Colunista de política, Gualter George é editor-executivo do O POVO desde 2007 e comentarista da rádio O POVO/CBN. No O POVO, já foi editor-executivo de Economia e ombudsman. Também foi diretor de Redação do jornal O Dia (Teresina).
Colunista de política, Gualter George é editor-executivo do O POVO desde 2007 e comentarista da rádio O POVO/CBN. No O POVO, já foi editor-executivo de Economia e ombudsman. Também foi diretor de Redação do jornal O Dia (Teresina).
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Vou começar hoje por uma história que, desde criança, me faz gargalhar, atribuindo-se o protagonismo, na versão que conheci, a uma figura folclórica de Iguatu, onde nasci e vivi toda a infância e parte da adolescência. Contava-se o caso de uma pessoa de família humilde que, ousada, escrevera à Casa Branca convidando o então presidente John Kennedy para ser padrinho do seu filho, um tempo depois recebendo correspondência protocolar do governo americano com um "aceite" do poderoso político. Assim seguiram até o dia em que chegou a notícia de que Kennedy havia sido assassinado, o que fez a mãe da criança cair em incontrolável choro por imaginar como estaria àquela hora "a comadre Jackeline!".
Um (bom) tempo depois volto à história, já tendo dúvidas se, como imaginei sempre, tratava-se mesmo de uma piada. É que reações observadas entre nós desde a vitória de Donald Trump na corrida presidencial norte-americana, no Brasil e no Ceará, colocam-se no mesmo plano do inacreditável e estabelecem algumas relações diretas que não existem, indicando como natural uma consequência imediata por aqui. A voz mais eloquente nesse sentido é a do ex-presidente Jair Bolsonaro, com alguns registros que chegam ao estágio do ridículo.
Bolsonaro, por exemplo, anunciou que pediria autorização ao STF para ir à posse de Trump em 20 de janeiro, na expectativa natural de que seja convidado, questionando o ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo recolhimento do seu passaporte diante da condição atual de investigado por crimes que teria cometido na época em que presidia o País, se ele "terá coragem de dizer não ao homem mais poderoso do mundo". Uma visão colonizada que não deveria ser expressa por alguém que já esteve na condição de principal autoridade brasileira e que, parece, se movimenta com planos de um dia voltar à posição. Ele, mais do que qualquer outro entre aqueles que o seguem politicamente, deveria saber que a soberania é a primeira característica de um Estado nacional, ou seja, que o Judiciário brasileiro não tem qualquer obrigação de julgar um pedido considerando a força geopolítica que eventualmente tenha seu signatário. Não é uma questão que lhe diga respeito.
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A vitória de Trump, parece claro, estabelece um horizonte político diferente e com dificuldades novas para o governo Lula, olhando-se apenas para o ambiente político. Há uma oposição ainda mais animada em relação aos embates esperados para a metade final do mandato do petista como presidente que vai até janeiro de 2027, fortalecida pelo que acaba de acontecer, mas, repita-se, imaginar um efeito imediato, meio que nos transformando numa colônia sem capacidade de tomar decisões por si, parece muito pouco condizente com o discurso de quem se arvora nacionalista e defensor de valores brasileiros. É, incoerentemente, a base do discurso desse grupo.
Beira o ridículo, por exemplo, a excitação de políticos de direita, alguns com mandatos populares outorgados por eleitores cearenses, diante da possibilidade do (futuro) novo governo dos Estados Unidos pressionar as nossas autoridades por uma mudança de atitude em relação à tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023 que deixou um rastro de destruição nos endereços institucionais de poder no País. Com viés antipatriótico evidente, porque alguns deles chegam a estimular a ideia de medidas sancionadoras contra o Brasil, indiferentes ao fato de que isso prejudicaria o interesse econômico nacional. O eleitor distante da bolha ideológica na qual vivem estes, realmente entenderá que o fim (atrapalhar o governo Lula) justificaria o meio? Fica a pergunta.
Brizolista raiz, histórico no PDT e um dos fundadores do partido, bem lá atrás, Flávio Torres mantém distância conveniente de toda a confusão que se arma depois do processo eleitoral de 2024. Não sairia dele, que hoje ocupa a presidência estadual pedetista devido à licença do deputado André Figueiredo para assumir a executiva nacional, qualquer declaração com potencial de colocar mais lenha na fogueira e ampliar a crise interna. No entanto, é evidente que lhe agradam os sinais de que a crise com Ciro Gomes e grupo caminha para um desfecho final, com divórcio amigável, especialmente depois do que aconteceu no segundo turno em Fortaleza. O silêncio dele em tudo, aliás, diz muito.
Waldemir Catanho, cujo nome a coluna informou estar circulando em algumas vozes petistas como ideal para assumir na gestão Evandro Leitão o papel de articulação que cumpriu bem nos oito anos da gestão Luizianne Lins, acabou voltando ao Palácio da Abolição. As especulações fazem parte do momento e, em alguns casos, surgem como forma de teste de repercussão. No caso de Catanho, o ponto que lhe dá referência positiva, a experiência exitosa na missão entre 2005 e 2012, também determina uma certa resistência devido à ligação com Luzianne, que se manteve distante o quanto pode da campanha em Fortaleza. Apareceu no ato com Lula na Praça da Ferreira, mas, aparentemente, apenas para sair na foto. De qualquer forma, fazer parte da articulação política do governo Elmano de Freitas não pode ser visto como um prêmio de consolação, longe disso.
O nome do futuro presidente ainda está por ser definido e, de verdade, o que preocupa mesmo o governo Elmano de Freitas em relação à Assembleia Legislativa é o ambiente de convivência entre aliados que fazem parte da bancada de apoio, mas em suas bases se odeiam. A novela envolvendo os deputados Marcos Sobreira (PDT) e Agenor Neto (MDB), que trocaram "elogios" em plenário durante a semana, teve apenas o seu capítulo inicial pós-eleições, havendo expectativa de que renda ainda muito mais tensões. O que preocupa é a constatação de que não se trata de um caso isolado e há, potencialmente, muitas outras brigas entre aliados por serem contidas, ou, pelo menos, administradas.
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A Câmara de Vereadores de Juazeiro do Norte é uma usina permanente de crise política e não há clima tranquilo ali nem mesmo na reta final dos mandatos. Como demonstra o atual momento, em que o presidente da mesa até outro dia, Capitão Vieira (MDB), acabou afastado devido a problemas com o processo no qual seria eleito, em março do ano passado. Lembre-se que ele substituiu à vereadora Yanny Brena, vítima de um feminicídio que abalou a política local, em meio a questionamentos legais que agora a justiça decidiu acolher, anulando o processo. O problema passar a ser a obtenção de quórum para realizar sessões e decidir o que fazer até o final da atual legislatura, como demonstrou o fracasso da primeira tentativa, essa semana. Enquanto isso, quem responde interinamente pelo legislativo juazeirense é Raimundo Jr, também emedebista. Meio perdido, diga-se.
O Crato, vizinho ao Juazeiro do Norte, também vive um momento de ebulição na Câmara de Vereadores. Por outra razão e em outro contexto. Acontece que projeto recém aprovado pelo plenário prevê o voto secreto para escolha do comando da mesa diretora, algo visto pelo bloco de situação (já pensando na futura gestão do eleito André Barreto, do PT) como uma tentativa de favorecer um candidato da oposição local, que saiu fortalecida diante da vitória apertada do petista. Como dizia Tancredo Neves, o voto secreto "dá uma vontade danada de trair", exatamente o que espera o pessoal reunido em torno do objetivo de botar na cadeira alguém que faça balançar um pouco a estrutura de poder local.
As feridas ainda não estão completamente cicatrizadas quanto ao desfecho da disputa eleitoral em Sobral, com a perda do poder após quase 28 anos e a vitória do grupo de oposição. Muita gente ligada aos Ferreira Gomes, mais dentre os militantes, considera que o PT não se empenhou o suficiente na campanha de Izolda Cela (PSB). É uma queixa que se destina com especialidade às grandes lideranças estaduais, dentre elas o ministro Camilo Santana e o governador Elmano de Freitas, e que cresceu bastante depois que no segundo turno de Fortaleza o deputado federal Moses Rodrigues(União Brasil) abraçou-se à candidatura de Evandro Leitão. Uma coisa pode ter a ver com a outra, suspeita-se.
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