Filho do médico cirurgião Paulo Niemeyer Soares (1914-2004) - precursor da neurocirurgia no Brasil - e sobrinho do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012), o imortal da Academia Brasileira de Letras, Paulo Niemeyer Filho, herdou o nome do pai e também o seu talento.
Com um jeito modesto e centrado de quem pensa no legado dos trabalhos e dos avanços da ciência na atualidade, participou em Fortaleza de um simpósio direcionado a residentes de neurocirurgia, organizado pelo neurocirurgião Flávio Leitão.
Em entrevista ao O POVO, Paulo Niemeyer Filho, 73, considerado uma das maiores referências na área, ressaltou a necessidade de formar novas gerações e afirmou que "se faz muita bobagem com talento", destacando que na neurocirurgia é crucial ter estratégia.
O médico, presidente e fundador do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, que funciona no Rio de Janeiro, apresentou a um grupo de residentes de neurologia do Ceará a história e o crescimento dessa área da medicina no Brasil. Também destacou como o Sistema Único de Saúde (SUS) pode ser eficiente.
O Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, fundado por ele, é um bom exemplo disso. Com 12 anos de atividade, o hospital tem marcos importantes na sua história, como o tratamentos de doenças de alta complexidade pelo SUS, realizando até a separação de gêmeos siameses.
O pioneirismo de Niemeyer provavelmente tem um componente genético. O pai do médico, Paulo Niemeyer Soares, foi o introdutor da angiografia cerebral no Brasil (procedimento que usa cateteres, raios X e um líquido de contraste para visualizar os vasos sanguíneos do cérebro e pescoço, permitindo o diagnóstico de doenças como aneurismas e tumores).
Como o pai, Paulo Niemeyer Filho também é uma referência nacional e, recentemente, foi responsável por um procedimento cirúrgico no cantor Chico Buarque, para tratamento de uma hidrocefalia de pressão normal.
Especialista em cirurgias de tumores cerebrais, aneurismas e malformações, além de microcirurgias vasculares. Foi também um dos pioneiros, no Brasil, na técnica microcirúrgica para tratamento de nevralgia do nervo trigêmeo, responsável pela sensibilidade da face. No campo das letras, é autor dos livros O que é ser médico e No labirinto do cérebro.
Uma das suas preocupações atualmente é sobre a formação de novos profissionais: "Atualmente leva-se aproximadamente 20 anos para a formação de um neurocirurgião", reforça. Além disso, acredita que é preciso analisar a onda de pessimismo que tira o brilho e a esperança de muita gente de dias melhores no futuro. Confira alguns momentos da entrevista.
O POVO - Gostaria que o senhor falasse sobre seu pai. Carregar o nome dele é um privilégio ou um fardo em função das comparações?
Paulo Niemeyer Filho - Olha, sempre tive muito orgulho de ter o nome do meu pai. Acredito que isso influenciou muito para que eu fizesse Medicina na mesma especialidade dele. Andávamos muito juntos.
Meu pai foi um dos pioneiros da neurocirurgia brasileira - não o pioneiro, mas um dos primeiros. Naquela época, ele viajava muito para atender doentes em outros estados que não tinham neurocirurgiões. E eu, garoto, o acompanhava, carregando a malinha, e achava aquilo uma missão muito bacana.
O POVO - Qual a importância do trabalho dele?
Paulo Niemeyer Filho - Ele teve uma importância muito grande na medicina brasileira, pois modernizou a neurocirurgia. Nos anos 70, com o salto tecnológico mundial, surgiram a tomografia computadorizada, as unidades de terapia intensiva (que não existiam) e os microscópios cirúrgicos.
Meu pai foi pioneiro em trazer tudo isso para o Brasil. Criou os primeiros centros de treinamento de microcirurgia e divulgou as principais técnicas. Enfim, ele deu um passo que transformou a área, incentivando os neurocirurgiões a se aprofundarem no assunto.
Assim, a neurocirurgia brasileira, que estava distante da mundial, deu um grande salto e, atualmente, está equiparada a qualquer grande centro do mundo.
O POVO - O que o Dr. Paulo Niemeyer, do século XXI, sonha e espera atualmente?
Paulo Niemeyer Filho - Sonho em ver o Brasil tomar jeito. Sonho em ver os brasileiros mais felizes, menos distantes dos seus governantes.
Nas últimas décadas houve um distanciamento e um certo pessimismo em relação ao progresso de um país tão poderoso e rico, que avança apesar dos seus governantes. Gostaria que meus netos tivessem o Brasil que pensei que fosse ver.
O POVO - E o Instituto do Cérebro, o que o senhor sonha para ele agora?
Paulo Niemeyer Filho - Minha preocupação até agora era que ele se firmasse, pois as coisas no Brasil são muito rápidas e efêmeras. Eu temia que fosse um voo curto, mas estou cada vez mais seguro de que será longo. Ele tem ganhado cada vez mais reconhecimento da população e é um orgulho para os cariocas. Vejo que valeu a pena.
O POVO - O Instituto do Cérebro já tem mais de 12 anos. Como surgiu a ideia de sua criação?
Paulo Niemeyer Filho - O Instituto do Cérebro foi criado com base em duas principais razões. A primeira é que o Rio de Janeiro possui uma rede de emergência muito grande e bem conhecida. Todos sabem para onde ir em caso de acidente. No entanto, para casos eletivos de alta complexidade, era mais difícil. Essa foi, então, uma das primeiras razões.
A segunda razão foi a racionalidade econômica. Hoje, a tecnologia é tão cara que não é possível ter todos os estudos e equipamentos em todos os hospitais. Já existia um precedente de sucesso, o Instituto do Coração de São Paulo.
Ele se tornou um centro especializado em cardiologia, que concentrou toda a tecnologia para cirurgias cardíacas e alavancou a especialidade no cenário nacional. Os jovens cardiologistas se formaram muito bem lá.
O POVO - O Instituto do Cérebro é atualmente uma referência…
Paulo Niemeyer Filho - O Instituto do Cérebro se tornou uma referência para casos complexos, como cirurgias de epilepsia, de base de crânio e tumores em crianças. Enfim, toda essa parte que é programada e que concentrou uma tecnologia que não seria possível dispersar.
O POVO - Vocês conseguiram equipamentos de ponta?
Paulo Niemeyer Filho - Os microscópios cirúrgicos que usamos custam um milhão de dólares cada. Não há como todos os hospitais terem um equipamento desses para realizar apenas uma cirurgia por semana. Temos cinco em cada uma das cinco salas, e realizamos dez cirurgias por dia. Assim, justifica-se ter um equipamento desse porte.
Temos também o Gamma Knife, um aparelho sueco de radiocirurgia que realiza radioterapia de muita precisão, serve apenas para o cérebro e custa sete milhões e meio de dólares. Ele é o único no serviço público no Brasil.
Existem apenas três no país, sendo dois em clínicas privadas e este do SUS, que atende o Brasil inteiro. É um exemplo de concentração de tecnologia e de otimização da utilização.
O POVO - E como funciona o modelo de gestão?
Paulo Niemeyer Filho - Temos um diferencial no modelo de gestão: ele é público-privado, o que oferece grande agilidade na contratação e na compra de equipamentos. Esse modelo também possui metas. Somos auditados mensalmente para verificar o número de cirurgias realizadas, o tempo de internação dos pacientes, as complicações e as infecções.
Tudo isso é acompanhado e auditado, e deve estar dentro dos padrões internacionais. Caso não cumpramos as metas (já que o governo fornece o orçamento e é preciso cumpri-las dentro dele), as equipes podem ser substituídas.
Isso confere ao hospital muita agilidade, e conseguimos realizar dez cirurgias por dia, totalizando mais de duas mil por ano. São apenas casos eletivos e cerebrais, pelo SUS. Fantástico, não é? E de alta complexidade.
O POVO - E vocês formam muitos profissionais também?
Paulo Niemeyer Filho - Sim. Criamos uma residência médica. Temos residentes, estagiários, pós-graduandos, mestrandos e doutorandos. O Instituto se tornou praticamente um hospital de ensino. Não poderíamos realizar duas mil cirurgias por ano e parar por aí.
Preferimos gerar conhecimento e contribuir para a formação de jovens. Por isso, temos atividades acadêmicas, reuniões diárias e recebemos estagiários de todo o Brasil e do exterior. Enfim, é um hospital que tem dado muito certo e é o único hospital do cérebro no mundo.
Existem outros institutos do cérebro no Brasil, mas todos são voltados para pesquisa e neurociências, não para receber pacientes e oferecer atendimento assistencial.
O POVO - Aumentou o número de casos ou o número de diagnósticos de tumores cerebrais?
Paulo Niemeyer Filho - É difícil dizer. Essa é uma pergunta que sempre fazemos. É difícil saber se hoje há um aumento real ou se há apenas uma facilidade para o diagnóstico. E essa dúvida persiste, não só em relação às doenças cerebrais, mas também aos cânceres em geral.
Por que alguns aumentam? Será que agora estamos dando mais atenção e realizando mais diagnósticos? É difícil fazer essa análise com segurança. Isso é algo a ser pesquisado. Existem perguntas que ainda não conseguimos responder: por exemplo, se o telefone celular pode causar câncer.
A pessoa fica o dia inteiro com ele no ouvido, exposta àquela radiação, àquela radiofrequência, àquelas ondas. Existem vários trabalhos que mostram que não, mas há sempre alguém que questiona. Portanto, é a mesma situação em relação à pergunta sobre o aumento dos casos de câncer. São questões que ainda não foram provadas em nenhuma direção.
O POVO - O senhor acredita que hoje passamos por um "terrorismo" na área da saúde, tanto do ponto de vista alimentar, quanto dos cuidados? Com essa cultura do bem-estar, parece que quanto mais falamos sobre isso, mais temos medo de tudo.
Paulo Niemeyer Filho - Sim, sem dúvida. Mas há um lado positivo, que é a conscientização de que a saúde requer exercícios e atividades. Basta olhar para o ano de 1900. Na época, a idade média do brasileiro era de trinta e poucos anos. Hoje, estamos em setenta e tantos.
Assim, não só os cuidados sanitários e as vacinas contribuíram para isso, mas também essa consciência de que é preciso se cuidar e parar de fumar. Essas ações ajudam a melhorar a qualidade de vida, a longevidade e assim por diante. Hoje, quando olhamos para nossos pais, eles pareciam "velhinhos". Atualmente, as pessoas envelhecem bem.
O POVO - Pelo menos uma parte delas ou aqueles que têm acesso a todo esse conhecimento, tratamento, cuidado...
Paulo Niemeyer Filho - Acredito que o mais importante para o envelhecimento saudável é a autoestima. Se a pessoa não tem autoestima, não está feliz ou não tem projetos, isso pode levar à depressão e à piora da qualidade de vida. É preciso ter desafios.
Devemos viver como um elástico esticado: acordar pela manhã com um projeto a ser resolvido. Acredito que isso é fundamental para a saúde mental: estimular a mente, a cognição. É preciso "lubrificar" suas conexões; se não as utiliza, elas enferrujam. Portanto, é necessário manter o cérebro sempre em funcionamento.
O cérebro é um órgão dinâmico, não é estático. Quando você está aprendendo uma nova língua ou uma nova habilidade, está desenvolvendo novos circuitos, novas conexões, e é isso que mantém o cérebro em boa atividade. Para isso, você precisa ter projetos, desafios e estar com alguma preocupação em mente - é isso que o leva longe.
O POVO - O senhor mencionou que os pais de antigamente eram os "velhinhos" e que hoje não somos mais "velhinhos". Há uma questão da longevidade muito séria, que é o Alzheimer.
Paulo Niemeyer Filho - Com o aumento da nossa longevidade, essas doenças surgiram. Na Idade Média, não havia tempo para desenvolver Alzheimer, mas hoje ele se manifesta. Não só o Alzheimer, como o Parkinson e outras doenças neurodegenerativas, que representam um grande desafio.
Acredito que não estamos mais buscando apenas a longevidade, mas a qualidade de vida. Hoje, uma pessoa chegar a 100 anos não causa nenhuma surpresa. Lembro-me de quando era jovem: quando alguém completava 100 anos, era notícia de primeira página.
Assim, hoje precisamos ter qualidade de vida, conseguir evitar o Alzheimer e essas doenças neurodegenerativas, e acredito que isso é uma questão de tempo.
O POVO - O senhor fala em avanços em medicamentos e cirurgia?
Paulo Niemeyer Filho - Acredito que estamos em um momento em que a cirurgia, que é o primeiro tratamento do câncer, chegou a um certo limite. Ela progrediu muito com o surgimento da tomografia e o desenvolvimento da ressonância, e passamos a praticar uma medicina baseada em imagens. Hoje, qualquer pequena dor justifica a realização de uma imagem.
No entanto, isso atingiu um limite, pois só é possível operar o que se vê. E, hoje em dia, tudo o que se vê pode ser tratado, já que não há mais limitações de equipamentos, iluminação ou microscópios poderosos. O problema atual não é mais a remoção, pois não há nenhum lugar do crânio ou do cérebro que não possa ser atingido. O desafio é como evitar que a doença retorne.
Esbarramos na biologia. Estamos entrando em uma era do que não vemos: a imunologia e a genética. Hoje, os tratamentos de imunoterapia já estão obtendo um sucesso enorme para alguns cânceres que chegam a desaparecer.
Acredito firmemente que, nas próximas décadas, haverá uma grande redução da cirurgia de cânceres na oncologia, porque a terapia-alvo (imunoterapia) substituirá a maior parte desses tratamentos. Uma vez que se consiga evitar o retorno da doença, ela desaparecerá antes da necessidade de intervenção cirúrgica.
O POVO - O grande desafio do Brasil é a falta de dinheiro para investir em tudo isso? É a quantidade de pessoas demandando saúde ou a ausência de prevenção? Onde, na sua visão, reside o principal desafio?
Paulo Niemeyer Filho - Olha, a coisa mais importante que já se fez no Brasil foi o SUS. Contudo, o país é enorme, e não existe um sistema de saúde universal como o do Brasil em uma nação desse porte.
Que funcione na Inglaterra, tudo bem - a Inglaterra é do tamanho de São Paulo. Mas, em um país do tamanho do Brasil, nunca teremos um serviço perfeito, pois cada região tem necessidades diferentes.
Acredito que, além do problema da subvenção, há o problema da gestão. Como eu estava dizendo sobre o Instituto do Cérebro, precisamos ter gestões mais eficazes e modernas. O problema é, principalmente, uma soma de gestão ineficaz com baixo investimento. E isso é complicado.
Precisamos de formação ética, moral e técnica. E, principalmente, uma decisão política. Quando o Brasil teve uma inflação de mil por cento ao ano, quase cem por cento ao mês, isso um dia incomodou a todos, e todos se reuniram e disseram: "Vamos acabar com isso!".
Criou-se o Plano Real, e, de um mês para o outro, a inflação no Brasil acabou. Mas foi uma decisão política em que todos estavam focados em resolver o problema. Portanto, se tivermos o mesmo tipo de decisão em relação à educação, à medicina e ao SUS, teremos uma melhora espetacular, e este país avançará.
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