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No ano do centenário, ACI pede tombamento da sede no Centro de Fortaleza
Reportagem Especial

No ano do centenário, ACI pede tombamento da sede no Centro de Fortaleza

No coração pulsante do Centro da cidade, entre vitrines chamativas e o burburinho das ruas, ergue-se um edifício que desafia o tempo. O azul-celeste do Perboyre e Silva, sede da Associação Cearense de Imprensa, resiste como símbolo da memória jornalística e da modernidade arquitetônica da cidade

No ano do centenário, ACI pede tombamento da sede no Centro de Fortaleza

No coração pulsante do Centro da cidade, entre vitrines chamativas e o burburinho das ruas, ergue-se um edifício que desafia o tempo. O azul-celeste do Perboyre e Silva, sede da Associação Cearense de Imprensa, resiste como símbolo da memória jornalística e da modernidade arquitetônica da cidade
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Em meio ao cenário urbano movimentado do Centro de Fortaleza, o azul-celeste do Edifício Perboyre e Silva se destaca pelas características arquitetônicas modernistas que o tornam único no emaranhado de prédios e lojas.

Alto, esguio e imponente, ocupa a esquina de duas ruas centrais - Perboyre e Silva com Floriano Peixoto, pertinho da Praça do Ferreira -, sempre apinhadas de gente. No térreo, as lojas seguem o mesmo ritmo frenético das vizinhas, embaladas pelo locutor que anuncia em tom energético o preço único da lojinha.

A fachada característica, visível até da Praça do Ferreira, é composta por faixas verticais azuis que funcionam como brises "Também chamados quebra-sóis, são elementos arquitetônicos instalados em fachadas para proteger o interior de edifícios da incidência direta de luz solar" , conferindo ao prédio sombreamento, ritmo e verticalidade.

 

 Um passeio virtual

 

Sede da Associação Cearense de Imprensa (ACI), o edifício tornou-se símbolo da memória da imprensa no Estado. Por isso é também a Casa do Jornalista, identificação que está gravada tanto no alto da construção quanto na entrada.

Com a consciência de que sua manutenção representa a preservação de uma história que não pertence somente à imprensa, a ACI, em seu centenário comemorado no dia 14 de julho, entrou com o pedido de tombamento do prédio-sede.

Hoje, apesar de abrigar registros valiosos da imprensa nacional, o edifício ainda não está protegido por qualquer legislação de preservação cultural — seja municipal, estadual ou federal.

 

 

Casa do Jornalista: Edifício Perboyre e Silva

Construído em 1959 na Rua Floriano Peixoto, o edifício foi projetado pelo engenheiro Luciano Pamplona, então professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e autor de outros projetos marcantes de Fortaleza, como a sede do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e a Igreja de Nossa Senhora de Fátima.

Erguido em um terreno doado pela Prefeitura de Fortaleza, durante a gestão do prefeito Acrísio Moreira da Rocha, o prédio ocupou um espaço até então cercado por velhos casarões abandonados, na esquina com a antiga travessa São Francisco — hoje rua Perboyre e Silva.

Ofuscada pelas lojas movimentadas e propagandas chamativas, a entrada do Edifício Perboyre e Silva permanece quase escondida. Na imagem, um homem transita em frente à entrada de cerâmica e mármore. No painel preto aberto, a identificação do prédio: Casa do Jornalista(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Ofuscada pelas lojas movimentadas e propagandas chamativas, a entrada do Edifício Perboyre e Silva permanece quase escondida. Na imagem, um homem transita em frente à entrada de cerâmica e mármore. No painel preto aberto, a identificação do prédio: Casa do Jornalista

Para viabilizar a obra, a Associação Cearense de Imprensa promoveu eventos de arrecadação, entre eles as tradicionais quermesses. Uma das iniciativas mais mobilizadoras foi a realização das Semanas da Imprensa, quando eram eleitas as chamadas Rainhas da Imprensa.

As limitações financeiras e as características territoriais e climáticas de Fortaleza não impediram a associação de construir um prédio bonito e funcional para os moldes da época.

A maquete original do prédio, apresentada no terreno recentemente doado à Associação, está exposta na sede(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES A maquete original do prédio, apresentada no terreno recentemente doado à Associação, está exposta na sede

Composto por sete pavimentos — cinco andares, mais o térreo e a cobertura —, o edifício se consolidou como um dos últimos marcos arquitetônicos da Rua Floriano Peixoto, que, em décadas passadas, foi reduto de importantes jornalistas do Estado.

O prédio recebeu o nome de João Perboyre e Silva, em homenagem ao jornalista, advogado, membro da Academia Cearense de Letras e diretor da ACI que esteve à frente da entidade no período da construção e foi responsável por concretizar o projeto da nova sede.

Além de se manter enquanto Casa do Jornalista, o edifício Perboyre e Silva dialoga com a sociedade com sua fachada interativa, lojas em andares alugados para comerciantes e lojistas e uma biblioteca aberta ao público.

A biblioteca César Teles Magalhães, primeiro presidente e sócio fundador da Associação, surgiu com o intuito de oferecer à sociedade e aos seus associados um local agradável de leitura e estudo. Localizada no quinto andar do prédio, funciona de segunda a sexta, das 8 às 12h e das 14 às 17h.

Para o jornalista e atual diretor da ACI, Eliézer Rodrigues, a história do prédio está intrinsecamente ligada à vida social e cultural do Ceará e assim se faz justificado o pedido de tombamento.

Além de receber figuras ilustres, como o filósofo francês Jean-Paul Sartre, o atual presidente Luiz Inácio e o ex-governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, o prédio também é uma das primeiras construções modernistas da Cidade.

Construído em 1959, o prédio possui todas as características da arquitetura moderna(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Construído em 1959, o prédio possui todas as características da arquitetura moderna

O arquiteto Romeu Duarte Junior, colunista do O POVO+ e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP), é pessoa fundamental no processo de tombamento do edifício Perboyre e Silva.

Ele está prestando uma assessoria na solicitações de tomabamento. Sobre o prédio, Duarte explica que, como um engenheiro-arquiteto ligado ao modernismo, Pamplona privilegiava a estrutura em concreto separada da vedação em alvenaria.

Assim como a planta livre e as fachadas livres, também os brise-soleils (quebra-sóis), o pilotis (área aberta no térreo dos edifícios) e o teto-jardim compõem os cinco pontos da "nova arquitetura", formulados pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier, considerado o maior nome da arquitetura do século XX.

“Todos esses elementos arquitetônicos encontram-se presentes no prédio da ACI. O interessante é que, um pouco antes da entrada em cena dos pioneiros da arquitetura moderna cearense, Pamplona já dava o ar da graça com os seus projetos”, comenta.

Eliézer, presidente da ACI, retoma para completar que, além da simbologia arquitetônica, no prédio da associação, outros importantes grupos ligados à imprensa, como o Sindicato dos Jornalistas, nasceram da Associação Cearense de Imprensa, no prédio-sede.

 

 

Tombar para preservar: a importância de prédios históricos na memória da cidade

O presidente da ACI realizou o pedido de tombamento do edifício Perboyre e Silva nas três esferas possíveis: União, por meio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan); Estado, por meio da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult) e Município, por meio da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor).

Cada ente federativo possui competência própria para proteger um patrimônio cultural. Na prática, muitos bens relevantes acabam tombados em mais de uma esfera, e têm a proteção ampliada.

O presidente da ACI, recentemente empossado, Eliézer Rodrigues, é responsável pelo pedido de tombamento do prédio-sede(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES O presidente da ACI, recentemente empossado, Eliézer Rodrigues, é responsável pelo pedido de tombamento do prédio-sede

O ofício enviado à Secretaria da Cultura do Estado (Secult) é considerado o primeiro momento e o início do processo de tombamento. No documento o solicitante, neste caso a Associação Cearense de Imprensa enquanto pessoa jurídica, deve informar as especificações do bem e justificativas da solicitação.

O remetente informou que enviou todo o material técnico e as anotações dos colaboradores para a Secult. Ele está acompanhando o desenvolvimento do trabalho por meio de um protocolo.

Jefferson John Lima da Silva, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil Ceará, explica que o tombamento é um instrumento de proteção para bens que possuem relevância histórica, cultural ou arquitetônica, seja ele público ou privado.

Da esquerda para a direita os jornalistas João Clímaco Bezerra, Hugo Catunda, o prefeito Acrísio Moreira da Rocha e o jornalista Daniel Carneiro Job durante a doação do terreno onde seria construído o prédio-sede da ACI(Foto: Reprodução/ Arquivo Nirez)
Foto: Reprodução/ Arquivo Nirez Da esquerda para a direita os jornalistas João Clímaco Bezerra, Hugo Catunda, o prefeito Acrísio Moreira da Rocha e o jornalista Daniel Carneiro Job durante a doação do terreno onde seria construído o prédio-sede da ACI

O principal objetivo é preservar o bem, impedindo que seja descaracterizado, demolido ou depredado a partir do momento do tombamento. Além de permitir a restauração e recuperação de suas feições anteriores, desde que não haja falseamento da história em casos de bens imóveis.

Atualmente o Ceará tem 121 bens tombados no conjunto dos três níveis de proteção (federal, estadual e municipal), conforme dados do Anuário do Ceará. São 22 bens tombados pela União, 46 pelo Governo do Estado do Ceará e 53 pela Prefeitura de Fortaleza.

 

Confira todos os edifícios tombados no Ceará

 

Francisco Alexandre, arquiteto da Secretaria da Cultura, explica que o tombamento não exige a anuência do proprietário e pode atuar contra a sua vontade. A importância do bem para a sociedade se sobrepõe aos desejos individuais.

No entanto, reforça que é preciso pensar em outras formas de preservação da memória que não se limitem somente ao tombamento. “Sem referências e marcos históricos, as cidades correm o risco de se estandardizar e perder sua identidade”, comenta.

Através de seu site oficial, o Iphan elenca algumas possibilidades de preservação que estão além do tombamento. Entre as principais alternativas elencadas estão: planos diretores e leis municipais de proteção do patrimônio, incentivo à educação patrimonial, programas de revitalização urbana e instrumentos de incentivo fiscal.

 

 

Alexandre destaca também que o processo de tombamento pode se tornar demorado em decorrência de outros pedidos e de extensas avaliações técnicas que precisam ser realizadas até a etapa final de assinatura do Governador.

O presidente da Associação Cearense de Imprensa reforça sua vontade de ver o prédio tombado ainda no ano do centenário da entidade e não medirá esforços para tal.

Enquanto as partes tramitam na Secult, o prédio se mantém imponente, escondido entre as lojas, mas deslumbrando a visão de quem caminha com o olhar ao céu na Praça do Ferreira.

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