Responsável pelo quarto maior estoque de empregos do Estado e alvo de um novo boom nos negócios nos últimos anos, a construção civil do Ceará precisa, até 2035, desenvolver 21 profissionais de áreas específicas com atuação influenciada por 65 tendências internacionais para ampliar a competitividade local.
Este diagnóstico relaciona o atual momento do mercado local comparado aos principais do País, no caso dos profissionais, e do mundo, quando se observam as tendências.
É o que traz o estudo "Perfis Profissionais para o Futuro da Indústria Cearense", elaborado pelo Observatório da Indústria.
Os dados inéditos sobre as profissões do futuro são revelados em mais uma reportagem especial realizada em parceria entre o Grupo de Comunicação O POVO e a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), com foco em temas relevantes para a economia do Ceará e do Brasil.
Quais são as atividades do futuro? (Info com as profissões, grau de maturidade e tempo de demanda)
Hoje, ao manter um volume de empregos no Estado, que gira em torno de 80 mil operários, o setor se divide entre construção civil e pesada. O primeiro segmento viveu, em 2024, o melhor dos últimos oito anos - quando movimentou R$ 7 bilhões, dos quais R$ 5 bilhões apenas em novos lançamentos. Já para 2025, um novo momento de recordes é projetado.
A pesada concentra as atividades nas obras de grande porte, como Transnordestina e Transposição, além da reforma e construção de rodovias - na qual está a constante para a manutenção das atividades das empresas no Estado.
"O setor de construção tem influência direta na geração de emprego e renda – representando uma das maiores atividades empregatícias do segmento industrial –, na transformação dos espaços físicos e na disponibilização da infraestrutura necessária para diversos outros setores, como Logística e Turismo", aponta Ricardo Cavalcante, presidente da Fiec, ressaltando o peso do setor para a economia local e justificando a relevância do material.
Mas esses 21 profissionais identificados pelo Observatório da Indústria no estudo têm na formação um "conjunto de capacidades técnicas" que precisam dominar para "realizar atividades atualmente inexistentes ou embrionárias".
No trabalho de mapear esses conhecimentos, o "Perfis Profissionais para o Futuro da Indústria Cearense" mapeou um total de 65 tendências.
Destas, 32 têm um grau de maturidade classificado como em crescimento na adoção pelo mercado local e duas chegam a apresentar um crescimento acelerado. No entanto, outras 31 têm a maturidade considerada incipiente.
Quais as tendências que influenciam os profissionais do futuro da construção? (Info com as 65 tendências e os graus de maturidade)
A intenção de demonstrar as influências sobre a atuação dos profissionais do futuro, destaca o material, é guiar o setor para o horizonte de 2035. O interesse mira:
Foi atraída pela lógica que a construção civil aplica no dia a dia da Engenharia que Tatiana de Paula Freire escolheu o ofício com o qual conduz a vida dela hoje.
Encarar a profissão como "um verdadeiro resolvedor de problemas" a levou a inúmeras posições nas empresas pela qual passou tendo como principal instrumento a inovação.
"O engenheiro civil é um verdadeiro resolvedor de problemas. Você tem que ter uma solução ali muito rápida para entender qual a forma ideal para fazer aquilo e a engenharia dá essa amplitude de solução e formatação", completa a respeito do entendimento dela sobre aquilo que faz.
Essa consciência a levou a estudar gestão, processos e a fez percorrer a maior parte dos departamentos da empresa da família, a Porto Freire Engenharia, ao longo de cerca de nove anos. "Fui de estagiária à diretora técnica. Mas a empresa familiar é muito difícil. Eu tinha um gênio muito parecido com o do meu pai, muito forte", conta sobre a decisão que a fez sair.
Jorge Wilson Porto Freire, pai de Tatiana, foi o responsável por convencer a filha a cursar engenharia quando ela se decepcionou com o curso de Direito. Nos idos de 2009, o setor passava pelo boom tracionado pelo Bolsa Família e a construtora do pai vivia bons momentos antes de encerrar as atividades em 2022, após 38 anos da fundação.
Uma reorientação de carreira, já na fase final da Porto Freire Engenharia, levou Tatiana ao mundo das startups. Foi numa construtech - a startup do setor da construção - de Santa Catarina, em 2020 - auge da pandemia de Covid-19 - que ela deu a guinada na carreira olhando para o futuro da profissão.
"Consegui entender que existia a possibilidade de colocar a tecnologia para dentro do canteiro e empresas pequenas estavam querendo mudar as soluções de cada etapa da empresa. Foi daí que eu comecei a ter um olhar sobre a inovação dentro da construção civil. Com esse olhar eu também fui entendendo outras partes das startups que podiam solucionar outras partes da empresa", recorda.
O período foi de mais aprendizado, com cursos, certificações e experiências novas, em um processo que ela classifica como "reidentificação" na condução da carreira. Ao estruturar os processos da startup, Tatiana lidou com diferentes modos, uma vez que a empresa tanto atuou como consultoria quanto como edtech - levando conteúdo da área aos interessados. Mas ela mudou mais uma vez um ano depois.
Assumiu a Coordenadoria de Inovação da construtora cearense Mota Machado. A seleção pedia atributos que a passagem na empresa familiar e o mergulho nas startups ofereceram a ela. Hoje, Tatiana é coordenadora de Qualidade, ASG e Inovação e conta ter lidado "com uma folha em branco".
Na prática, a inovação com a qual ela precisou lidar estava horizontal na empresa. Ia desde as práticas no canteiro ao modo de trabalho interpessoal entre os funcionários. Projetos estratégicos foram criados, desenvolvidos, monitorados e melhorias vão sendo aplicadas a partir da difusão dos novos conhecimentos e práticas em todos os níveis das construtoras.
Sobre o futuro, Tatiana diz que o profissional da construção precisa estar disposto a ter experiências inusitadas, buscar conhecimento externo e aplicado à área. A postura, segundo ela, assegura a vaga de emprego e garante um salário acima da média.
"Eu acho que ainda está no auge da procura (de conhecimento) e talvez não seja percebida essa importância que isso tem para nosso dia a dia como líder, como gestor, como também um profissional que precisa estar diferente para um mercado diferente", aconselha.
Ser um dos mercados da construção mais aquecidos do Norte/Nordeste brasileiro faz do Ceará também um ancoradouro de profissionais que buscam crescer na carreira. Essa lógica sempre destacada pelos líderes do setor explica como o engenheiro George Amorim saiu de Natal (RN) para atuar nas obras de prédios residenciais de Fortaleza.
O convite da construtora pernambucana Moura Dubeux para assumir o cargo de gerente de obras na capital cearense - hoje, a praça de melhor retorno para a empresa da atualidade - aconteceu há 11 anos e foi encarada por ele como uma oportunidade e um reconhecimento pelo esforço que dedicou ao longo de sete anos na capital potiguar.
A aplicação nos estudos mesmo após a conclusão da faculdade, diz, foi um dos motivos do destaque. Educação é uma área valorizada por ele e a explicação está na família.
"Eu sou filho de pai que nasceu no interior do Rio Grande do Norte e de mãe que nasceu no interior de Pernambuco. Eles não tiveram acesso à educação, mas eles tiveram uma dedicação muito grande a fornecer educação para os filhos. De 40 primos, eu fui o primeiro que me formei em uma universidade federal", orgulha-se.
Saber é do interesse de George desde sempre, desde quando o pai sonhava ser mestre de obras e o filho passou a ajudar nas reformas da casa, passando pelas diversas oportunidades que a universidade o ofereceu até chegar ao canteiro de obras e aplicar o conhecimento adquirido com a ciência de que ainda tinha muito mais para aprender.
Foi estagiário, auxiliar de engenharia e encarregado de obra em três anos. Os treinamentos, cursos e até certificações foram adquiridas na própria empresa, que também já oferta pós-graduações no intuito de preparar os profissionais do quadro próprio para o futuro que destina aos negócios.
A metodologia, aplicada ainda em encontros de líderes, faz com que a empresa desenvolva e aplique processos mais industrializados que garantem celeridade, redução de resíduos e padronização das construções. A prática é aplicada por ele mesmo nas cinco obras que têm sob sua responsabilidade.
Sobre o futuro, o ensinamento obtido por ele no mercado de trabalho foi o mesmo que obteve ainda em casa, sob as orientações do pai e da mãe: "Acredito que se dedicando, estudando, tendo uma boa formação, entrando no mercado de trabalho, você consegue destaque e salários muito atrativos hoje".
"O trabalho permitirá o alinhamento da formação dos profissionais cearenses às necessidades geradas pelo avanço tecnológico e mudanças sociais que ocorrerão até 2035, um importante diferencial para a inovação e a competitividade do Ceará nesse cenário futuro", projeta o presidente da Fiec na apresentação do estudo.
Com a adoção das tendências e a formação de profissionais na área indicada, "espera-se induzir transformações nas ofertas de formação cearense, de modo a prover os perfis profissionais necessários para responder aos desafios dos setores de construção e minerais e, também, impulsionar o processo de transição atual da sociedade em direção a uma economia mais sustentável e competitiva", pontua o documento.
No dia a dia entre projetos e canteiros, os líderes do setor asseguram que o mercado cearense já conta com uma competitividade relevante frente às demais praças da construção no Brasil e destacam que a qualificação dos profissionais e a disposição das empresas garantem a adoção das tendências para maior desempenho local.
"O setor da construção civil é um que a gente está tentando reinventar os canteiros de obras. De uma década até hoje, a produtividade melhorou bastante", ressalta Patriolino Dias de Sousa, presidente do Sindicato da Construção Civil (Sinduscon) no Ceará.
A entidade agrega as construtoras do Estado e, entre os braços de apoio, criou o Instituto de Inovação da Indústria da Construção Civil (Inovacon). Nele, destaca, "as pessoas estão super antenadas em tudo, inclusive, muitos deles utilizando inteligência artificial".
Troca de experiência é a prática do Inovacon, diz Patriolino, afirmando que as ações se dão em visitas a canteiros, estudos de casos específicos entre os associados. "É o seguinte: a gente enxerga que é concorrente na hora de comprar terreno. Mas, nessa parte, a gente compra juntos, troca ideias juntos e, sempre que sai inovação, a gente compartilha com os colegas", ressalta.
As peculiaridades entre as classes de consumo também ajudam o setor a se modernizar, conta. Ele explica que, "quando vai do modelo econômico para os imóveis voltados para classe média alta e altíssima, é muito artesanal ou como uma alfaiataria".
Mas o presidente do Sinduscon Ceará observa que a modernização dos canteiros dá em diversos aspectos. Ao mesmo tempo que as técnicas aplicadas em obras mais modernas e sofisticadas chegam aos empreendimentos de baixa renda pelos ganhos em produtividade, as técnicas aplicadas em modelos econômicos de imóveis são observadas, com o tempo, em empreendimentos mais caros.
Comportamento não comum no outro segmento da construção. Eduardo Aguiar Benevides, vice-presidente do Sindicato da Indústria de Construção Pesada do Ceará (Sinconpe), diz que as empresas associadas da entidade têm nas obras mais robustas a origem das melhores tecnologias.
A ferrovia Transnordestina e o Canal do Trabalhador, exemplifica, "trouxeram muita inovação para o Estado do Ceará". Sem igual no Brasil, as duas grandes obras emergem em frentes diferentes e dotam as empresas envolvidas nos trabalhos - especialmente as cearenses que lideram os canteiros - de competitividade nacional.
Ele admite que o volume de profissionais formados interessados na construção pesada tem diminuído nos últimos anos, apesar de que a modernização dos laboratórios e estudos das universidades cearenses não devem nada a qualquer outro mercado.
Para corresponder ao desenvolvimento projetado pelo estudo elaborado no Observatório da Indústria, o vice-presidente do Sinconpe-CE despeja sobre as futuras grandes obras projetadas para o Ceará a expectativa de uma nova onda de desenvolvimento no setor.
"Desde a siderúrgica não há uma grande obras de infraestrutura privada no Estado. Então, cada vez que se menciona um novo investimento o setor se anima, mas observa com cautela", falou, lembrando da refinaria Premium II e da Portocem, cujos trabalhos de supressão vegetal começaram, mas foram interrompidos devido ao cancelamento dos projetos.
Entre os setores que entram em atividade assim que um grande investimento é confirmado no Estado, Benevides diz que a perspectiva é de que haja um novo momento de progresso com a confirmação das usinas de hidrogênio verde, data centers e, posteriormente, eólica offshore.
Já na construção civil, comenta o presidente do Sinduscon-CE, os players esperam manter o ritmo acelerado vivido no ano passado para dar continuidade aos recordes de lançamentos e vendas. Com isso, espera-se alcançar mais competitividade a partir da adoção de novas práticas.
O único problema que pode embarreirar os planos dos dois segmentos, apontam os dois líderes, é a falta de mão de obra. A idade média nos canteiros está cada vez mais alta - "para mais de 40 anos" - e eles não conseguem atrair os jovens.
Encarando o serviço na construção como apenas braçal, as novas gerações recusam as oportunidades e buscam algo mais leve ou que possam usar outras qualidades. O comportamento ignora o desenvolvimento tecnológico da área e traz insegurança aos empresários.
A dificuldade recai, especialmente, sobre as funções mais básicas no canteiro. Na construção pesada, o esforço é feito via capacitação em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizado Industrial (Senai), onde as técnicas são ensinadas e tentam captar os operários.
Já na construção civil, diz Patriolino, o esforço está no salário. "Há pedreiros especializados, como em fachada, por exemplo, tirando de R$ 8 mil a R$ 10 mil, dependendo da produtividade que ele entrega", conta.
De potencial gigantesco e capaz de movimentar recursos bem maiores que a construção, a mineração também fez parte do mesmo estudo que apontou os profissionais do futuro da indústria cearense. Historicamente, o setor é exemplo de evolução em ciência, práticas e competitividade e projeta sobre as novas descobertas as oportunidades de continuar crescendo.
Hoje, o setor tem nas extrações de areia, água mineral e rochas ornamentais as principais atividades no Ceará, mas existem 135 substâncias exploradas em 146 municípios - dos 184 no total. Apenas em royalties pagos aos municípios do Estado, a mineração movimentou R$ 10,67 milhões em 2025.
A ocorrência de jazidas de cobalto, ouro, urânio, fosfato e terras raras já identificadas no território cearense em estudos projeta um futuro de mais royalties e, principalmente, mais investimentos no Estado - uma vez que os aportes para plantas de mineração e beneficiamento movimentam bem mais dinheiro que a construção civil.
Cientes das reservas, grandes empresas já investigam jazidas economicamente viáveis no Estado com diversos estudos cadastrados na Agência Nacional de Mineração (ANM) - a exemplo da australiana Fortescue.
Mesmo sem grandes plantas de beneficiamento no Estado, o setor está apto para viver uma onda de desenvolvimento, assegura Carlos Rubens Alencar, presidente do Sindicato das Indústrias de Mármores e Granitos do Estado do Ceará (Simagran-CE).
Ele destaca o caráter resiliente do setor ao contar sua própria história: "quando eu fiz a Faculdade de Geologia, os professores todos eram formados em Recife (PE) e um ou dois tinham mestrado. Hoje, são formados 20 profissionais todo semestre aqui no Ceará, onde já existem cursos de pós-graduação".
A criação do curso de Engenharia de Minas também é encarado por como evolução para a mineração no Ceará. Profissionais, detalha, que trabalham com "a história da humanidade". Ele se refere ao conhecimento exigido dos geólogos - ou engenheiros de minas - sobre a exploração das terras para identificar fósseis e ainda o meio ambiente local.
O resultado dessa atividade é um crescimento do setor, especialmente o das rochas. Carlos Rubens destaca que a exportação deste tipo de minério saltou de US$ 10 milhões para US$ 50 milhões em 23 anos.
Perguntado como, em dez anos, o setor poderia dar mais um salto, o presidente do Simagran-CE apontou o Projeto Santa Quitéria como o principal impulsionador. Localizado na cidade de mesmo nome a 222,3 quilômetros de Fortaleza, o projeto consiste na extração de pedras de fosfato e urânio associados.
"É um negócio muito sofisticado, de processos tecnológicos sofisticados, de muita tecnologia incorporada", destaca.
Fruto da parceria entre a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a Galvani Fertilizantes, o empreendimento tem investimento de R$ 2,3 bilhões para a exploração e construção de duas plantas de beneficiamento por 20 anos. Mas teve o projeto barrado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) pela oitava vez neste ano, em relatório que apontou o fornecimento de água como principal gargalo para a execução.
Outra possibilidade é a extração de terras raras, que são um conjunto de minerais estratégicos para a indústria da tecnologia, aplicada desde smartphones até automóveis e cujas pesquisas no Ceará ainda não encontraram nada economicamente viável.
"Agora, para ter mineração forte, precisa ter investimento. Não se descobre nenhuma jazida sem investir", observa.