Nos anos 1970, Natal (RN) precisava expandir o pólo turístico costeiro. Na época, a costa litorânea da cidade era reduzida, com apenas dois hotéis, e muitos turistas preferiam seguir para Fortaleza (CE) ou para Recife (PE).
O plano de ação começou com a construção de uma avenida que ligasse o Forte dos Reis Magos à Praia da Ponta Negra — na época, considerada uma praia de veraneio, longe demais da área urbana. Ao longo da chamada Via Costeira, instalou-se um pólo hoteleiro.
A especulação em torno da região alertou os ambientalistas, que cobraram medidas protetivas do entorno. Foi assim que, em 1977, criou-se o Parque Estadual das Dunas de Natal, a primeira unidade de conservação do Rio Grande do Norte e um exemplo de gestão que pode inspirar o Parque Municipal Natural Dunas da Sabiaguaba.
O nome do parque potiguar surgiu em várias conversas com ambientalistas durante a produção do especial Dunas da Sabiaguaba. Nós queríamos saber como o parque de Fortaleza poderia ser ocupado e vivido de maneira sustentável, até o limite do possível.
E então Natal era mencionada. Lá, o parque é cercado, a visitação é agendada e restrita a um número máximo de pessoas. Os grupos nas trilhas são acompanhados por funcionários do parque e o centro de visitantes é delimitado.
Assim como as Dunas da Sabiaguaba, as Dunas de Natal também são aquíferos cruciais, com resquícios de fauna e flora ameaçados de extinção. Com 1.172 hectares (mais que o dobro da dimensão da Sabiaguaba, de 478,04 ha), a unidade de conservação integra a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica Brasileira.
“Ele é o pulmão verde da cidade”, define Silvana Maria Santos, coordenadora de eventos do parque e bolsista administrativa. “O Parque das Dunas abraça Natal”, sorri.
Hoje cercado e com passeios controlados, nem sempre o parque foi gerido por um órgão ambiental. Afinal, não existia uma secretaria de meio ambiente no estado nos anos 1970.
A Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do RN só veio a ser criada em 2007. Em 1996, surgiu apenas como Secretaria dos Recursos Hídricos. Portanto, o Parque das Dunas nasceu vinculado à Secretaria do Turismo, “que não tem o olhar do órgão de meio ambiente”, pondera Silvana.
Não à toa, o Plano de Manejo do parque foi criado apenas em 1989, seis anos após a criação da Coordenadoria de Meio Ambiente (CMA) do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema), responsável pela gestão do parque.
“Quando o Idema atua, ele dá esse caráter de unidade de conservação mesmo”, descreve a coordenadora. Foi então que o Parque das Dunas passou a ser realmente estruturado, recebendo centro de pesquisa, centro de visitantes, biblioteca, viveiro, unidade de mostra de vegetação, anfiteatro, posto de comando ambiental, parque infantil e anel viário para atividades físicas e caminhadas.
Tudo localizado no Bosque dos Namorados, espaço antigamente usado literalmente “para se namorar”. “Eu mesmo namorei aqui há muito tempo”, ri Silvana. “Natal não tinha lugar para namorar (a não ser o Bosque). Namorar aqui, meu filho, era uma beleza!”
Todo o Parque das Dunas de Natal é cercado. Não significa que é barato ou fácil fazer a manutenção — uma das queixas do poder público para cercar a Sabiaguaba —, mas era uma das necessidades urgentes do parque.
Em princípio, foi difícil explicar às comunidades a importância da cerca. As dunas de Natal foram um refúgio para muitos retirantes da seca, dos quais formaram-se as comunidades Mãe Luiza e Nova Descoberta.
Diferente da experiência da Sabiaguaba, os ambientalistas perceberam que a população retirava das dunas muita madeira e areia para construir as casas, e caçava muitas aves da região. Assim, uma assistente social trabalhou com as comunidades que dependiam do parque para solucionar a tensão.
“Foi um trabalho muito legal, porque essas populações viram que a gente queria a parceria deles, que aquela área pertencente também a eles”, relembra a coordenadora. “A gente tava proibindo a entrada, mas é uma questão de defesa, porque se você tá construindo o seu barraco ali, na sequência aquela duna pode penetrar no barraco”, descreve.
“Aí de repente a comunidade começou a ser parceira nossa. A dona fulaninha lá ligava: ‘Ó, gente, a minha vizinha tá ampliando o barraco dela para dentro da duna. Ó, fulano tá com cavalo dentro’”, narra. “Hoje a gente tem muito pouco problema com essa situação, sabe?”
Mas a cerca também afastou impactos maiores, como o causado por empresas de construção civil que subiam a duna para retirar areia.
A Sabiaguaba sofreu com isso em 2006, quando a mineradora Tereza Helena Campelo conseguiu autorização da justiça para retirar areia da Sabiaguaba. Em 2007, a Procuradoria Geral de Fortaleza proibiu a retirada.
O Parque das Dunas tem três trilhas com graus de dificuldade diferentes: Perobinha (perfeito para crianças), Peroba e Ubaia Doce. Para participar, é necessário agendamento e formar um grupo com no mínimo 5 pessoas e no máximo 25.
Todos os grupos são acompanhados por orientadores de turismo do parque. “Aqui não é um parque qualquer. Não pode fazer trilha sozinho”, reforça Silvana. O objetivo é evitar a visita descontrolada que pode literalmente destruir a duna — é o que está ocorrendo na Duna da Baleia e o que aconteceu com a Duna do Pôr do Sol de Jericoacoara (CE).
Outro exemplo de uso do território é a construção do Centro de Pesquisa na área administrativa do Parque das Dunas. Ele possui laboratórios de botânica e zoologia.
Neles, pesquisadores e estagiários trabalham em herbários, carpotecas e xilotecas, além de animais conservados em formol ou empalhados, e viveiros com cobras e aranhas.
Há, ainda, a Unidade de Mostra de Vegetação Nativa das Dunas e o Viveiro Parque das Dunas, com produção de mudas de árvores nativas.
Aberto de terça-feira a domingo, das 7h30 às 17h, o parque cobra R$ 1 para a entrada, com exceção de crianças de até cinco anos, adultos acima de 60 anos, escoteiros uniformizados e escolas públicas. Para os coopistas, o acesso é de segunda-feira a domingo, das 5h às 17h, desde que cadastrados — eles, por sua vez, pagam anuidade de R$ 20.
A gestão do parque quer aumentar o preço da entrada e do cadastro, por considerar o valor insuficiente para manter a unidade. Só no final de semana, por exemplo, a movimentação é de 5 mil visitantes.
A entrada é um valor importante para administrar o parque e contornar as burocracias de acesso a orçamentos governamentais. “Mas governo nenhum quer se malhar por subir o preço de entrada”, explica a coordenadora Silvana Santos.
A partir da experiência do Parque das Dunas de Natal, é possível imaginar o potencial que a Sabiaguaba tem de receber visitantes ao mesmo tempo em que provê normas firmes para evitar a degradação ambiental.
Um dos principais problemas envolvendo o Parque Natural Dunas da Sabiaguaba é que ele simplesmente não recebe nenhum investimento. Em entrevista ao O POVO+, o vereador Gabriel Aguiar considera a “área completamente abandonada”, inclusive em repasses financeiros.
Segundo ele, o Fundo Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Fundema), vinculado à Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), pode ser usado para garantir a gestão e fiscalização de parques como o das Dunas da Sabiaguaba.
No entanto, o vereador denuncia que pelo menos R$ 14,7 milhões foram desviados do Fundema para “pagar obras que não dizem respeito à preservação do meio ambiente”.
“Quando a gente denunciou isso (em julho de 2019), eles mudaram a lei, autorizando que o Fundema possa ser gasto com obras de construtora e tudo”, diz. “Logo em seguida, esgotaram o Fundema. Hoje, o Fundema não tem mais um centavo”, critica. Assim, a recomposição do Fundema seria urgente para garantir que as unidades de conservação da Sabiaguaba — e de toda Fortaleza — sejam preservadas.
A Seuma disponibiliza no site oficial uma aba específica para prestar contas sobre o Fundema. Nela, a pasta disponibiliza os documentos de arrecadamento e despesas do fundo desde 2012, divididos em diferentes segmentos. De acordo com a Seuma, o Fundema arrecadou R$ 6.748.671,65 em 2024. Na prestação de 2024, o valor mais próximo do indicado é de R$ 6.762.515,51 (em saldo na conta corrente Nº 9319-X), constando como "saldo anterior".
Em nota, a Seuma diz que "os principais objetivos (do Fundema são) o desenvolvimento de programas de educação ambiental, a recuperação de áreas ambientais degradadas e a preservação de espaços de interesse ecológico". Segundo a pasta, em fevereiro de 2025 a atual gestão "realizou a primeira reunião com o novo conselho gestor do Fundema para conhecer e discutir sobre os projetos em andamento".
"Durante o encontro, também foi iniciada uma avaliação com o objetivo de estabelecer novas diretrizes para o Fundo, considerando as necessidades atuais e as possibilidades de aprimoramento das ações. A pasta, juntamente com o conselho gestor, estudam as prioridades para os próximos", conclui a nota.
No site oficial, a pasta disponibiliza o seguinte mapa de investimentos do Fundema, maioria em praças. Não há investimentos na Sabiaguaba.
O vereador Gabriel Aguiar também destaca que, antes de recuperar e recompor o ecossistema da Sabiaguaba, é necessário evitar a destruição. Para ele, o Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA), a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) e o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) devem estar presentes diariamente na região, em uma “força-tarefa de preservação da Sabiaguaba”.
De maneira geral, efetivar a proteção das unidades de conservação da Sabiaguaba passa por executar o Plano de Manejo integralmente. A exemplo do Parque das Dunas de Natal, o plano da Sabiaguaba também prevê infraestrutura de caráter educacional e turístico.
Edificação destinada à visitação turística e ambiental, com foco em educação ambiental e patrimonial. Deverá ter miniauditório, sala de exposição, oficinas de educação ambiental, sanitários adaptados, copa, depósitos de material didático, depósito para material de limpeza.
Criação de uma unidade museológica de caráter histórico-antropológico e arqueológico. Com este museu, serão articuladas às demais ações referentes à pesquisa, documentação, salvaguarda, fiscalização, comunicação, mapeamento, entre outras ações direcionadas para a dinamização do patrimônio local.
O documento reforça a necessidade de um projeto de sinalização ambiental para o parque, com placas informativas, de localização, indicativas, educativas e restritivas. A implementação de cerca é outra exigência do plano.
Ele exige a elaboração de tipologias de delimitação e fechamento da UC de proteção integral que estabelecem claramente a área do parque.
No item “Especulação imobiliária e parcelamento do solo”, o documento informa que “foram identificadas cercas de arame e piquetes sobre as dunas fixas e móveis, lagoas costeiras e interdunares; fragmentação do campo de dunas, desmatamento e impermeabilização do solo”. Nesse caso, a delimitação do parque também seria importante para evitar o cercamento ilegal.
Para além das medidas internas do parque, é necessário pensar em projetos arquitetônicos e urbanos que priorizem a proteção ambiental. A CE-010 é tida pelos ambientalistas e pelas comunidades como um fracasso por cortar as dunas.
Pedro Tavares, geógrafo e integrante do Fortaleza pelas Dunas, nos apresentou a proposta de um ecoduto que solucionaria o principal problema da CE-010: a “invasão” da duna móvel na estrada.
“O Fortaleza pelas Dunas foi pioneiro nisso. Os colegas fundadores se reuniram com engenheiros, ambientalistas, galera da arquitetura e propuseram um ecoduto”, comenta. “O Ministério Público abraçou a ideia, sugeriu que o Governo do Estado fizesse o ecoduto naquele molde, ou naquele modelo como base. Não precisa ser exatamente igual”, explica.
O projeto garantiria que a duna móvel seguisse a migração natural ao mesmo tempo em que constituiria um corredor ecológico para a fauna e flora entre o Cocó e a Sabiaguaba. Ao mesmo tempo, o fluxo de carros seguiria normal.
“Além de tudo, a duna é uma Área de Proteção Permanente (APP) e ela deve ser respeitada, porque está na Constituição Federal.”, destaca Pedro. “E o governo falou: ‘Ok’ (para fazer um projeto de ecoduto), mas nunca fez nada e até hoje a gente tem notícias de remoção de areia, semanalmente.”
Um dia, o jornalista
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A biodiversidade de bichos, plantas, gentes e culturas é escondida por empreendimentos e lixo, amassada por pneus. Poucos percebem que o sol da Sabiaguaba nasce no mar e se põe na floresta, diferente do sol que mergulha na Beira-Mar ao entardecer.
Quem sabe, seja um pedido de inverter as prioridades atuais e colocar no topo o que realmente importa: a preservação de um ecossistema imprescindível para a Cidade, constituído por milhares de anos de ocupação humana e não-humana harmoniosa.
Roniele Suíra, descendente dos povos originários da Sabiaguaba, assim a descreveu: “O coração que pulsa sangue para manter o corpo vivo”. Esta é a verdadeira Sabiaguaba.
Série de reportagens contextualiza a Sabiaguaba como ecossistema complexo e crucial para Fortaleza, além de explorar as tensões sociais, políticas e econômicas que envolvem a região