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Alexandre de Moraes: entre alvo, 'inquisidor' e símbolo pop brasileiro
Reportagem Seriada

Alexandre de Moraes: entre alvo, 'inquisidor' e símbolo pop brasileiro

Mais que relator, membro da Corte ou ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Moraes tornou-se o principal magistrado alvo de ataques de aliados e eleitores de Bolsonaro. Ao mesmo tempo, outros defendem que ele é sinônimo de "democracia". Nas redes, virou ícone pop

Alexandre de Moraes: entre alvo, 'inquisidor' e símbolo pop brasileiro

Mais que relator, membro da Corte ou ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Moraes tornou-se o principal magistrado alvo de ataques de aliados e eleitores de Bolsonaro. Ao mesmo tempo, outros defendem que ele é sinônimo de "democracia". Nas redes, virou ícone pop
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“Sai Alexandre de Moraes, deixa de oprimir o povo brasileiro. Qualquer ordem dele eu não cumprirei”, foi uma das falas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), lida no julgamento de tentativa de golpe contra o mandatário e outros sete aliados.

A voz que entoou a frase, em tom incisivo, foi a do próprio Alexandre de Moraes, relator do caso e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

ParaTodosverem: relator da AP 2668, Alexandre de Moraes. É um homem branco, careca. Está com toga preta, camisa roxa e gravata rosa(Foto: Rosinei Coutinho/STF)
Foto: Rosinei Coutinho/STF ParaTodosverem: relator da AP 2668, Alexandre de Moraes. É um homem branco, careca. Está com toga preta, camisa roxa e gravata rosa

De gravata rosa com estampa de cachorrinhos, camisa roxa e a tradicional toga da Suprema Corte, Moraes narrou as considerações na posição de relator, por várias horas.

Entre goles de água como vírgulas das frases mais “fortes”, o ministro afastou preliminares levantadas pelas defesas, defendeu a delação premiada de Mauro Cid (ex-ajudantes de ordens de Bolsonaro) e condenou as ações da dita “organização criminosa”, supostamente liderada pelo ex-presidente.

Mais que relator, membro da Corte ou ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes tornou-se o principal magistrado alvo de ataques de aliados e eleitores de Bolsonaro.

Enquanto este lado o considera sinônimo do “autoritarismo” do Judiciário, os opositores ao ex-presidente exaltam o ministro como responsável por conduzir a condenação dos “golpistas” em prol da democracia.

Na bancada dos juízes, Moraes é, ao mesmo tempo, "inquisidor" para os grupos bolsonaristas, vítima de pressão e ameaças pelos apoiadores do ex-presidente e — como tudo no Brasil — alvo de brincadeiras do público.

 

 

Entre "inquisidor" e vítima

A acusação da tentativa de golpe, formulada pela Procuradoria Geral da República e sustentada por Moraes, defende que a trama precisa ser analisada como um conjunto, e não como ações isoladas. Segundo ele, essas ações resultam em um plano, com a participação maior ou menor de cada um dos acusados, sob liderança de Bolsonaro.

Um dos pontos centrais do plano seria o descrédito às instituições de poder brasileiras, especialmente o Judiciário, com foco no STF e no TSE. Envolve desde acusações (infundadas) de fraude no sistema eleitoral até ataque pessoal aos ministros, como Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e, claro, Alexandre de Moraes.

ParaTodosVerem: ministro Alexandre de Moraes (STF) durante julgamento da trama golpista, na manhã de terça-feira, 9 de setembro de 2025(Foto: Gustavo Moreno/STF)
Foto: Gustavo Moreno/STF ParaTodosVerem: ministro Alexandre de Moraes (STF) durante julgamento da trama golpista, na manhã de terça-feira, 9 de setembro de 2025

Moraes ganhou foco por ter sido designado como relator do inquérito das fake news, investigação que expandiu e incluiu outros processos supostamente ligados ao tema inicial. É o caso da trama golpista. Além disso, Moraes presidiu o TSE em plenas eleições presidenciais.

Após o pleito, Alexandre teve o nome incluído no plano “Punhal Verde e Amarelo”, presente na acusação da tentativa de golpe. Planejamento previa o assassinato dele, do presidente Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin.

Moraes foi ainda destaque internacional quando proibiu a rede social X, antigo Twitter, criando “inimizade” com o dono da empresa, Elon Musk; e quando foi alvo de sanções do presidente Donald Trump.

Em poucos anos, ocorreu um acúmulo de envolvimento em questões importantes — e de poder.

ParaTodosVerem: Paula Vieira, professora e pesquisadora do Lepem. É uma mulher de cabelos médios e escuros. Usa roupas prestas e brancas(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE ParaTodosVerem: Paula Vieira, professora e pesquisadora do Lepem. É uma mulher de cabelos médios e escuros. Usa roupas prestas e brancas

Assim, em conjunto com uma atuação de maior destaque do STF, Moraes tornou-se o rosto de uma Corte “que se coloca acima de outros”, para a percepção bolsonarista. Para o grupo, o ministro simboliza “repressão, autoritarismo e cerceamento da liberdade de expressão”, considera Paula Vieira, colunista do O POVO+ e membro do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC).

Sobre as críticas bolsonaristas, a cientista política defende que é preciso esclarecer excessos. Acusações de “autoritarismo” do Judiciário, na verdade, se referem a cenários em que o poder atua de forma constitucional, ou seja, quando é “acionado pelos outros dois poderes quando há uma disputa, um conflito político que é natural da vida política”.

 

“O Judiciário vai interpretar segundo a Constituição. Ele não vai interpretar segundo seus próprios interesses, necessariamente. [Vai interpretar pelo] que ele pensa ou sente, acha, mas segundo doutrinas que são baseadas ali na Constituição. Precisamos lembrar disso”, salientou Paula.

 

Algo semelhante foi considerado por Fernandes Neto, da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE. Segundo ele, Moraes é um antagonista conveniente para mobilizar, unificar e explicar reveses políticos e eleitorais.

“É, ao mesmo tempo, ameaça (jurídica/política) e ativo retórico (coesão/engajamento). Nesse contexto, a identificação do ministro Alexandre de Moraes como juiz e vítima, permite desfocar o conteúdo do processo e dos graves crimes praticados, com a tentativa de desqualificação pessoal do julgador”, considera o advogado. Ou seja, em face dos crimes graves, a solução teria sido culpar quem “culpa”.

Fernandes Neto, advogado da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Fernandes Neto, advogado da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE

Já para os contrários a Bolsonaro, Paula considera que Moraes virou “aquele que vai conseguir, de fato, fazer com que a justiça seja feita, com que sejam condenados aqueles responsáveis pela tentativa de golpe do 8 de Janeiro”.

Mas neste caso, é justo um ministro tão envolvido no caso ser o relator dele? Esta questão já circulou no plenário do Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2024.

A defesa de Bolsonaro alegou que o ministro Alexandre, ao acolher as medidas cautelares requeridas pela Polícia Federal, teria reconhecido sua condição de vítima dos episódios sob investigação, que envolviam, entre os planos, o de matá-lo.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou que os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de tentativa de golpe de estado têm como sujeito passivo toda a coletividade, e não uma vítima individualizada. Por isso, Moraes não poderia ser desconsiderado. A maioria do plenário foi de acordo — todos menos André Mendonça.

Para Fernandes Neto, o processo jurídico da trama golpista é “inusitado”. “Desconheço a precedência de caso análogo no STF. A suspeição de maior repercussão na história recente do Brasil, foi da participação do juiz Sérgio Moro, na operação ‘Lava Jato’, após as publicações de diálogos do então juiz em combinação de atos com agentes acusadores”, lembra, em referência a outro caso de magistrados no centro do debate.

 

 

Outros ministros já foram centro da pauta?

“Herói usa capa” poderia ser uma frase de apoiadores de Moraes em 2025, mas, na verdade, trata-se de elogios a Gilmar Mendes no julgamento do Mensalão. O ministro, conforme lembra Paula Vieira, era o “justiceiro diante da corrupção, engendrada e no processo de julgamento”.

Exemplos espalham-se pela história do Judiciário brasileiro. Uma outra figura é a de Sérgio Moro: juiz de primeira instância responsável pela condenação do presidente Lula, durante a Operação Lava Jato.

Na época, o próprio Gilmar Mendes, antes endeusado, salientou o “perigo” do destaque do magistrado: "A mídia em algum momento transforma [alguém] em herói e, quando se revela a sua inconsistência, ela lhe dá um enterro silencioso”.

ParaTodosVerem: Gilmar Mendes, ministro do STF, e Sérgio Moro, senador e ex-juiz do Paraná(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/Edilson Rodrigues/Agência Senado ParaTodosVerem: Gilmar Mendes, ministro do STF, e Sérgio Moro, senador e ex-juiz do Paraná

O protagonismo de um ministro, segundo Fernandes Neto, é algo “relativamente novo e se contrapõe à figura do juiz silencioso, adstrito à manifestação nos autos”. “Esse período parece que foi ultrapassado com a exposição midiática sobre os juízes, notadamente os ministros do STF, que atuam em processos de maior repercussão”, considerou.

Alguns exemplos seriam Joaquim Barbosa no Mensalão; Edson Fachin na Lava Jato e, agora, Flávio Dino, em outros processos do Mensalão.

Moraes possui um perfil “punitivo”, conforme a percepção de Fernandes, o que seria coerente com a origem do magistrado no Ministério Público. “Posso discordar tecnicamente de decisões de Moares, mas não posso afirmar que carecem de fundamentação e coerência”, considerou Fernandes.

E completou que, apesar de contestada, a atuação do ministro “foi indispensável à democracia e à garantia do resultado eleitoral”. "Acredito que, somente agora, finalmente, se encerra historicamente o periodo ditatorial iniciado em 1964”, defendeu.

 

“A sociedade encontra-se em transição, assim como o Judiciário e o Ministério Público, que em momentos anteriores eram comumente protagonistas na mídia. O difícil é aquilatar o limite da atuação dos magistrados extra-autos, principalmente quando o próprio poder é constantemente atacado” - Fernandes Neto

 

Os três magistrados — Gilmar, Moro e Moraes —, curiosamente, representam interesses de grupos contrários na política. “Quem estava aprovando a postura de Gilmar Mendes era aqueles que eram opositores aos petistas, que estavam então no governo e no processo do julgamento”, lembra Paula Vieira. Os petistas, em sua maioria, apoiariam hoje a postura “heróica” de Moraes.

O próprio Moraes, na verdade, era criticado por grupos de esquerda no momento da indicação pelo então presidente Michel Temer. Ex-PSDB, ex-secretário de Segurança Pública no governo do então tucano Geraldo Alckmin, Moraes era visto como um perfil “questionável” pelas alianças.

“E hoje a gente tem ele à frente do julgamento mensal, do julgamento do golpe, da tentativa de golpe. Ele já se torna um outro perfil, já é criticado opositores a Bolsonaro”, diz Paula.

Para ela, o caminho para evitar cair em “armadilhas” de heróis da República, seria um olhar crítico.

“Quando é que o herói usa capa? Esses sujeitos vão corresponder às minhas expectativas e por isso eu vou ver a validade, ou eu vou ver qual é a postura que esses ministros têm diante do curso do processo de acordo com as suas prerrogativas legais, constitucionais e de manejos em relação à Constituição Federal de 88”, considera.

 

 

Ícone pop brasileiro

A figura do ministro sem cabelos, de terno e “defensor” ou “inquisidor” do País, ganhou as redes sociais e o imaginário brasileiro. Se antes os membros do STF eram mais escanteados na pauta pública, hoje estão em mesa de bar, comentários na internet e até memes.

A “identidade visual” de Alexandre de Moraes tornou-se facilmente reconhecível, a ponto de peças publicitárias de personagens com características parecidas serem “confundidas” de propósito com ele. Um exemplo foi o boneco de Lex Luthor, que viralizou como sendo Alexandre.

Circulam ainda vídeos de músicas e montagens engraçadas do ministro e, em todos os dias do julgamento, o nome do relator estava entre os assuntos mais comentados do momento.

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Voltamos ao julgamento do século. Pela primeira vez, um presidente é julgado por tentativa de derrubar o próprio sistema democrático que uma vez o elegeu.

Moraes dividiu o voto em 13 pontos, que trariam a narrativa de ações da tentativa de golpe. Para o ministro, a trama deve ser considerada como uma narrativa e não por ações isoladas. Posição vai exatamente de acordo com o defendido pela PGR.

Ele condenou todos os réus aos cinco crimes aos quais estão acusados — exceto Ramagem, acusado de três. Sobre Bolsonaro, ele imputou ainda a posição de líder de “organização criminosa”.

ParaTodosVerem: Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), sorrindo(Foto: Fellipe Sampaio/STF)
Foto: Fellipe Sampaio/STF ParaTodosVerem: Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), sorrindo

Moraes puxou para si o discurso da defesa democrática e, nas seis horas de duração do voto, estes foram uns dos termos mais constantes: democracia, justiça e soberania nacional.

O tom foi crítico, irritadiço. Ao defender as provas contra os acusados, ele em diversos momentos indignou-se.

Não é possível normalizar isso! O Brasil demorou para atingir sua democracia. Nós tivemos 20 anos de ditadura, torturas, as pessoas sumiram, foram mortas. Não é possível banalizar esse retorno a esses momentos obscuros da história. A prova é farta”, chegou a dizer.

Sentando na bancada do STF, na companhia dos quatro colegas da primeira turma, ele é o primeiro da esquerda à direita. Aos olhares do público, está ao centro. Vilão, herói, "ditador" e alvo (de críticas ou piadas). Sob os holofotes, a história corre e Moraes toma grande parte dela.

 

 

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