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O desafio de identificar um "chefe" de facção
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O desafio de identificar um "chefe" de facção

É imprescindível por parte da imprensa um tom mais questionador e um olhar mais cético àquilo que é vendido pelo Estado. Buscar mais elementos que indiquem o real peso que um indivíduo detido supostamente tem dentro de uma facção
Tipo Opinião
AO TODO, 30 mandados de prisão foram cumpridos (Foto: SSPDS/Reprodução)
Foto: SSPDS/Reprodução AO TODO, 30 mandados de prisão foram cumpridos

Em entrevista recente ao O POVO, o governador do Ceará Elmano de Freitas (PT) destacou que o Estado tem intensificado ações de combate às facções criminosas. Entre as medidas tomadas estaria a atenção em áreas consideradas críticas pelos órgãos de inteligência, com aumento do número de prisões efetuadas. “Estamos prendendo praticamente 100 pessoas por dia”, assinalou o chefe do Executivo.

Parte dessas prisões relacionadas à ação do Estado contra as organizações criminosas tem virado notícia no O POVO. Uma característica frequente em alguns desses conteúdos é o destaque conferido ao papel de liderança que os envolvidos nas detenções supostamente têm na estrutura organizacional das facções.

Destaco aqui alguns exemplos recentes, matérias publicadas já na segunda quinzena de julho: “Mulher foi morta em ônibus a mando de chefe de facção por chamar a atenção de PMs durante surtos”; “Chefe do CV que ordenava quais empresas de internet seriam atacadas no Pirambu é preso”; “Líder da GDE com atuação em todo o Ceará é preso em operação da Polícia Civil”.

Deste último exemplo, reproduzo uma fala de Matheus Araújo, diretor do Departamento de Polícia Civil da Região Metropolitana (RMF), que detalhou o papel na GDE do homem preso, cuja identidade não foi revelada pela Polícia para preservar a investigação. “O indivíduo que é uma das principais lideranças dessa facção aqui no Ceará. O papel dele dentro da organização era exatamente o de repassar ordens aos demais integrantes da facção”, afirmou.

Pela declaração de Matheus Araújo é possível supor que não se trata de alguém que está no pé da pirâmide de hierarquia da facção. Dá para concluir também que não é alguém que ocupa o topo da cadeia de comando, mas uma peça estratégica de articulação entre as duas pontas da organização. Como aferir o tamanho do poder que o investigado tem na GDE?

Com tantas figuras supostamente de grande relevo dentro das facções sendo presas, é de se presumir que elas possam estar seriamente abaladas com as operações. No entanto, conhecendo um pouco o quão complexo é o funcionamento dessas organizações com grande poder de capilaridade, chega-se logo à conclusão que é longo o caminho até a desarticulação completa. Principalmente quando se pensa na capacidade que têm, tal qual uma Hidra de Lerna, de se regenerar ao serem golpeadas.

Não é possível pensar também que o Estado seja incapaz de capturar aqueles que estão no topo das facções. Tampouco é o caso de minimizar o trabalho das forças de segurança nos exemplos citados acima e outros tantos não mencionados. Mas é de se questionar o real peso dessas lideranças nas organizações criminosas e como essas prisões são divulgadas pelo Estado e reproduzidas pela imprensa.

Ao comunicar essas operações, é até natural que a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) enfatize que se trata de lideranças proeminentes nas facções que estão sendo presas. Como forma de promover as ações de combate ao crime e dar uma resposta à população de que o Estado está fazendo algo nesse sentido. Sobretudo num contexto de centralidade da segurança do debate público, com implicações diretas também na política a pouco mais de um ano das eleições estaduais.

Agora é imprescindível por parte da imprensa um tom mais questionador e um olhar mais cético àquilo que é vendido pelo Estado. Buscar mais elementos que indiquem o real peso que um indivíduo detido supostamente tem dentro de uma facção. Ir mais a fundo na apuração para confirmar se um determinado “líder” ou “chefe” de facção preso pode mesmo ser visto como tal dentro da lógica do crime.

Bons exemplos e desafios do factual

Há também exemplos de reportagens investigativas na área da segurança pública produzidas por O POVO que conseguem avançar alguns passos e levar aos leitores uma descrição mais detalhada do papel de personagens investigados no mundo do crime. O caso mais recente são as reportagens “Como age a quadrilha que despacha cocaína pelo Pecém há 6 anos” e “‘Patroa e Patrão’: casal comandaria rede de tráfico pelos portos brasileiros”.

Ambas assinadas por Cláudio Ribeiro, repórter especial de Cidades, essas reportagens mergulham no funcionamento de uma organização criminosa que usa portos cearenses como entreposto para exportação de drogas e detalham o que a investigação diz sobre o casal suspeito de encabeçar o esquema. Inclusive com organograma descrevendo os papeis de cada peça do grupo.

Publicada em março, também produzida por Cláudio e já elogiada aqui na coluna, a reportagem “Criminosos cearenses pagam ‘aluguéis’ de R$ 100 mil para se esconder no Rio” aborda como membros do Comando Vermelho escondidos na favela da Rocinha dão ordens e ocupam posição de destaque na hierarquia do crime no Ceará.

Esses exemplos ilustram bem as inegáveis diferenças existentes entre uma cobertura de maior fôlego, com mais tempo para apuração, da cobertura factual, na qual é menos frequente haver tempo para um melhor detalhamento dos casos. Feita essa indispensável ponderação, ainda assim é necessário que se busque um caminho no dia a dia para que seja levado aos leitores um maior refino de informação.

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