O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou na terça-feira, 2 de setembro de 2025, a fase de sustentações orais no julgamento que apura a tentativa de golpe de Estado atribuída a Jair Bolsonaro e outros réus.
Cada advogado teve até uma hora para apresentar sua defesa. Contudo, os dados levantados pela Central de Dados do O POVO+ mostram diferenças significativas no uso desse tempo — que variou desde longas introduções protocolares até falas mais objetivas e diretas.
Além disso, a escolha de palavras de cada defesa revela diferenças na construção das peças e na forma como os réus enxergam o processo.
Segundo o advogado criminalista Nestor Santiago, professor da Universidade de Federal do Ceará e da Universidade Fortaleza, esse momento é a etapa final de um processo que já incluiu defesa escrita, oitivas de testemunhas e manifestações da acusação.
“A sustentação oral é um exercício retórico. São teses que buscam persuadir o julgador de que a sua defesa tem sustentação e embasamento. O discurso pode ser mais incisivo ou ter uma fala mais ‘doce’, isso depende muito da personalidade do advogado”, explica.
O advogado lembra que, embora o tempo seja de até uma hora, não há prejuízo formal caso não seja totalmente utilizado.
Uma análise das sustentações orais feitas pela Central de Dados O POVO+ revela diferenças relevantes entre os réus.
Veja como cada advogado de defesa usou o tempo de sustentação oral
A defesa de Mauro Cid utilizou apenas 53,9% do tempo disponível, sendo 4,4% destinado a saudações. Já os advogados de Walter Braga Netto chegaram a 82,3% de uso, com 4,3% em saudações
Alexandre Ramagem foi o mais econômico — 99,3% do tempo foi usado para argumentos de mérito, com apenas 0,7% em saudações.
O destaque ficou na defesa do almirante Almir Garnier, que usou cerca de 34% do tempo com saudações.
Quanto tempo cada defesa gastou com saudações
Quem fez a sustentação oral foi o advogado e ex-senador Demóstenes Torres. Lendo trechos de artigos de autoria própria, Torres não poupou elogios aos ministros da Suprema Corte, o que gerou momentos de descontração.
“É possível gostar do ministro Alexandre de Moraes e, ao mesmo tempo, gostar do ex-presidente Bolsonaro? Sim, sou eu", disse, despertando risadas no plenário.
Torres afirmou que gosta tanto do ex-presidente Jair Bolsonaro, réu na ação penal, que poderia levar para ele cigarro em "qualquer lugar".
O uso da fala por Demóstenes causou estranhamento e gerou até memes nas redes sociais. Mas o que está por trás da escolha de palavras?
O professor Nestor Santiago reforça que o uso do tempo é livre, e que usar ou não a totalidade do tempo não é um fator decisivo para a sentença.
“Esse ‘sambarilove’ inicial é comum, principalmente para quem já circulou no meio político ou jurídico. No caso de Demóstenes, após as saudações, ele foi direto aos pontos de interesse e fez uma sustentação muito boa”, avalia.
Para além do argumento técnico, Demóstenes lembrou o tempo em que Moraes foi secretário da Segurança Pública de São Paulo, mencionou a carreira de Fux no Ministério Público, o papel de Cristiano Zanin na anulação dos processos contra o presidente Lula e também a atuação de Flávio Dino, chegando a afirmar que ele ainda poderia ser eleito presidente da República.
Relembrar atuações públicas dos ministros em um julgamento que tem tensionado a arena política pode soar como uma provocação, mas não é possível apontar nenhum erro ou excesso na fala do advogado.
Nuvem de palavras da defesa de Almir Garnier
Da mesma forma, não é possível dizer que houve um embate entre a ministra Carmem Lúcia e o advogado de Alexandre Ramagem.
A ministra pediu a fala para elucidar ao público que, apesar da linha argumentativa da defesa, voto impresso e voto auditável são coisas diferentes.
"Não houve nenhum atrito, isso é normal. Ela apenas fez um questionamento em relação à sustentação. Não é usual, mas não quer dizer que não seja permitido", explica o advogado criminalista Nestor Santiago.
Nuvem de palavras da defesa de Alexandre Ramagem
A estratégia defensiva de Jair Bolsonaro focou em diversos pilares para refutar as acusações, argumentando a ausência de provas materiais, o cerceamento do direito de defesa, a invalidação da colaboração premiada de Mauro Cid, e a atipicidade das condutas imputadas.
A defesa salientou que o julgamento é de importância histórica e que a acusação se baseia em uma delação e uma "minuta" encontrada no celular de um colaborador da justiça, sem uma única prova que atrelasse o ex-presidente a planos como "Punhal Verde Amarelo," "Operação Luneta," "Copa 22," ou aos eventos de 8 de janeiro.
Nuvem de palavras da defesa de Jair Bolsonaro
Porém, em relação especificamente a Bolsonaro, a PGR afirma que os acontecimentos do 8 de janeiro somente aconteceram devido à “comoção social” alimentada pelo ex-presidente, que desde meados de 2021 passou a colocar em dúvida o processo eleitoral, com ataques, sem provas, contra o funcionamento das urnas eletrônicas.
O procurador-geral Paulo Gonet descreve o que seriam falas coordenadas de Bolsonaro, e diz que uma “sequência de atos - declarações públicas ameaçadoras, disseminação de falsidades sobre o sistema eleitoral, ataques reiterados a ministros da Suprema Corte, articulação com aliados militares e manipulação de inquéritos - compõe engrenagem de deslegitimação institucional, cujo objetivo central era a rejeição antecipada do resultado eleitoral”.
Nuvens de palavras das defesas de Mauro Cid e demais reús
Em entrevista ao O POVO News, a advogada e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, Mariana Dionísio, afirmou que é difícil concordar com as estratégias das defesas, pois o processo está seguindo todos os ritos legais e que a impressão é de uma desarticulação entre os réus.
"A impressão que dá é que cada um por si. Vamos por cada um dos argumentos: não ter acesso às provas ou pior, dizer que as provas do processo são muito robustas, que é muita coisa, tem muito documento e eles não conseguem olhar. Isso parece uma preguiça absurda, uma estratégia de defesa preguiçosa desses advogados", avalia.
Na análise da jurista, é pouco provável que os réus escapem da condenação, tendo em vista a robustez das provas.
"É muito difícil que – é um dos pontos que eu critico bastante a defesa de Jair Bolsonaro – que um dos pontos do discurso dele foi dizer: 'Não há provas contra o meu cliente'. Como assim não há provas contra o cliente? Não se chega nesse nível, nesse nível do processo, sem que haja uma robustez probatória intensa", analisa.
Finalizada a fase de sustentações orais, agora cabe aos ministros votarem em plenário. O primeiro a proferir o voto será o relator, ministro Alexandre de Moraes, na terça-feira, 9 de setembro, na semana da Independência. A tensão agora é para saber qual verde e amarelo sairá triunfante.
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