desafiadores do sistema jurídico brasileiro, mas sublinhou que já existem "certezas consolidadas", como a ausência de monopólio do Ministério Público na investigação.
O ministro rebateu os questionamentos da defesa sobre informações imprecisas prestadas por Cid, como a localização exata no Palácio do Alvorada, onde teria recebido dinheiro.
Dino considerou esses locais "contíguos" e que a imprecisão de detalhes após tanto tempo é normal. Ele concluiu que, embora seja possível "pinçar uma ou outra inconsistência", a delação é "válida, suficiente para sustentar um juízo condenatório" quando cotejada com outras provas de corroboração.
O professor Ilmar Muniz, por sua vez, também destacou a importância da delação de Mauro Cid, mas salientou que ela "não é a única prova".
Segundo o jurista, mesmo que a delação fosse derrubada em um eventual recurso, o processo não se encerraria, pois há "outros meios que demonstram que os fatos aconteceram".
Dino seguiu Moraes ao indicar que Jair Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto exerciam uma "função dominante" nos eventos, com "culpabilidade bastante alta", e que a dosimetria da pena deve ser congruente com esse papel "eminente".
No entanto, o ministro considerou que Paulo Sérgio, Augusto Heleno e Alexandre Ramagem tiveram uma "participação de menor importância".
Especificamente sobre Ramagem, Dino apontou que sua saída do governo em março de 2022 influenciaria a menor participação.
Para o general Augusto Heleno, a ausência em algumas reuniões também indicaria "menor eficiência causal". Dino dedicou atenção especial ao caso do general Paulo Sérgio, ex-ministro da Defesa, reconhecendo a consistência das teses da defesa.
Contudo, o ministro citou "eventos muito graves", como a nota do Ministério da Defesa que questionou a credibilidade do sistema eletrônico de votação em novembro de 2022, e as reuniões sobre as chamadas minutas golpistas.
Dino concluiu que a frustração do plano, para Paulo Sérgio, ocorreu por "fatores alheios à vontade" do general.
O professor Ilmar Muniz considerou a questão da dosimetria da pena "muito importante", especialmente em relação ao próximo voto esperado do ministro Luiz Fux, que já sinalizou possíveis divergências com o relator.
Muniz mencionou as críticas de Fux a penas consideradas altas para os condenados de 8 de janeiro, mas lembrou que a pena é uma "escolha legislativa" e que "a lei está lá, se cumpre o que está".
Flávio Dino fez questão de negar que o julgamento tenha caráter político, classificando-o como "um julgamento como outro qualquer", processado "segundo regras vigentes do país, de acordo com mandamento do devido processo legal, fatos e provas nos atos e em termos isonômicos".
Ele lembrou que o Supremo já julgou políticos de diversas posições ideológicas, citando os casos do Mensalão e a rejeição de um habeas corpus de Lula na Lava Jato.
O ministro também afirmou que este não é um "julgamento das Forças Armadas", mas de indivíduos, defendendo a necessidade de Forças Armadas "fortes, equipadas, técnicas e autônomas".
Dino ressaltou a "função preventiva geral do direito penal", para que eventos de "ruptura do tecido constitucional" não se repitam a cada 20 anos, e para que as instituições de Estado se mantenham "isentas e apartidárias".
Na conclusão de seu voto no julgamento da trama golpista, o ministro Flavio Dino disse que o Supremo Tribunal Federal não se curvará a ameaças ou sanções impostas por países estrangeiros.
A fala do ministro é uma referência a lei Magnitisky, aplicada pelos Estados Unidos ao ministro Alexandre de Moraes, relator da ação.
“Será que as pessoas acreditam que um tweet de uma autoridade de um governo estrangeiro vai mudar o julgamento do Supremo? Será que alguém imagina que um cartão de crédito ou o Mickey vão mudar o julgamento do Supremo?”, ironizou.
A sessão do julgamento foi suspensa após o voto de Dino e será retomada na manhã seguinte. A expectativa é grande para os votos seguintes, em especial o do ministro Luiz Fux, cuja posição é vista como a "grande dúvida" do caso.
"Está acompanhando o julgamento? O que você achou do voto do ministro Flávio Dino? Eu sou Mateus Mota, repórter do O POVO+ e te convido a deixar sua opinião aqui nos comentários! "
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