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Entre saudações e retóricas, sustentações no STF revelam tensão e estratégias distintas
Reportagem Seriada

Entre saudações e retóricas, sustentações no STF revelam tensão e estratégias distintas

Por meio de visualizações e gráficos animados, O POVO+ mostra uso desigual do tempo das sustentações orais das defesas e especialistas analisam estratégias no STF
Episódio 7

Entre saudações e retóricas, sustentações no STF revelam tensão e estratégias distintas

Por meio de visualizações e gráficos animados, O POVO+ mostra uso desigual do tempo das sustentações orais das defesas e especialistas analisam estratégias no STF
Episódio 7
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O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou na terça-feira, 2 de setembro de 2025, a fase de sustentações orais no julgamento que apura a tentativa de golpe de Estado atribuída a Jair Bolsonaro e outros réus.

Cada advogado teve até uma hora para apresentar sua defesa. Contudo, os dados levantados pela Central de Dados do O POVO+ mostram diferenças significativas no uso desse tempo — que variou desde longas introduções protocolares até falas mais objetivas e diretas.

Além disso, a escolha de palavras de cada defesa revela diferenças na construção das peças e na forma como os réus enxergam o processo.

 

 

O rito do processo

Nestor Eduardo Araruna Santiago. Advogado criminalista e professor. Pós-doutor em Direito.(Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Nestor Eduardo Araruna Santiago. Advogado criminalista e professor. Pós-doutor em Direito.

Segundo o advogado criminalista Nestor Santiago, professor da Universidade de Federal do Ceará e da Universidade Fortaleza, esse momento é a etapa final de um processo que já incluiu defesa escrita, oitivas de testemunhas e manifestações da acusação.

“A sustentação oral é um exercício retórico. São teses que buscam persuadir o julgador de que a sua defesa tem sustentação e embasamento. O discurso pode ser mais incisivo ou ter uma fala mais ‘doce’, isso depende muito da personalidade do advogado”, explica.

O advogado lembra que, embora o tempo seja de até uma hora, não há prejuízo formal caso não seja totalmente utilizado.

Uma análise das sustentações orais feitas pela Central de Dados O POVO+ revela diferenças relevantes entre os réus.

 

 

Veja como cada advogado de defesa usou o tempo de sustentação oral 

A defesa de Mauro Cid utilizou apenas 53,9% do tempo disponível, sendo 4,4% destinado a saudações. Já os advogados de Walter Braga Netto chegaram a 82,3% de uso, com 4,3% em saudações

Alexandre Ramagem foi o mais econômico — 99,3% do tempo foi usado para argumentos de mérito, com apenas 0,7% em saudações.

O destaque ficou na defesa do almirante Almir Garnier, que usou cerca de 34% do tempo com saudações.

 

Quanto tempo cada defesa gastou com saudações

 

Quem fez a sustentação oral foi o advogado e ex-senador Demóstenes Torres. Lendo trechos de artigos de autoria própria, Torres não poupou elogios aos ministros da Suprema Corte, o que gerou momentos de descontração.

“É possível gostar do ministro Alexandre de Moraes e, ao mesmo tempo, gostar do ex-presidente Bolsonaro? Sim, sou eu", disse, despertando risadas no plenário.

Torres afirmou que gosta tanto do ex-presidente Jair Bolsonaro, réu na ação penal, que poderia levar para ele cigarro em "qualquer lugar".

 

 

Entre formalidades e objetividade

O uso da fala por Demóstenes causou estranhamento e gerou até memes nas redes sociais. Mas o que está por trás da escolha de palavras?

O professor Nestor Santiago reforça que o uso do tempo é livre, e que usar ou não a totalidade do tempo não é um fator decisivo para a sentença.

“Esse ‘sambarilove’ inicial é comum, principalmente para quem já circulou no meio político ou jurídico. No caso de Demóstenes, após as saudações, ele foi direto aos pontos de interesse e fez uma sustentação muito boa”, avalia. 

Advogado Demóstenes Torres tem passagens pelo Ministério Público e atuou em casos históricos no País(Foto: Rosinei Coutinho/STF)
Foto: Rosinei Coutinho/STF Advogado Demóstenes Torres tem passagens pelo Ministério Público e atuou em casos históricos no País

Para além do argumento técnico, Demóstenes lembrou o tempo em que Moraes foi secretário da Segurança Pública de São Paulo, mencionou a carreira de Fux no Ministério Público, o papel de Cristiano Zanin na anulação dos processos contra o presidente Lula e também a atuação de Flávio Dino, chegando a afirmar que ele ainda poderia ser eleito presidente da República. 

Relembrar atuações públicas dos ministros em um julgamento que tem tensionado a arena política pode soar como uma provocação, mas não é possível apontar nenhum erro ou excesso na fala do advogado.

 

Nuvem de palavras da defesa de Almir Garnier 

Da mesma forma, não é possível dizer que houve um embate entre a ministra Carmem Lúcia e o advogado de Alexandre Ramagem. 

A ministra pediu a fala para elucidar ao público que, apesar da linha argumentativa da defesa, voto impresso e voto auditável são coisas diferentes. 

"Não houve nenhum atrito, isso é normal. Ela apenas fez um questionamento em relação à sustentação. Não é usual, mas não quer dizer que não seja permitido", explica o advogado criminalista Nestor Santiago. 

 

Nuvem de palavras da defesa de Alexandre Ramagem

A estratégia defensiva de Jair Bolsonaro focou em diversos pilares para refutar as acusações, argumentando a ausência de provas materiais, o cerceamento do direito de defesa, a invalidação da colaboração premiada de Mauro Cid, e a atipicidade das condutas imputadas.

A defesa salientou que o julgamento é de importância histórica e que a acusação se baseia em uma delação e uma "minuta" encontrada no celular de um colaborador da justiça, sem uma única prova que atrelasse o ex-presidente a planos como "Punhal Verde Amarelo," "Operação Luneta," "Copa 22," ou aos eventos de 8 de janeiro.

 

Nuvem de palavras da defesa de Jair Bolsonaro


Porém, em relação especificamente a Bolsonaro, a PGR afirma que os acontecimentos do 8 de janeiro somente aconteceram devido à “comoção social” alimentada pelo ex-presidente, que desde meados de 2021 passou a colocar em dúvida o processo eleitoral, com ataques, sem provas, contra o funcionamento das urnas eletrônicas.

O procurador-geral Paulo Gonet descreve o que seriam falas coordenadas de Bolsonaro, e diz que uma “sequência de atos - declarações públicas ameaçadoras, disseminação de falsidades sobre o sistema eleitoral, ataques reiterados a ministros da Suprema Corte, articulação com aliados militares e manipulação de inquéritos - compõe engrenagem de deslegitimação institucional, cujo objetivo central era a rejeição antecipada do resultado eleitoral”.

 

Nuvens de palavras das defesas de Mauro Cid e demais reús

Em entrevista ao O POVO News, a advogada e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, Mariana Dionísio, afirmou que é difícil concordar com as estratégias das defesas, pois o processo está seguindo todos os ritos legais e que a impressão é de uma desarticulação entre os réus.

"A impressão que dá é que cada um por si. Vamos por cada um dos argumentos: não ter acesso às provas ou pior, dizer que as provas do processo são muito robustas, que é muita coisa, tem muito documento e eles não conseguem olhar. Isso parece uma preguiça absurda, uma estratégia de defesa preguiçosa desses advogados", avalia. 

Mariana Dionísio é mestre em Direito Constitucional pela Unifor e doutora em Ciência Política, pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)(Foto: Ares Soares / Arquivo pessoal)
Foto: Ares Soares / Arquivo pessoal Mariana Dionísio é mestre em Direito Constitucional pela Unifor e doutora em Ciência Política, pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Na análise da jurista, é pouco provável que os réus escapem da condenação, tendo em vista a robustez das provas.

"É muito difícil que – é um dos pontos que eu critico bastante a defesa de Jair Bolsonaro – que um dos pontos do discurso dele foi dizer: 'Não há provas contra o meu cliente'. Como assim não há provas contra o cliente? Não se chega nesse nível, nesse nível do processo, sem que haja uma robustez probatória intensa", analisa. 

Finalizada a fase de sustentações orais, agora cabe aos ministros votarem em plenário. O primeiro a proferir o voto será o relator, ministro Alexandre de Moraes, na terça-feira, 9 de setembro, na semana da Independência. A tensão agora é para saber qual verde e amarelo sairá triunfante. 

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