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Luana Génot: Sim, podemos vencer a desigualdade no trabalho e na sociedade
Reportagem Seriada

Luana Génot: Sim, podemos vencer a desigualdade no trabalho e na sociedade

Ela participou como voluntária da campanha de reeleição de Barack Obama e absorveu da icônica frase "Sim, nós podemos" o mote de uma série de ações afirmativas em busca pela igualdade racial e de gênero nas empresas e em todos os espaços

Luana Génot: Sim, podemos vencer a desigualdade no trabalho e na sociedade

Ela participou como voluntária da campanha de reeleição de Barack Obama e absorveu da icônica frase "Sim, nós podemos" o mote de uma série de ações afirmativas em busca pela igualdade racial e de gênero nas empresas e em todos os espaços
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Luana Génot nasceu no Rio de Janeiro cerca de um mês antes da realização do primeiro turno da histórica campanha eleitoral de 1989, a primeira do período pós-ditadura militar no Brasil, mas o que transformaria em definitivo a sua trajetória e a de muitas pessoas que ela conseguiu impactar foi uma disputa realizada na parte mais ao norte do continente americano.

Em 2012, a icônica frase “Yes, we can” ou “Sim, nós podemos” utilizada quatro anos por Barack Obama, primeiro presidente negro dos Estados Unidos, já inspirava a luta de muitos ativistas pela igualdade de oportunidades e ascensão independentemente de cor, raça ou gênero.

O discurso empoderador de Obama tocou, em especial, a então estudante universitária Luana que nunca se conformou que definissem quem tem “cara de CEO (sigla inglesa que significa diretor executivo)” ou “cara da tia do café”, como ela exemplifica.

Luana Génot é CEO do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR).(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Luana Génot é CEO do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR).

Bolsista do Programa Ciências sem Fronteiras, foi estudar na Universidade Wisconsin-Madison e acabou por participar da campanha pela reeleição de Obama como voluntária, registrando eleitores negros, sobretudo, uma vez que o voto no país não é obrigatório.

Ao voltar ao Brasil, logo resolveu aplicar os conhecimentos que adquiriu não apenas no curso de Comunicação Social, como também experimentando as diferenças e semelhanças entre Estados Unidos e Brasil, no que se refere à causa antirracista.

Quatro anos depois da experiência no Exterior, Luana criou o Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), inicialmente, como ela mesma define, uma “euquipe”, que hoje conta com mais de 30 colaboradores.

Enfim, ela começava a mostrar que tinha cara, alma e veia de CEO. Mas para além da ID_BR, a formação como comunicadora permitiu à Luana amplificar discursos em prol da igualdade no mercado de trabalho, nos espaços de poder e na sociedade, de um modo geral.

Vieram oportunidades de apresentar programa de televisão, ser jurada de reality show focado em práticas socioambientais, escrever livros e assinar uma coluna em um dos principais jornais do País.

Ventos desfavoráveis à pauta mais uma vez voltam a soprar das terras do norte, com o retorno de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos e com a flexibilização de normas de combate às fake news e ao discurso de ódio por parte de uma gigante da tecnologia como a Meta.

Luana Génot é autora de livros como "Sim à Igualdade Racial - Raça e Mercado de Trabalho" (Foto: Instituto de Literatura Quindim/Divulgação)
Foto: Instituto de Literatura Quindim/Divulgação Luana Génot é autora de livros como "Sim à Igualdade Racial - Raça e Mercado de Trabalho"

Luana, contudo, mantém o otimismo de que não haverá retrocesso ou desumanização, mesmo com a aceleração do uso das ferramentas de inteligência artificial.

Sempre ativa, sem descuidar da importância do descanso e do autoconhecimento, ela conversou com a nossa equipe minutos antes de se reunir com integrantes do Governo do Ceará para apresentar mais um projeto afirmativo, o “Escola Sim”.

 

O POVO - O que o Instituto Identidades do Brasil traz de novo nessa sua visita ao Ceará?

Luana Génot - A gente está muito feliz de estar aqui no Ceará, mais especificamente em Fortaleza, mas olhando também para todo o Estado, porque estamos lançando um programa novo no IDBR, que é o Instituto Identidades do Brasil, e do qual sou a CEO, que é o programa ‘Escola Sim’.

Deb será uma IA para apoiar o letramento racial, o letramento de gênero e sobre mudanças climáticas(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Deb será uma IA para apoiar o letramento racial, o letramento de gênero e sobre mudanças climáticas

Ele se propõe a levar letramento racial e digital para as escolas, através dos educadores. Então, no ano passado, lançamos uma inteligência artificial chamada Deb, e estamos treinando a Deb para que ela possa ser uma ferramenta para profissionais e para as pessoas, de um modo geral.

Mas, dentro do programa Escola Sim, ela será uma ferramenta para que os educadores usem a inteligência artificial para apoiar no letramento racial, o letramento de gênero e sobre mudanças climáticas.

A Deb é um canal seguro pelo qual vamos estimular os educadores a usarem no seu plano de aulas, dentro das aulas que tiverem, em várias disciplinas, ou seja, de modo muito interdisciplinar.

É um programa inovador também, porque recebemos uma verba do Google para que pudéssemos fomentar esse programa em várias escolas, especialmente no Norte e no Nordeste, onde temos de fato um grande contingente de estudantes e de educadores negros e indígenas, mas que, muitas vezes, não recebem o repertório sobre suas próprias história ou treinamento para lidar com situações de racismo.

Então, é por isso que acreditamos que o ‘Escola Sim’, através da figura da Deb, como uma inteligência artificial que vai ser usada para esse letramento racial e digital, pode ajudar a facilitar esse debate dentro das escolas.

O POVO - Queria que você falasse um pouco sobre o que conhece da luta contra o racismo pela igualdade racial no Ceará. Temos figuras históricas, como o Dragão do Mar. Que tipo de contato teve com o movimento negro, por exemplo, ou com iniciativas aqui no Ceará?

Luana Génot - Sim, esse é um contato bastante recente na minha trajetória. O que conheço muito do Ceará tem a ver com a figura do Dragão do Mar, na luta pela liberdade, e eu acho que há muito a se conhecer. Em termos de repertório, até em termos escolares, eu não tive essa oportunidade.

Sou uma pessoa sudestina e acabei por ficar mais familiarizada com o Sudeste, mas a experiência do Nordeste e o que ele representa em termos da resistência quilombola, indígena e negra, de modo geral, nos são rasgadas. Sendo muito franca, ainda não temos dimensão de quem são as figuras que fazem isso acontecer.

No ano passado, quando vim aqui para falar no Congresso Nacional de Educação (Conedu), um dos maiores congressos de educação, mencionei exatamente isso. Falei que sequer estudamos na Educação Básica sobre o Dragão do Mar, daí a importância do programa ‘Escola Sim’.

Eu só soube sobre ele recentemente, até porque figuras como essa, que são importantes para a história do Ceará, são pouco conhecidas.

Instituto Identidades do Brasil lançou a Deb, assistente de inteligência artificial(Foto: Acervo Flickr/Instituto Identidades do Brasil)
Foto: Acervo Flickr/Instituto Identidades do Brasil Instituto Identidades do Brasil lançou a Deb, assistente de inteligência artificial

As figuras que fazem parte dessa teia cearense antirracista são extremamente importantes para o país, mas a gente não conhece tão profundamente, como conhecemos, por exemplo, sobre a Revolução Francesa ou outros marcos históricos europeus.

A gente não conhece a história do Brasil, muito menos a história cearense, que é tão importante para a história do Brasil.

 

 

O POVO - Estamos em um momento de aceleração da inteligência artificial, mas também em um momento em que as big techs têm um papel um tanto dúbio. Algumas, como o Google, estão trabalhando numa direção, mas outras como a Meta, estão flexibilizando na web, em nome de uma suposta defesa da liberdade de expressão, marcos civilizatórias. Isso te preocupa?

Luana Génot - Minha visão é que o Brasil tem um arcabouço legal que não é o mesmo dos Estados Unidos. Então, não dá para copiar e colar as decisões tomadas na sede da empresa para o que vai acontecer no Brasil.

O Brasil está caminhando rumo a uma regulação que tem um papel e um contexto muito próprio do País. O próprio Ministro Alexandre de Moraes já disse que a mesma decisão tomada pela Meta não vai se dar da mesma forma. Acredito que o arcabouço legal do Brasil é diferente.

Outro ponto a considerar é que acredito muito que o choque organiza a massa. E é justamente em momentos como este que a sociedade civil se une para defender os direitos já conquistados, como uma regulação maior da internet, para que discursos de ódio não reverberem muito e para que todas as pessoas afetadas por esse discurso possam ser protegidas.

Muitos discursos de ódio na internet já aconteciam sem tanta regulação, e agora temos a possibilidade de criar uma regulação para isso. Em relação ao discurso contra a regulação e a não checagem de fatos. Eu acredito que a atenção da sociedade está mais voltada para isso agora, o que pode ajudar a acelerar as medidas que estavam sendo postergadas.

Então, estou otimista. A verdade é que estou otimista com o movimento da sociedade na defesa dos direitos já conquistados, pela inclusão e pela checagem de fatos. Acho que é alarmante, mas também pode haver um movimento de organização social para impedir o avanço das fake news.

"O poder da comunicação é o de você falar em primeira pessoa sobre a sua própria história, sem tantos intermediários"(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS "O poder da comunicação é o de você falar em primeira pessoa sobre a sua própria história, sem tantos intermediários"

O POVO - E o fato de ser comunicadora te ajuda? Fala um pouco desse papel da comunicação na tua vida e na tua luta! Você escreve uma coluna em um dos maiores jornais do País, já apresentou programas de televisão. O quanto isso amplifica o que você pretende transformar?

Luana Génot - A comunicação, para mim, é uma ferramenta muito importante, que hoje, inclusive, está mais disponível para as pessoas a partir das redes sociais. Todo mundo, ou pelo menos uma boa parte de quem tem mais acesso à infraestrutura, pensando no 5G, tem acesso de alguma forma a ser um comunicador ou comunicadora.

A comunicação entra na minha vida como ferramenta quando eu tinha mais ou menos 18 ou 20 anos. Já tinha sido modelo de passarela e queria mudar a chave, entender que eu não queria ser só o objeto da história, mas um sujeito, um sujeito que pudesse também trazer sua narrativa em primeira pessoa.

Então, para mim, o poder da comunicação era exatamente esse: o poder de você falar em primeira pessoa sobre a sua própria história, sem tantos intermediários que filtrem qual parte da história você pode ou não contar sobre si.

Essa possibilidade de poder escrever com a minha própria caneta a minha própria história, usando a minha própria voz, foi o que me seduziu na comunicação.

Fui estudar publicidade, fui bolsista da PUC do Rio e, depois, fui voluntária na campanha do Barack Obama. Quando fui bolsista do Ciência sem Fronteiras, também me envolvi com muitos comunicadores admiráveis, como o próprio Barack Obama, a Megan Williams, que era chefe de uma agência de publicidade que participei, também foi uma grande inspiração.

Sempre procurei me nutrir de discursos de pessoas que me inspiram. Até hoje sou muito ouvinte de podcasts e palestras de pessoas eloquentes.

A comunicação é uma ferramenta para ecoar mensagens, uma ferramenta de autoconhecimento, porque, à medida que você também pode falar e expressar aquilo que sente sobre si e sobre seu entorno, ela também é libertadora, pois você deixa de guardar para si aquilo que sente. Estou falando de um processo até terapêutico.

O POVO - Você teve uma experiência na campanha do Obama. Fale um pouco sobre esse momento!  O quanto a figura de Barack Obama influenciou sua visão, sua vida pessoal, claro, mas também o movimento negro no mundo?

Luana Génot - Sim, acho que o Barack Obama é uma figura central na história contemporânea. Ele foi o primeiro presidente negro, abertamente, dos Estados Unidos, e um cara que defende um processo de ações afirmativas no sentido de ter sido bolsista cotista e várias outras ações, e fala sobre isso de forma muito aberta.

O ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foi uma das principais referência de Luana Génot, para quem fez campanha voluntariamente(Foto: Mandel Ngan/AFP)
Foto: Mandel Ngan/AFP O ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foi uma das principais referência de Luana Génot, para quem fez campanha voluntariamente

Ele, basicamente, faz desmoronar muito do que é aquele ciclo da meritocracia que estamos acostumados a ouvir: o "você luta e chega lá".

Obviamente, ele é um cara extremamente eloquente e inteligente, mas a gente entende que o "chegar lá" não depende apenas de ser inteligente e eloquente, precisa ser acompanhado de oportunidades. Quando falamos sobre ações afirmativas, precisamos dar mais oportunidades para pessoas de grupos sub-representados.

Isso está muito presente nos discursos que ele faz. Quando ele traz esse discurso, isso imediatamente me inspira no sentido de: "Poxa, que legal, tem uma pessoa que, assim como eu, vem de uma família que está mais à margem, de alguma forma, mesmo sendo de contextos diferentes", e que, gradativamente, vai encontrando seu lugar em espaços de poder que não eram tão povoados por pessoas como ele.

Luana Génot chegou aos Estados Unidos em 2012 para estudar na Universidade de Winsconsin-Madison(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Luana Génot chegou aos Estados Unidos em 2012 para estudar na Universidade de Winsconsin-Madison

Então, é inspirador, porque você vê uma pessoa como você atingindo patamares de poder em contextos e dimensões diferentes e com trajetórias diferentes.

E a partir dessa experiência, por exemplo, sendo a primeira mulher negra da minha família a acessar o ensino superior, eu cheguei na universidade com fome, né? Fome de saber, fome de entender o que era aquele espaço.

Até então, a universidade para mim era como caviar, eu só ouvia falar, nunca tinha visto de perto, porque não tinha outras pessoas, outros pares na minha família que tivessem tido acesso a aquele espaço. Então, quando vi a universidade, percebi que era um espaço onde múltiplos saberes estavam ali disponíveis.

E, nesse processo, tanto no Brasil quanto quando tive a bolsa nos Estados Unidos, também queria fazer várias atividades. Além das disciplinas que eu fiz, queria saber o que mais estava acontecendo.

Ao chegar na Universidade de Winsconsin-Madison, em 2012, tinha a possibilidade de me candidatar para ser voluntária na campanha do Barack Obama. Eu falei: "Óbvio que vou fazer isso!"

Para mim, foi tão rico quanto pegar uma disciplina para estudar. Eu ficava ali registrando pessoas para votar. Nos Estados Unidos, o sistema eleitoral funciona assim: as pessoas precisam se registrar para votar.

Então, eu ficava registrando as pessoas para votar e acompanhando alguns dos discursos do Barack Obama na região do Meio-Oeste, onde eu estava.

Eu ia tanto para o estado de Wisconsin, mas também para outras cidades e estados vizinhos, para acompanhar o Barack Obama. Quando ele estava em Milwaukee e Chicago, eu estava lá.

E aí, corta para 2013, quando voltei para o Brasil. Estava prestes a entregar meu trabalho de conclusão de curso e queria muito falar sobre identidades, sobre o quanto as questões de quem você é influenciam na sua carreira, na sua jornada pessoal e profissional.

Então, quando voltei para o Brasil, escrevi um trabalho chamado "Identidades do Brasil", mas também bebendo muito dessa identidade do Barack Obama, como ele se constrói como liderança e tal.

A própria campanha dele teve o slogan "Sim, nós podemos", que mais tarde inspirou nossa campanha "Sim à Igualdade Racial". Hoje, no programa ‘Escola Sim’. Tudo que fazemos tem um "sim" porque acreditamos muito no poder da afirmação. E isso também vem do Barack Obama.

Quando voltei dos Estados Unidos para o Brasil, a ideia sempre foi abrir algo que pudesse reforçar esse "sim", e aí o Instituto nasceu em 2016.

Campanha 'Sim à igualdade racial' conseguiu reunir grandes nomes do empresariado nacional, além de personalidades em prol da causa(Foto: Sheila Signario)
Foto: Sheila Signario Campanha 'Sim à igualdade racial' conseguiu reunir grandes nomes do empresariado nacional, além de personalidades em prol da causa
 

O POVO - Fala um pouco sobre o começo do Instituto Identidades do Brasil!

Luana Génot - O começo foi assim... E aí, sendo franca e absolutamente sincera, nunca sonhei em abrir uma instituição para falar sobre ações afirmativas ou sobre a luta antirracista. Eu costumo dizer que a gente existe para não existir.

Eu acho que, se você fala de um problema tão dramático para a história do Brasil, acredito que a gente existe para que, daqui a pouco, esse problema não exista mais e para que possamos conversar sobre outras coisas.

Quando eu me dei conta, por exemplo, que mesmo tendo as credenciais no mercado de trabalho, como já falar inglês, já ter experiência internacional, ser articulada, e ainda assim as portas do mercado de trabalho não se abriram tão facilmente, me questionava: "Por que isso acontece?"

"Se você fala de um problema tão dramático para a história do Brasil, acredito que a gente existe para que esse problema não exista mais"(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS "Se você fala de um problema tão dramático para a história do Brasil, acredito que a gente existe para que esse problema não exista mais"

Na época, até cheguei a trabalhar numa multinacional, mas percebi ali também um teto de crescimento dentro daquela possibilidade de carreira. Eu falei: "Ué, mas cadê aquela meritocracia que tanto falavam?

Se eu tenho várias credenciais, por que não estou vendo essas credenciais me ajudarem a chegar a um patamar alto dentro de uma empresa ou no que eu escolher?"

E aí percebi que, para mim, fazia muito mais sentido lutar para resolver o problema que impede o crescimento econômico do Brasil, que é você ter pessoas extremamente competentes nas mais diversas áreas, mas que têm seu potencial e seu talento impedidos de chegar ao seu pleno potencial.

Foi aí que surgiu o desejo de criar uma instituição que ajudasse a desbloquear esse potencial que o Brasil tem. E foi dessa necessidade que nasceu o Instituto.

Então, eu pensei: "A gente precisa de uma instituição que fale sobre identidades raciais e mercado de trabalho". Então, o Instituto foi criado com esse propósito.

A próxima questão foi como financiar isso. E para mim foi a coisa mais difícil, porque comecei com capital financeiro muito baixo, praticamente zero, e zero capital social. Fui batendo na porta de pessoas com muita cara de pau, mas com muita vontade de fazer acontecer. Para minha surpresa, apesar dos muitos "nãos" que recebi, também consegui alguns "sins".

Fui encontrando pessoas que me apresentaram a outras, e fui expandindo esse capital social e financeiro para fazer a iniciativa acontecer. O Instituto nasceu em 2016 e começou com uma ‘euquipe’ pequena. Hoje temos mais de 30 funcionários, e o Instituto vai completar nove anos. Atuamos com educação antirracista para empresas, escolas, o governo e a sociedade em geral.

O POVO - Quando vocês começaram lá em 2016, qual a sua avaliação sobre a distância que ainda há na busca pela igualdade racial dentro do mercado de trabalho? O quanto a gente ainda está distante dessa igualdade e como podemos antecipar esse processo, para que não precisemos esperar 167 anos, tempo que vocês calcularam ser necessário no ritmo atual?

Luana Génot - O que eu acho importante a gente saber é que nunca foi fácil tratar dessa pauta. Falar sobre inclusão, crescimento econômico, união, e não sobre divisão, já está posto. A divisão já existe. A divisão é a 'Casa Grande' e a 'Senzala'. A divisão é a 'cara do chefe' e a 'cara da tia do café'.

Luana Génot, CEO do Instituto Identidades do Brasil, ressalta a comunicação como instrumento para que grupos sub-representados possam falar em primeira pessoas sobre suas respectivas realidades(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Luana Génot, CEO do Instituto Identidades do Brasil, ressalta a comunicação como instrumento para que grupos sub-representados possam falar em primeira pessoas sobre suas respectivas realidades

Essa divisão já está estabelecida. O que meu time e eu fazemos todo dia é tentar fazer com que esses dois mundos convivam de maneira mais igualitária, com mais acesso. Na atual conjuntura, se não houver mudanças, levará 167 anos para que a pessoa com a 'cara da tia do café' tenha o mesmo salário e as mesmas oportunidades que a pessoa com a 'cara do CEO'.

Isso mina o potencial econômico do Brasil, porque concentra as oportunidades nas mãos de poucas pessoas. E isso é ruim para todo mundo. O que acreditamos que pode ser feito, e onde o Brasil tem avançado, está nas ações afirmativas.

Quando tivemos, em 2010, o Estatuto da Igualdade Racial, quando foi instituída a Lei de Cotas e a Lei Maria da Penha, por exemplo. Como mencionei no início, temos um arcabouço legal importante que precisa ser efetivamente colocado em prática.

Se você pegar o Brasil, que tem dimensões continentais e diferentes realidades nos estados, você verá que essas leis avançam de formas diferentes e conseguem mais ou menos subsídios, dependendo do local.

Existem muitos estados com secretarias de igualdade racial, mas que, muitas vezes, não têm recursos suficientes para fazer essas leis avançarem de forma concreta.

No nosso papel institucional, o que nós tentamos fazer é ajudar a alavancar essa pauta. O governo e a sociedade civil são os responsáveis por essa pauta. Nosso papel é ser articulador, ajudando a pavimentar o caminho para que essa pauta continue avançando, independentemente de quem esteja no poder.

 

Nas empresas, acreditamos que conseguimos, ao longo desses anos, fazer com que mais delas colocassem a mão no bolso e investissem nesse tema.

Quando começamos, em 2016/2017, se falássemos sobre inclusão para uma empresa, ela geralmente pensava: "Tá, mas isso é de graça?" Ou então: "Vem aqui e fala para os meus funcionários, e eu te pago um Uber." Hoje, muitas empresas têm áreas dedicadas à diversidade, equidade e inclusão, e, apesar dos ataques a essas áreas, elas estão mais sólidas.

Eu acho que um dos maiores legados do Instituto foi fazer com que as empresas entendam que, para avançar nesse tema, elas precisam investir.

Em 2020, após o caso de George Floyd, houve um grande impulso nas empresas, principalmente nos Estados Unidos, mas é importante destacar que isso não se reflete de forma idêntica no Brasil. O que é dito nos Estados Unidos, muitas vezes, não afeta o Brasil da maneira que a gente acredita.

Protestos após a morte de George Floyd foram importante ponto de virada na luta antirracista nos EUA, no Brasil e no mundo(Foto: Spencer Platt/AFP)
Foto: Spencer Platt/AFP Protestos após a morte de George Floyd foram importante ponto de virada na luta antirracista nos EUA, no Brasil e no mundo

Embora o que ocorre lá tenha impacto no mercado financeiro, por exemplo, nem sempre as mudanças são sentidas de forma tão imediata aqui.

O que vemos é que a questão da diversidade nas empresas dos Estados Unidos avançou bastante após 2020, mas hoje a questão foi se arrefecendo entrou em um platô e está sendo atacada. Acredito que esse ataque faz parte de um movimento pendular da história, do discurso e do contra-discurso.

Isso significa que essa pauta chegou de fato à mesa de decisão, mas nem todos estão dispostos a apoiá-la. O que é normal. Existem sempre discursos e contra-discursos. A sociedade civil precisa continuar organizada para empurrar essa pauta para frente.

O POVO - O quanto na sua trajetória a questão da igualdade de gênero conversou com a questão da igualdade racial, até considerando o que sabemos sobre as dificuldades das mulheres negras se inserirem no mercado de trabalho e de galgarem posições nas empresas?

Luana Génot - A questão de gênero no Brasil está em descompasso, né? Quando analisamos o histórico das empresas nos últimos 10, 15 anos, das 500 maiores empresas, vemos que apenas 0,7% delas têm mulheres negras em cargos de liderança. Estou falando dos cargos de CEO ou correlatos.

Enfim, essa proporção já diz muito sobre a realidade do Brasil. Ao mesmo tempo, se você observar as empresas em termos dos investimentos que elas fizeram em programas de diversidade, equidade e inclusão, geralmente a pauta de gênero é a central onde as empresas mais investem.

Só que, hoje, essa pauta de gênero é vista, principalmente, sob o recorte de mulheres brancas, heterossexuais, cisgênero, sem deficiências, da área urbana e especialmente do Sudeste do Brasil. Esse não é, de fato, o retrato de todas as mulheres no Brasil.

Entrevista foi concedida ao repórter Adriano Queiroz, do O POVO(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Entrevista foi concedida ao repórter Adriano Queiroz, do O POVO

Eu acredito que exista a oportunidade de abordarmos essa pauta de forma mais plural, envolvendo uma maior diversidade de identidades femininas. Isso precisa ser feito de forma intencional.

Precisamos de programas de crédito, por exemplo, especificamente endereçados às necessidades de mulheres quilombolas, rurais, ribeirinhas, para que haja um direcionamento desses recursos a grupos de mulheres que ainda estão ficando para trás. Isso é o que chamamos de interseccionalidade, ou seja, tratar daquelas que estão sendo deixadas para trás.

É importante também ressaltar que, embora os programas de gênero tenham avançado nos últimos anos, as mulheres brancas, que tiveram maiores avanços dentro desse panorama, ainda têm seu potencial desperdiçado, o que também é um problema para o País.

São mulheres altamente educadas e com muitas competências, mas ainda assim têm seu potencial minado pela permanência de homens brancos, heterossexuais e cisgêneros em cargos de poder.

O POVO - Para fechar e não atrapalhar a sua agenda, vou falar justamente sobre isso: como você tenta equacionar essa agenda tão corrida com a vida pessoal e com os momentos de descanso?

Luana Génot - Boa pergunta. Geralmente, eu faço terapia. Acho que isso tem sido muito importante para mim nesse processo de comunicação, né? Não uso a comunicação apenas como uma ferramenta para fora, mas também para dentro, como um meio de autoconhecimento, de entender e de navegar em traumas e como tratá-los. Como dar nome ao que sinto e ao que não sinto.

Também planejo minhas pausas. Comecei este ano com pausas programadas, momentos em que vou descansar, sozinha ou com minha família. O contato com a natureza e a espiritualidade têm me ajudado, de modo imperfeito, mas têm sido essenciais para lidar com essa agenda cheia de propósito, que é muito fascinante para mim.

Sou absolutamente curiosa e apaixonada por pessoas, pelo contato, pelo olho no olho, por concordar, discordar, ouvir e aprender, mas também por cuidar da minha esfera pessoal, mais introspectiva. Então, quando posso, gosto de me isolar um pouco, ficar no meu cantinho, sem falar, em contato com a natureza, relaxando no meu cantinho para tentar equacionar tudo isso.

 


 

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