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Fortaleza: os pré-candidatos campeões na disputa pelo voto nas redes sociais
Reportagem Seriada

Fortaleza: os pré-candidatos campeões na disputa pelo voto nas redes sociais

DISPUTA VIRTUAL | Com tempo curto de campanha e limitações no contato físico devido pandemia da Covid-19, postulantes ao Paço Municipal investem em estratégias de engajamento e interação com o público
Episódio 1

Fortaleza: os pré-candidatos campeões na disputa pelo voto nas redes sociais

DISPUTA VIRTUAL | Com tempo curto de campanha e limitações no contato físico devido pandemia da Covid-19, postulantes ao Paço Municipal investem em estratégias de engajamento e interação com o público
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A Internet arrebatou corações e mentes dos eleitores e foi decisiva em pleito nos Estados Unidos com a vitória de Donald Trump, em 2016, e no Brasil, dois anos depois, com a chegada de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto. Nesse mesmo ano, aportaram nos governos estaduais, surfando na mesma onda, alguns nomes até então desconhecidos na política como o empresário Romeu Zema (Minas Gerais) e o ex-juiz Wilson Witzel (Rio de Janeiro). Para as eleições municipais deste ano, os desafios de uma campanha nas redes sociais em meio à pandemia do novo coronavírus serão recolocados e ressignificados.

 

Em Fortaleza, o curto tempo para campanha e o distanciamento social recomendado diante da Covid-19 têm imposto aos 17 pré-candidatos a necessidade de uma intensa dedicação nas redes sociais, que cada vez mais vão ser palcos de polêmicas, anúncio de alianças, exaltações, hostilidades e menções a apoiadores.

O desempenho de cada um dos postulantes e a influência deles na rede, todavia, oscila bastante na capital cearense. Segundo o publicitário e sociólogo, Fernando Costa, alguns perfis apresentam resultados bastante superiores na Internet, pois cumprem com mais eficácia o que ele chama de “tríade da presença digital”: o alcance das postagens, o poder de atratividade e a afinidade do conteúdo com o público impactado.



Entre esses perfis, lideram em influência nas redes sociais os pré-candidatos e deputados federais Célio Studart (PV) e Capitão Wagner (Pros), respectivamente colocados em primeiro e segundo lugar. “Eles possuem uma velocidade de resposta muito alta e respondem a qualquer tipo de interação. Isso mexe muito com os algoritmos. É uma coisa do tempo, dedicação e investimento em rede”, explica o sociólogo.



Fernando destaca que além de estarem há mais tempo no ar, os perfis de Célio e Wagner mantêm contato com o que ele chama de “supercondutores na rede”, ou seja, pessoas do meio político que concentram alto poder de engajamento.

“O Wagner já disputou outras eleições e atentou para esse fenômeno. Já Célio Studart é, basicamente, um fenômeno. O que converge é que ambos apresentam uma presença nas redes há muito tempo e circulam bastante nesse meio interagindo com pessoas de perfis já famosos, por isso são muito influentes”, avalia.

Se você pega a rede do Wagner, elas são muito vivas, vibrantes, ele mantém uma relação muito constante com contatos federais, como a Carla Zambelli (deputada federal bolsonarista) , onde ambos trocam diálogos, e isso dá força à rede. O desenho da rede dele (Wagner) é complexo demais. Fernando Costa, publicitário e sociólogo

Embora Wagner não se reconheça publicamente como um bolsonarista de primeira ordem, o publicitário afirma que dados de interação e engajamento das páginas do deputado revelam o contrário.
“É inegável que a rede dele é forte e coesa também por isso. O Capitão Wagner tem seis deputados federais que interagem com ele. Uma delas é a Carla Zambelli que é quase o Bolsonaro. Isso em Fortaleza e agrega muito prestígio a ele. Na hora que ela bota @capitãowangersousa a rede dele balança”, avalia.

 Em um fator apontado pelo sociólogo como “força na política online e real”, Fernando desataca o desempenho da deputada federal e ex-prefeita de Fortaleza Luizianne Lins. A pré-candidata do PT na corrida ao Paço Municipal, contudo, apresenta desempenho abaixo do ostentado por Célio e Wagner.

“A Luizianne fica atrás por ter uma rede muito difundida, ela tinha outros perfis e isso cria uma difusão que enfraquece muito a rede. Porém, ela também tem muita interatividade. Se for analisar todos os fatores, como alcance, atratividade e afinidade, além de força na política nas redes e na real, os dois são os mais fortes. O Capitão e ela”, complementa.


PDT e os cinco nomes

No período de pré-campanha, o PDT lançou cinco nomes como postulantes à Prefeitura de Fortaleza: o deputado federal Idilvan Alencar, os estaduais José Sarto e Salmito Filho além dos secretários licenciados Ferruccio Feitosa e Samuel Dias. O partido promoveu uma dezena de lives em que os prefeituráveis debateram propostas para a Capital.

Sobre os cinco pré-candidatos do PDT, Fernando frisa que os debates nessas lives funcionam como um “laboratório experimental”, contudo, ainda incapazes de definir a força real de um futuro candidato.

PDT promoveu ciclo de lives nos quais os cinco pré-candidatos debateram propostas(Foto:  Debate entre prefeituráveis do PDT em Fortaleza)
Foto: Debate entre prefeituráveis do PDT em Fortaleza PDT promoveu ciclo de lives nos quais os cinco pré-candidatos debateram propostas

“Pré-candidatos que apareciam fortes antes de começar os debates já não estão tanto. É legal usar essa linguagem na Internet. Os jornais publicam e repercutem depois, mas a live mesmo possui uma audiência baixa. Eu não acredito que aquilo seja uma sabatina onde vão chegar a uma conclusão”, diz.

“O Idilvan vem se destacando, principalmente, quando a questão é Educação. Ele pode assumir um papel que ninguém esperava que ele assumisse. Se fôssemos nos orientar em desempenho em rede ele seria válido” comenta o especialista.

Fernando também avalia como positivo o desempenho do ex-secretário estadual do Governo e pré-candidato do PSB, Élcio Batista, embora ele não possua engajamento nas redes. “Articulado, fala de muita coisa que os políticos tradicionais não falam, mas é uma rede frágil porque nunca se dedicou na construção e qualquer rede precisa de muito investimento” diz.


O papel dos outsiders

O peso recente de um bom desempenho nas redes sociais para um candidato jogou luz a um termo que passou a ser mais recorrente nas últimas eleições. Os outsiders são os postulantes que surgem de fora do sistema político, sem qualquer experiência no meio, mas que tentam se colocar como protagonista na conjuntura.

Deputado estadual André Fernandes, youtuber que se elegeu como para a Assembleia Legislativa com candidato mais votado no Ceará em 2018(Foto: Instagram / André Fernandes)
Foto: Instagram / André Fernandes Deputado estadual André Fernandes, youtuber que se elegeu como para a Assembleia Legislativa com candidato mais votado no Ceará em 2018

Posicionando-se à margem do perfil de ator político mais tradicional, os outsiders atribuem a uma chamada “velha política” historicamente estabelecida todos os males da sociedade, retratando a si mesmos como verdadeiros “agentes de mudança”. Para isso, as redes sociais são a chave para jogar luz a esses nomes.

“Tem gente que saiu da rede social, como o André Fernandes (deputado estadual cearense), que é complexo não só por causa do seu extremismo, mas da ligação com o fenômeno Bolsonaro. Não sei se ele repetiria esse sucesso numa eleição a prefeito em Fortaleza, mas ele é forte dentro da rede, porém, a gente tem que ver quando a política real interage com rede social”, destaca Fernando Costa. 

Para a professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e pesquisadora do Laboratório de Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), Monalisa Torres, o uso das redes sociais vem ganhando espaço nos últimos anos, principalmente, devido candidaturas feitas “simbolicamente com ideias de mudança”.

“Enquanto você via grandes partidos e candidaturas organizando coligações para ter tempo de TV e fundo eleitoral, candidaturas menores precisam burlar essa hegemonia a partir das redes sociais” destaca. No contexto da eleição em Fortaleza, Monalisa avalia que as redes sociais terão grande impacto, sobretudo, no ato de modificar a forma de construção das campanhas.

“As redes terão importância de ajudar na visibilidade desses prefeituráveis. Para quem está entrando na política agora. Será preciso romper esse distanciamento e explorar essa ferramenta. Para as eleições de 2020 teremos o reconhecimento das redes como ferramenta importante de comunicação ampla e necessária, tendo em vista a própria imposição de distanciamento social que a pandemia vem colocando”, avalia.

A pesquisadora ressalta que, em comparação às campanhas de rádio e TV, as de rede social “são pensadas como estratégias que conseguem atingir diferentes nichos do eleitorado”. “A rede permite que se construa bolhas e o candidato possa produzir campanhas específicas para bolhas específicas. Também dá um alcance muito maior devido ao compartilhamento dessas estratégias e símbolos que serão mobilizados”, diz.

O fenômeno explica, segundo ela, a boa avaliação do deputado Célio Studart (PV) no meio digital, cuja forma de comunicação, que já emerge no meio online a mais tempo, direciona-se para nichos mais jovem.

“Desde as primeiras eleições ele tem um eleitorado mais jovem, que em geral utiliza mais as redes sociais, então ele tem construído esse conhecimento muito maior. Acho que ele tem expertise esse campo”, afirma.

Exatamente por isso os políticos estão muito mais atentos com este meio de comunicação com o eleitor. Quem está pleiteando cargos está tentando construir essa comunicação com postagens, participando de lives. Esse passou a ser um lugar indispensável. Monalisa Torres, professora da Uece

Extrema-direita lidera “guerra de algoritmos”

Monalisa Torres observa que a necessidade de apropriação do espaço digital foi um fenômeno notado inicialmente por partidos e movimentos de direita, que percebeu "primeiro as tecnologias como outros espaços para debate". “Pela a ocupação tradicional dos espaços físicos pela esquerda, coube à direita ocupar outro nicho que ainda não tinha sido pensado como espaço possível para o debate”, explica.

Fernando Costa corrobora com a ideia de que a extrema-direita deu o primeiro passo há alguns anos e soube explorar amplamente a “guerra por algoritmos” nas redes sociais. “Desde a campanha do Brexit, no Reino Unido, passando pela eleição do Trump, nos EUA, e vindo depois para o Brasil, são investimentos de bilhões de dólares. O conservadorismo, de onde parte considerável do dinheiro vem, investiu intensamente na manipulação desses dados”, avalia.

Com o caso da Cambridge Analytics, que mostrou como fazia essa manipulação, você percebe que a direita saiu na frente. A esquerda tinha o verbo e não tinha a verba, não converteu seu discurso nas redes em ganho real. Fernando Costa

O publicitário e sociólogo aponta que grupos políticos, principalmente alinhados à extrema-direita, ainda investem muito na criação de conteúdos de massa sem qualidade criativa, mas com características interpretativas de fácil acesso à população, sendo rapidamente consumidas e credibilizadas.

“Não é criativo, nem bonito. São coisas malfeitas, mas é isso que faz sucesso na Internet. É a mesma lógica do varejo que é usado nas lojas de Fortaleza que vendem usando aquela propaganda repetitiva e óbvia. Essas peças da Internet alcançaram grande êxito porque são feitas pensadas para que a pessoa mais simples entenda” destaca.

Estratégias para utilização de robôs e fake news que, segundo o publicitário, passaram a contaminar “redes familiares”, como o WhatsApp, ainda serão bastante usadas em 2020.

“Nessas redes de colegas de trabalho e família existe uma relação muito forte de confiança. É uma rede que não pode ser monitorada, como Instagram e Facebook. São essas redes que são provocadas por esses robôs e acabam escoando para dentro do WhatsApp”, diz.

A mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Juliana Fratini, avalia que candidatos de extrema-direita estiveram à frente nas redes sociais, o que não só definiu grande parte das candidaturas a partir de 2018 como pode influenciar nas candidaturas em Fortaleza e em todo o Brasil.

“Não só no Brasil, mas no restante do mundo, tínhamos mais candidatos de centro-esquerda, mas eles não fizeram aposta nas redes sociais. Em 2016, é a oposição e os outsiders que avançam. Grupos mais conservadores, liberais e de direita”, afirma.

Ela projeta que este fenômeno foi o que “inegavelmente, em 2018, fez Jair Bolsonaro ter maior ocupação do espaço da rede e sucesso nas eleições”. “Num cenário em que as instituições estavam desacreditadas, ele conseguiu se beneficiar bastante. Sem esquecer que estávamos vindo de um lavajatismo e um impeachment, então esses candidatos ganharam mais espaço no digital”, avalia.

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