
Vertical é a coluna de notas e informações exclusivas do O POVO sobre Política, Economia e Cidades. É editada pelo jornalista Carlos Mazza
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A Floresta de Mata Atlântica no entorno do Aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza, registrou um aumento de até 6 °C de temperatura de superfície no período após ação que desmatou mais de 40 hectares no local. Conforme estudo recente da Universidade Federal do Ceará (UFC), foram registradas máximas de até 36 °C em pontos da área.
Os dados constam no mapa de temperatura de superfície elaborado pela pesquisadora Elisa Maria Duarte, graduada em Economia Ecológica e mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema/UFC). A partir de técnicas de geoprocessamento e imagens de satélite captadas no mês de setembro de 2024 e de 2025, respectivamente, o estudo constatou o aquecimento nas áreas onde a vegetação foi suprimida, especialmente nas zonas hoje ocupadas por solo exposto e obras em andamento.
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No mapa, áreas que antes apareciam em tons de azul, ou seja, indicando temperaturas mais amenas, até 28 °C, deram lugar a faixas alaranjadas e vermelhas, que representam superfícies acima de 32 °C. O contraste revela o avanço de zonas mais “quentes” sobre o trecho onde houve retirada da vegetação e expansão de solo exposto.
Segundo Elisa, “houve um aumento de 30 °C em 2024 para 36 °C em 2025. Ou seja, teve um aumento de 6 °C nas áreas mais quentes, nas áreas que não tinham vegetação ou que eram asfalto.” A pesquisadora ainda explica que a temperatura de superfície é medida por sensores de satélite, que captam a radiação térmica infravermelha emitida pelos diferentes tipos de superfície da Terra, como solo, telhados, asfalto, vegetação e corpos d’água.
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Com o desmatamento denunciado ao longo do último mês por entidades e ativistas ambientais, a obra da empresa Aerotrópolis Empreendimentos S.A. teve licença suspensa pela Secretaria do Meio Ambiente (Sema) e Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) no final de setembro. Órgãos constataram uma série de irregularidades em vistoria técnica.
Segundo a professora doutora Maria Elisa Zanella, que atua na graduação e na pós-graduação em Geografia e no Prodema/UFC, o desmatamento e a impermeabilização do solo ressaltam a formação das ilhas de calor urbano, fenômeno causado pela substituição da vegetação por construções e pavimentação.
“Isso causa desconforto térmico. Nós já temos uma condição natural de desconforto térmico, por conta da nossa posição geográfica, mas aí nós teríamos um aumento ainda maior por conta do acréscimo da formação das ilhas de calor nas cidades”, pontua.
A área onde a vegetação foi suprimida visa receber a construção de um Centro Logístico da empresa alemã de operação aeroportuária Fraport. Com investimentos previstos acima de R$ 1 bilhão, projeto busca agilizar a distribuição de mercadorias por via terrestre e aérea, com possibilidade de instalação de hotéis, shoppings e um hipermercado no local. A empresa ressalta os impactos positivos da iniciativa para a economia de Fortaleza.
Com linha de pesquisa em ilhas de calor em Fortaleza e a relação com a vulnerabilidade socioeconômica da população, Elisa Maria destaca que, além da supressão, fatores como chuva e umidade afetam a temperatura da respectiva superfície.
“Onde tinha mata em 2024 estava em 30 °C, mas quando tirou, essa vegetação aumentou para até 36 °C. Mas lembrando que o período chuvoso de 2024 ajudou ter uma menor temperatura comparado a 2025, que não teve muitas chuvas, isso impacta também no resultado”, ressalta.
Em relação à sensação térmica, ela explica: “O mapa mostra as diferenças espaciais de aquecimento, onde o calor se acumula na sua área de estudo. Uma pessoa não sentiria essa temperatura, pois tem mais fatores, como ar, umidade, vento, radiação solar direta ou indireta, vegetação”, explica. “A pessoa não sente diretamente a temperatura de superfície, mas a temperatura de superfície afeta indiretamente o calor que sentimos”.
A pesquisadora aponta ainda não ser possível determinar com precisão se a supressão aumenta a temperatura de superfície em bairros vizinhos, já que isso depende, dentre outros aspectos, da quantidade de vegetação e da topografia local. No entanto, ela alerta que a retirada do verde pode afetar diretamente a região em períodos de chuva, elevando o risco de alagamentos.
“O impacto maior não é só pelo aumento da temperatura, mas também porque a vegetação ajuda a infiltrar a água no lençol freático e a evitar inundações pela cidade”, indica. “Fortaleza está tão impermeabilizada que a água escorre pela área verde. Além de ajudar no microclima, que ela se encontra, ela também ajuda a infiltrar a água, (...) Então, tirou-se o verde, tem grandes possibilidades do pessoal ali em volta sofrer com alagamentos”, informa.
Empresa responsável pela obra, a Aerotrópolis Empreendimentos S.A., no entanto, tem reforçado tese no sentido contrário, afirmando que a ação inclui um plano de drenagem que deve reduzir o número de alagamentos na região.
O andamento da obra foi autorizado por licença da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) à empresa Aerotrópolis Empreendimentos S.A., responsável pelo desmatamento de cerca de 40 hectares de Mata Atlântica. No último mês, denúncias e protestos de parlamentares e organizações ambientais ampliaram a repercussão do caso.
Após inquérito civil público aberto com denúncia do vereador Gabriel Biologia (Psol), a Superintendência do Meio Ambiente do Estado do Ceará (Semace) multou em R$ 200 mil. Em vistoria técnica foram identificadas infrações graves, como intervenção em Área de Preservação Permanente (APP), supressão de vegetação além dos limites autorizados e manejo inadequado da fauna.
Autor da denúncia, Aguiar contesta, entre outros pontos, a ausência de documentação necessária para supressões vegetais, como o estudo fitossociológico de espécies nativas, exigido pela Lei da Mata Atlântica.
Em recente decisão, o Ministério Público Federal no Ceará (MPF) solicitou à Polícia Federal a abertura de inquérito para investigar possíveis irregularidades e crimes ambientais relacionados ao desmatamento da área. Pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) houve também mediação para a qual determinou elaboração de estudo sobre estágio de regeneração em andamento.
Ao se pronunciar sobre o caso, governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), destacou “cautela” sobre os estudos, mas também reconheceu potencial do empreendimento. "A empresa tinha, pelo regramento geral brasileiro, e nós vivemos em um Estado Democrático de Direito, a lei brasileira autorizava (...) Agora, é evidente que um centro logístico é importante para a economia cearense, pelos empregos que vai gerar" disse ao jornalista João Paulo Biage, correspondente do O POVO em Brasília.
por Camila Maia - Especial para O POVO
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