O volume de recursos disponíveis para financiar iniciativas de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) deu um salto no Brasil em 2023 e promete continuar em alta em 2024. Com a chegada da pandemia, o esforço das corporações em inovar cresceu, mas o montante reservado para a área não acompanhava a demanda.
Agora, na indústria, iniciou uma corrida para acessar as oportunidades que se disponibilizam, desde financiamentos com condições facilitadas - inclusive com opções a fundo perdido, editais de inovação abrangentes - que buscam incluir startups e pequenos negócios, além de incentivos tributários/subvenções para investimentos próprios.
O resultado imediato já pode ser observado. De acordo com acompanhamento da Associação Brasileira de Automação (GS1 Brasil) por meio de seu Índice de Atividade Industrial, que mede a intenção da indústria de transformação em lançar produtos quando solicita o cadastro de códigos de barras, a indústria do Nordeste foi a que mais tinha intenção de lançar novidades em fevereiro.
Houve avanço de 26,1% em relação ao mês anterior e, no acumulado de 12 meses, a indústria local avançou 49% nos lançamentos, acima dos desempenhos no Centro-Oeste (39,9%) e no Sudeste (38,4%), que vêm em seguida.
Até chegar ao ponto de lançar o novo produto ou processo, há toda uma cadeia de PD&I a ser desenvolvida e o financiamento é um passo fundamental. A principal fonte de recursos para inovação no Brasil nos últimos anos têm sido as linhas de crédito operadas Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em 2023, foram aprovados R$ 5,3 bilhões em operações voltadas especificamente à inovação.
O montante representa um aumento de 132% em relação a 2022. O programa BNDES Mais Inovação, lançado em setembro, que tem custo atrelado à taxa referencial (TR) para projetos de inovação e digitalização, foi um impulsionador.
Nesta linha de crédito, somente no último trimestre do ano foram aprovados R$ 3,5 bilhões em 24 operações em diferentes segmentos da indústria nacional, todos os projetos atrelados às missões da Nova Política Industrial brasileira.
Segundo o BNDES, entre os projetos estão iniciativas de empresas de diferentes setores de alta tecnologia, como semicondutores, telecomunicações, saúde, mobilidade, equipamentos e motores elétricos.
O programa BNDES Mais Inovação tem dotação orçamentária de até R$ 20 bilhões para um período de quatro anos.
Neste início de 2024, dentro desse contexto, já foram fechados financiamentos com empresas, como Volkswagen, com liberação de R$ 500 milhões para projetos de inovação e digitalização, Embraer (R$ 500 milhões), Hypera (R$ 500 milhões), Positivo (R$ 330 milhões) entre outras.
Para ampliar o alcance, o BNDES também atua com fundos garantidores, para ampliar o acesso ao crédito, principalmente para micro, pequenas e médias empresas, além de operações de mercado de capitais.
O instrumento é parte da estratégia definida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) para promover a neoindustrialização no País, contando com a participação do BNDES e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), sob coordenação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
A Lei do Bem é outra oportunidade para as empresas conseguirem realizar investimentos. A norma concede benefícios fiscais a empresas que realizem aportes em projetos de PD&I e completou 18 anos no fim de 2023.
Por meio dessa legislação, R$ 205 bilhões em investimentos de empresas privadas no setor de inovação no Brasil já foram alavancados no período.
A Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) exemplo de empresa cearense que tem utilizado a Lei do Bem para financiar projetos de inovação.
Um total de R$ 17 milhões já foram aportados em projetos nos últimos três anos, rendendo um total de R$ 3,6 milhões em benefícios.
Iniciativas como a Usina de Dessalinização, hidrogênio verde e de conversão de esgoto em biogás são exemplos de pesquisas viabilizadas pelo programa.
Os projetos são próprios ou desenvolvidos pela Cagece e parceiros, como a Funcap, institutos de ciência e tecnologia (ICTs) e universidades, e empresas.
Cailiny Medeiros, gerente de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Tecnológica da Cagece, destaca que a empresa continua aprimorando essa área, como a construção de uma plataforma própria para otimizar a gestão das inovações.
O movimento pode permitir a potencialização do uso e reaplicação da inovação da empresa. "É um benefício que está lá, disponível, mas que você precisa saber pleitear; envolve a parte técnica, o processo de coleta de informação, a parte contábil e a sistematização".
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No que se refere às possibilidades abertas pela Lei do Bem, o Ceará se destaca pela quantidade de projetos. Levantamento feito pela consultoria G.A.C. Brasil, as empresas do Estado foram responsáveis por 35% dos projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) pela Lei do Bem no Nordeste.
Dos 598 projetos nordestinos, foram 210 projetos do Ceará contemplados pelo incentivo fiscal no ano base 2022. Ao todo, 49 empresas locais gozaram do benefício.
Dentre essas empresas está a indústria siderúrgica Aço Cearense. Henrique Pereira, gerente de inovação do grupo, destaca que desde 2021 eles se utilizam dos incentivos para ampliar seus investimentos em inovação e pesquisa.
A empresa tem ampliado a quantidade de projetos elegíveis aos incentivos, com avanço de 274% na quantidade entre 2022 e 2023 na Lei do Bem, além dos dispêndios e benefícios elegíveis, que saltaram 234% no mesmo período.
"Para sermos beneficiados pela Lei do Bem, criamos todo um processo interno. Hoje existem vários pontos focais da empresa, que passa pela identificação dos projetos de inovação em todas as empresas do grupo", destaca.
Henrique também destaca que o planejamento para o ano de 2024 prevê a continuidade do crescimento e o maior nível de projetos de inovação da história da Aço Cearense neste ano.
"Inovação não é um fim, mas um meio extremamente estratégico para desenvolver seu negócio. E, no grupo, a inovação é nuclear no nosso DNA".
O valor destinado aos projetos de inovação saltou no último ano em comparação aos cinco anos anteriores. Entre 2019 e 2022, foram aportados R$ 4,8 bilhões em projetos. Só em 2023, foram R$ 5,3 bilhões. E, neste início de 2024, já foram aplicados no âmbito do BNDES Mais Inovação, pelo menos R$ 548 milhões.
Além dos recursos disponibilizados pelo BNDES, há previsão de outros R$ 40 bilhões a serem disponibilizados pela Finep/MCTI com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
No fim de fevereiro, o vice-presidente da República e ministro titular do MDIC, Geraldo Alckmin, destacou que R$ 78 bilhões já foram ofertados pelo programa Nova Indústria Brasil (NIB) para inovação, sustentabilidade, ampliação da produtividade e da capacidade exportadora da indústria nacional.
Existe a perspectiva de que a NIB conte com mais de R$ 300 bilhões até 2026.
"A NIB está provando ser um motor fundamental para a colaboração entre setor público e privado, impulsionando nossa indústria rumo a novos horizontes de desenvolvimento, inovação, produtividade, mais exportação, sustentabilidade e competitividade", avalia o ministro.
Além das linhas de financiamento tradicionais do BNDES, o empreendedor ainda pode contar com recursos do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) – para operações do setor de telecomunicações – e do Fundo Clima – no caso de ações relacionadas à redução de emissões de gases de efeitos estufa e adaptação às mudanças climáticas.
Para os empreendedores nordestinos, ainda há a possibilidade de financiamento do Banco do Nordeste. O volume aplicado pela instituição também saltou em 2023. Se entre 2020 e 2022 foram aplicados R$ 2,53 bilhões, somente em 2023 foram R$ 2,04 bilhões.
No ano passado, o Ceará foi alvo de mais de R$ 107 milhões em financiamentos voltados à inovação.
O BNB possui diferentes formas de incentivo à inovação, como a atuação do seu hub (Hubine), além de subvenção econômica para projetos inovadores, por meio do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Fundeci), e financiamento de projetos produtivos com o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), o FNE Inovação.
Pelo FNE Inovação, o prazo de pagamento pode chegar a 15 anos, com até 5 anos de carência e financiamento de até 100% do empreendimento. As condições variam conforme localização, finalidade do projeto e porte do empreendimento.
Mais de 80 atividades econômicas atualmente se utilizam dos benefícios da Lei do Bem. Em 2021, 47,1% dos projetos foram de áreas da indústria da transformação, seguidos por 14,7% de Informação e Comunicação e 10,5% do comércio. O setor financeiro, por sua vez, detém o maior volume de recursos incentivados, R$ 3 bilhões.
Conforme estudo produzido pela GT Group - empresa especialista na captação e implementação de fomentos fiscais e financeiros para investimento em ciência, tecnologia e inovação, com dados da Lei do Bem entre 2005 e 2022, o programa completou 18 anos com recorde de R$ 27,19 bilhões em investimentos feitos pelas empresas privadas em todo País.
A partir desse montante, foi gerada uma redução tributária de R$ 5 bilhões para esses agentes. A pesquisa revela avanço de 55% no valor pleiteado pelas empresas e acréscimo de 18% no número de pedidos do benefício.
A maior parte das iniciativas empresariais (60%) visa inovações em produtos, enquanto 33% delas buscam aprimorar ou criar processos novos e outros 7% têm por objetivo a criação ou melhoria de serviços, segundo o levantamento.
Rodrigo Miranda, CEO da G.A.C. Brasil, consultoria internacional especializada na gestão estratégica da inovação e na captação de recursos públicos para a inovação, destaca que ainda há bastante espaço para avançar na parcela de investimentos das empresas em inovação.
Ele conta que até a pandemia, que gerou uma grande demanda em projetos inovadores que permitissem a continuidade dos negócios, o Brasil viveu anos de investimentos escassos na área.
No entanto, apesar da alta e constante evolução da demanda, ainda observa grande potencial, não só para grandes empresas, como Aço Cearense e Cagece, como também para as empresas menores.
Para Rodrigo, o grande desafio neste momento é a falta de conhecimento do empresariado sobre o tema e os financiamentos e legislações de incentivo disponíveis. Por isso, desde 2021, mantém escritório em Fortaleza.
"O Ceará e o Nordeste como um todo usava pouco os incentivos, principalmente da Lei do Bem, mas podemos ampliar isso para todos os outros recursos para inovação."
Ele destaca que uma parceria firmada com a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) busca mudar essa realidade. E continua: "A falta de conhecimento na tomada de benefícios, como fazer para conseguir (ainda são desafios)."
Os primeiros editais lançados a partir da Política de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico de Fortaleza (Inovafor) devem ser lançados a partir de meados de abril.
A intenção principal é abrir espaço para que empresas inovadoras de pequeno porte proponham soluções para problemas da Cidade em diversos segmentos, como mobilidade urbana, segurança etc.
Luiz Alberto Sabóia, presidente da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova), destaca que o lançamento dos editais também significam uma modificação na perspectiva dos editais de contratação.
"Nós temos um papel diferente dos governos federal e estadual. Nossa intervenção de valores vai ser muito focada nos editais de solução inovadora", explica.
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Serão lançados a partir de abril uma série de editais, de R$ 200 mil cada, para que empresas inovadoras desenvolvam soluções para a Cidade.
Ao todo, a Citinova vai destinar R$ 600 mil para os editais do Inovafor e R$ 1,2 milhão para o fomento à inovação por meio da concessão de bolsas, somando R$ 1,8 milhão.
A estrutura regulatória permitindo essa entrada de startups nos editais de licitação ocorreu a partir do programa Inovafor.
A intenção é resolver "problemas crônicos" da Cidade, dissolvendo barreiras burocráticas que impedem startups de participarem dos processos.
Por meio do conceito de sandbox regulatório, ou seja, uma iniciativa que permite que instituições autorizadas possam testar projetos inovadores voltados para soluções de problemas de interesse público, cria um ambiente de testes de inovação sem remuneração e acompanhado por uma comissão municipal para, depois, abrir a possibilidade de contratação pela gestão municipal, a partir da análise feita por uma banca que, obrigatoriamente, contará com selecionador proveniente da academia.
O presidente da Citinova destaca que a Capital quer se colocar estrategicamente para mudar sua geração de riquezas nos próximos anos.
O foco deve ser na expansão do PIB da economia digital. Ele pontua que o Brasil ainda "engatinha" em relação aos Estados Unidos, que possui o Vale do Silício, e também para a China, que num período de 40 anos e já possui algo em torno de 30% de sua produção ligada ao PIB da economia digital.
Ele conta que existem estimativas que colocam a participação desse setor no PIB brasileiro não passe de 8%. Mas quer posicionar bem Fortaleza neste segmento, que possui remunerações médias altas e tem alto valor agregado.
"Não existem muitos dados concretos, mas nós queremos surfar nesta onda da economia digital nos preparando para os próximos dez, 20 anos", pontua.
Para chegar a esse ponto, a Prefeitura assinou parceria com a CARF para contratar uma consultoria para criar um plano estratégico de economia digital, que deve estar pronto até julho.
No Ceará, uma série de editais de apoio à inovação estão abertos no momento. Coordenados pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece).
Somados, os editais de inovação disponíveis chegam a R$ 24,8 milhões. Além da previsão de contratação de 123 empresas.
Nestes casos, os editais de inovação empresarial são ligados a temáticas que buscam resolver problemas de diferentes segmentos nos negócios e sociedade, como por exemplo, nos setores de água, saneamento e energia, até economia criativa, inteligência artificial, big data e cidades inteligentes.
Além dos editais, outros projetos desenvolvidos pela Secitece e vinculadas, como o Nutec, não envolvem subvenção econômica, mas mentorias, capacitações empresariais e networking, o que pode ser o passo inicial para empreendedores que desejem iniciar uma trilha de inovação em seu negócio.
Exemplos dessas iniciativas são os programas Corredores Digitais, CriarCE e o programa "Você, empreendedor!" (coordenado pelo Nutec).
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"Oie :) Aqui é Samuel Pimentel, repórter de Economia do O POVO e apresentador do programa de educação financeira Dei Valor. Qualquer comentário ou sugestão é só falar comigo. Quer curtir mais conteúdos? Vem navegar no OP+"