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O bode e o ditador
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

O bode e o ditador

Há três anos, o palacete do Museu do Ceará aguarda tratamento semelhante de restauro e revitalização dado ao MIS, Pinacoteca e Estação das Artes
Tipo Crônica
0810demitri (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 0810demitri

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Enquanto se discute o destino e o apagamento do fantasma do primeiro ditador do Brasil, da ditadura de 1964-1985, o Museu do Ceará arrisca ter esquecida a memória que foi sendo selecionada, ajuntada e catalogada no Palacete do Senador Alencar, na rua São Paulo.

É estranha a eleição de prioridades quando se fala em criação ou revitalização de equipamentos públicos da cultura cearense. A sobrevivência do Museu do Ceará, onde vive o Bode Ioiô, é uma dessas histórias sobre a falta de preferência.

O fim do Mausoléu de Castelo Branco e a construção de um monumento em referência à Abolição da escravização, ou de um memorial contra ditaduras Nunca Mais, são as novas escolhas-factuais de quem determina qual história se quer contar e perenizar.

 

É óbvio, né? Estão ali mais de 12 mil peças acumuladas de memórias, perenidades, tempo, efemeridades 

 

Arrisco dizer, depois de ouvir fontes, que a situação atual de penúria do Museu do Ceará põe em risco até mesmo a vida dos funcionários que lá estão.

É óbvio, né? Estão ali mais de 12 mil peças acumuladas de memórias, perenidades, tempo, efemeridades e seres vivos que rebentam em equipamentos insalubres e malcuidados.

São pedaços de algumas histórias recortadas, de algum cotidiano específico, e que foram levadas para dentro de um museu que foi se abarrotando de registros preferidos e preteridos.

 

Dada a falta de manutenção permanente do animal empalhado, a peça de museu tem potencial de risco à saúde

 

O irreverente Bode Ioiô é massa e fresca com a bandalha política até hoje. Mas o que aparenta apenas fofo, aquele empalhamento da memória defunta de um bicho icônico, pode fazer adoecer e até morrer alguém por contaminação de fungo ou bactéria.

Dada a falta de manutenção permanente do animal empalhado, a peça de museu tem potencial de risco à saúde de servidores e visitantes.

Outra fonte confidenciou que é preciso a realização de exames específicos para identificar vulnerabilidades, mas o Museu não dispõe de recursos para realizar as análises laboratoriais.

 

Imaginem, perder o Bode Ioiô para uma incineração por desleixo e pouco zelo com o que é memória ou entulho histórico

 

É meio lógico, claro, pois se desconhece a técnica e os materiais utilizados na taxidermia do Ioiô. Por isso, o arriscado à plenitude dos viventes.

Imaginem, perder o Bode Ioiô para uma incineração por desleixo e pouco zelo com o que é memória ou entulho histórico no Museu do Ceará? Isso é uma provocação Abujamra.

Todo acervo apresenta potencial de risco porque não há cuidado científico há anos. Explicou-me a fonte. Pinturas que podem utilizar pigmentos nocivos à saúde, fungos presentes em têxteis por falta de condições adequadas de armazenamento e materiais para conservação preventiva.

 

Estão lá, caixões e caixões meio que sepultados inadequadamente na sede-arremedo do Museu do Ceará

 

Parte do acervo importante do professor Dias da Rocha é "orgânico". O naturalista viveu colhendo achados que julgou relevante preservar para os outros. Os corpos de aves e de outros bichos da fauna cearense, por exemplo.

Estão lá, caixões e caixões meio que sepultados inadequadamente na sede-arremedo do Museu do Ceará que está, agora e sabe-se lá até quando, está na rua Major Facundo, 584, num prédio que abrigou a loja Ocapana.

Escavando a memória da Cidade, esbarrei a pá num episódio em que o Capitão Wagner e Roberto Cláudio poderiam ter usado na campanha eleitoral contra Camilo e Elmano. Mas até nisso, o Museu é invisível.

 

 

Uma "operação de guerra" foi montada para transportar no lombo de recrutas do Exército as mais de 12 mil peças

 

Pois bem, de 28 de setembro a 20 de outubro de 2020, à luz do dia, uma "operação de guerra" foi montada para transportar no lombo de recrutas do Exército as mais de 12 mil peças do palacete do Senador Alencar para um local-gambiarra, batizado hoje de Anexo Bode Ioiô.

Foi feito assim, sem muitos critérios de transporte de material museológico, porque a Secult protelava há mais de oito anos a retirada do acervo (inflamável) do Museu para a reforma do palacete onde se desmancham fragmnetos da história do Brasil por aqui.

A negociação bem-intencionada entre servidores do Museu e o comando da 10ª Região Militar é motivo de outra crônica meio Sucupira, meio quixotesca. Conto no próximo domingo.

Isso foi em setembro de 2020. E, há três anos, o palacete do Museu do Ceará aguarda tratamento semelhante de restauro e recriação dado ao MIS, Pinacoteca e Estação das Artes.

 

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