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Curador Fabio Rodrigues Filho compartilha movimentos do Cinema do Dragão
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Curador Fabio Rodrigues Filho compartilha movimentos do Cinema do Dragão

Há dois meses à frente da programação e curadoria do Cinema do Dragão, Fabio Rodrigues Filho destaca "formação de mão dupla" entre sala e público
Tipo Notícia
O crítico, realizador e professor Fabio Rodrigues Filho está à frente da curadoria e programação do Cinema do Dragão desde 23 de agosto (Foto: Ana Raquel / divulgação)
Foto: Ana Raquel / divulgação O crítico, realizador e professor Fabio Rodrigues Filho está à frente da curadoria e programação do Cinema do Dragão desde 23 de agosto

Nascido em Feira de Santana (BA), o crítico, curador, professor, cartazista, realizador e montador Fabio Rodrigues Filho está, desde 23 de agosto, à frente da curadoria e programação do Cinema do Dragão. Com múltiplas atuações artísticas e culturais, o gestor acumula experiências em eventos importantes para o pensamento do audiovisual brasileiro, como FestCurtasBH e CachoeiraDoc. Em entrevista à coluna Cinema&Séries por telefone, Fabio divide buscas do equipamento por aberturas a outras metragens, elementos do cinema além do filme e públicos.

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O POVO - Na sua trajetória, qual foi a relação com o Ceará e o cinema cearense?

Fabio - A primeira vez que vim a Fortaleza foi em 2018 por conta de uma mostra que fiz curadoria para o Cineclube Telas Abertas, da Vila das Artes. Quando cheguei, já tinha visto alguns trabalhos (audiovisuais) recentes — lembro por exemplo do "Cartuchos de Super Nintendo em Anéis de Saturno", do Leon Reis —, conhecia alguns filmes, mas naquele ano especificamente, quando vim para cá, falei: "Vou procurar essas pessoas". Foi num certo rastro das coisas que eu estava pensando e que estavam me mobilizando no cinema naquele momento. Talvez era até um pouco ingênuo da minha parte, mas, vendo a cena naquele setembro de 2018, me pareceu que havia um diálogo muito orgânico entre as linguagens: pessoas da fotografia transitavam muito forte e livremente por outros campos, pessoas do cinema transitavam para o teatro, dança. Isso dialogava com certo fazer artístico meu, ressoou. No ano seguinte, saí de Cachoeira (no Recôncavo Baiano, onde morava) e fui para Belo Horizonte, onde fiz mestrado e emendei doutorado. Os filmes do Ceará em trabalhos de curadoria que eu estava fazendo me chamavam muita atenção, me provocavam. Tinha um interesse meu de querer de fato aprender com essa produção, esse movimento. Fui vindo para Fortaleza em doses homeopáticas, para tentar me relacionar e conhecer um pouco mais essa cena que tão fortemente me chamava atenção.

 

OP - Quando do anúncio do seu nome, você ressaltou intenção de seguir com a expansão das ações além das salas e com a valorização de cinemas negros, indígenas, feito por mulheres e pessoas LGBTQIAP . De que formas isso vem sendo buscado?

Fabio - Entre os lançamentos semanais, tenho pensado em manter o time ativo nesses projetos paralelos que compõem a programação do Cinema do Dragão e se articulam a outros setores do CDMAC. É o objetivo do próprio centro cultural. Há o interesse da relação com o território. É bem importante pensar que um cinema de rua se dá em uma relação de boa vizinhança. Por "vizinhança", distribuidoras, setor produtivo, pessoas que realizam, próprios filmes, mas também o entorno, as comunidades, escolas, coletivos, movimentos sociais. O Cinema tem uma parceria com o Núcleo de Articulação Territorial (NAT) do CDMAC e a gente realiza sessões na praça voltadas a pessoas em situação de rua. A ideia é ampliar isso para trazer comunidades, bairros vizinhos. A gente está trabalhando uma política de vizinhança que permita que essas pessoas tenham direito a uma porcentagem de gratuidades, cortesias. Também estamos construindo um projeto maior, robusto, em que esse eixo de cinema e território possa ter um trabalho efetivamente de formação de mão dupla: das pessoas, mas do próprio Cinema do Dragão no sentido de aprender quais filmes programar, como inventar uma programação que dialogue com as importâncias e interesses, proponha, tenha a ver com essas pessoas e essas comunidades.

Sobre os filmes, esse interesse em pessoas negras, mulheres, pessoas LGBTQIAP é muito importante e já vem acontecendo no Cinema há um tempo. Uma das formas de continuar isso é trazer filmes de outras metragens para a programação. No projeto Rememorações, dos 10 anos do Cinema, exibimos curtas longas longuíssimos como o da Paula Gaitán ("Luz nos Trópicos", filme brasileiro de 4h20min de duração), então a ideia é construir a programação com outras metragens. E, claro, isso tem muita relação com os filmes do Ceará. A intenção é integrar de maneira periódica, regular, filmes daqui na programação. Estamos criando projetos que se pretendem fixos, para que as pessoas saibam quando e com que regularidade vão acontecer. Os longas vão continuar sendo exibidos e vamos fortalecer o circuito com filmes de outras metragens, além, é claro, das mostras paralelas e sessões especiais. Na produção curta-metragista, a gente encontra uma diversidade muito maior de temas, corpos realizando, personagens, questões, então é somar. Outra frente são mostras históricas que de alguma forma deem espessura à programação. A gente tem construído e tentado fazer alianças para mostras que dialoguem com questões e demandas do contemporâneo e também façam contribuições em relação à história do cinema.

OP - De que formas suas experiências anteriores de curadoria em mostras e festivais dialogam com o olhar curatorial de um cinema?

Fabio - Tem diálogos e grandes diferenças. Uma primeira diferença é que, em um cinema como o do Dragão, há um fluxo semanal e uma relação com diferentes setores. É uma questão de fluxo de trabalho e de tempo, atenção aos movimentos e filmes que vão estrear, que é bastante diferente. Em uma curadoria de festivais, a gente está trabalhando com filmes antes de estrearem, com um conjunto muito maior e mais heterogêneo. No âmbito do cinema, a gente está trabalhando na fase da estreia. Essa diferença da fase da circulação incide no modo de diálogo com as obras, o pensamento sobre diversidade se abre. Com a possibilidade de um filme ser exibido com outros, em conversa com o público, é que a sala vai se tornando esse lugar de pensamento e de formação conjunta — do público e da própria sala. Essas são as duas grandes diferenças, a relação com o tempo e as fases de exibição. Em relação a onde se tocam, penso que os festivais que participei tinham uma relação compromissada com os filmes e engajada com o pensamento e questões do cinema, experiências muito coletivas. Tanto o compromisso como a relação coletiva com o trabalho tem a ver, o Cinema do Dragão é um coletivo, um grupo considerável de pessoas trabalhando ali todos os dias, uma galera engajada. Tem sido emocionante ver pessoas tão comprometidas com o fazer, a difusão e o pensamento cultural. Tenho pensado em como a gente faz uma programação paralela na pouca janela que temos, para que as pessoas também possam experimentar outras formas e outros filmes. Isso tem sido um desafio muito energizador, que tem me dado muito prazer. Respondo ao desafio com uma programação vibrante, experimental.

OP - E como as práticas em montagem, realização e até feitura de cartazes, por exemplo, podem se refletir no Cinema?

Fabio - Eu monto, tenho trabalho com arquivos, prática com cartazes, também escrevo, programo, tenho atuado como professor, trabalho com a Universidade. São práticas que às vezes dialogam muito fortemente, às vezes se separam. Para mim é um desafio pessoal em termos de trajetória. Em relação à programação, pensar o filme como mobilizador de muitas coisas. Quero muito fazer uma mostra de cartazes, acho que eles têm um diálogo crítico com o filme, também tem o que nos ensinar sobre ele. Um cinema é um lugar de formação e as práticas têm me orientado a querer que a gente possa ter mais espaços na programação de discussão com diferentes profissionais que compõem uma mesma obra, que é feita por muitas mãos, em diálogo com muitos olhares. Há essa vontade de dialogar com diferentes profissionais. Fortaleza tem atores e atrizes impressionantes, como Lucas Limeira, Noá Bonoba. Isso tem se revertido em um desejo de experimentar. São interesses a partir dos quais a gente vai construindo as possibilidades de fazer na prática, de conversar com profissionais, mãos e corpos que compõem um filme. Em resumo, pensar o filme além das imagens. Ele é também sua sinopse, seu repertório crítico, seu cartaz, seu processo de feitura… Que a programação esteja permeada de diálogo com diferentes profissionais e diferentes setores que compõem o cinema.

OP - O Cinema do Dragão é singular por ser um equipamento do Governo, buscando ao mesmo tempo fugir do esquema comercial dominante e entregar resultados de público e de ações. Como equilibrar essas frentes?

Fabio - O Cinema do Dragão é um espaço de excelência, de vanguarda no cinema nacional. Ele pauta, propõe, é um lugar onde as pessoas desejam exibir. É um cinema que está pensando, contribuindo e construindo o cinema brasileiro. Isso coloca para as salas públicas do Brasil um ensinamento, uma pedagogia própria daqui. A gente aposta em alguns filmes e não desiste fácil deles. É um cinema respeitado e que propõe. Há mais força do que limitação. É uma das salas, se não a mais barata em relação às salas comerciais de Fortaleza. Exibimos "Barbie" pouco depois do lançamento e as pessoas estavam assistindo e revendo, porque também é um cinema que possibilita acesso tanto em termos financeiros, quanto geográficos, como na forma da programação. Vejo muito mais potência do que limitação. É um momento (de potência) para o CDMAC: no Museu estava tendo coisa, no Palco Rogaciano Leite, no Cinema, no Teatro, gente, muita gente, um lugar vivo em que as coisas dialogam e têm ao mesmo tempo suas diferenças. Tenho visto com muita empolgação inclusive pensando em como colocar isso na programação, por exemplo uma mostra que dialogue com o que está no MCC ou no Mac. Nesse momento, a empolgação e o entusiasmo têm sido fortes inclusive pelas respostas.

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