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De limites à Justiça a bloqueio de consoles: diretrizes da Nintendo levantam debates legais
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Wanderson Trindade é coordenador da Central de Dados e repórter do O POVO+, com uma paixão declarada por contar as histórias de quem faz a indústria dos jogos eletrônicos acontecer. Especializado na cobertura do universo dos games no Ceará, no Brasil e no mundo, acompanha de perto tanto o cenário competitivo quanto o desenvolvimento de jogos. Autodescrição: Homem pardo de cabelos ondulados, Wanderson aparece na foto usando óculos e fones de ouvido, com um sorriso no rosto que traduz sua energia e entusiasmo pelo tema.

De limites à Justiça a bloqueio de consoles: diretrizes da Nintendo levantam debates legais

Empresa atualizou termos de uso, autorizando inutilização de contas e consoles por descumprimento das regras. Cláusulas impedem ações coletivas e impõem arbitragem individual de disputas. Especialista aponta incompatibilidade com o Código de Defesa do Consumidor e a LGPD
Empresa atualizou termos de uso, autorizando inutilização de contas e consoles por descumprimento das regras (Foto: Nintendo)
Foto: Nintendo Empresa atualizou termos de uso, autorizando inutilização de contas e consoles por descumprimento das regras

Na iminência do lançamento de seu novo console, a Nintendo atualizou seu Contrato de Licença de Usuário Final (Eula) e trouxe mudanças que têm gerado forte discussão entre consumidores e especialistas jurídicos no Brasil. A nova versão do contrato permite à empresa inutilizar consoles e contas vinculadas por violação de termos, mesmo sem critérios objetivos definidos.

Cláusulas inseridas recentemente também buscam impedir ações coletivas e restringir disputas judiciais a processos de arbitragem individual, o que levanta questionamentos sobre sua validade à luz da legislação brasileira.

As mudanças foram implementadas globalmente, com adaptações regionais. No Brasil, os termos destacam que a Nintendo pode “negar, bloquear ou cancelar sua conta e quaisquer contas associadas por qualquer motivo”.

Já nos Estados Unidos e Reino Unido, os documentos reforçam a proibição de engenharia reversa, emulação, redistribuição e outros usos não autorizados, além da gravação temporária de voz e vídeo nos chats do Game Chat, recurso previsto para o Switch 2.

Nas atualizações, Nintendo também informa que pode gravar voz e vídeo em partidas online, mediante consentimento do usuário(Foto: Reprodução / Nintendo)
Foto: Reprodução / Nintendo Nas atualizações, Nintendo também informa que pode gravar voz e vídeo em partidas online, mediante consentimento do usuário

De acordo com o advogado Helio Brogna Coelho Zwicker (@advesports), especialista em direito dos games, e-sports e entretenimento, diversas cláusulas presentes no novo Eula podem ser consideradas abusivas no Brasil.

“O artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) considera nulas as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou permitam ao fornecedor agir de forma arbitrária”, afirma. Segundo ele, permitir à empresa inutilizar um console ou conta por qualquer motivo viola princípios de boa-fé e de transparência exigidos pelo CDC.

Trecho da diretriz da Nintendo informando a possibilidade de inutilizar um console ou conta(Foto: Reprodução / Nintendo)
Foto: Reprodução / Nintendo Trecho da diretriz da Nintendo informando a possibilidade de inutilizar um console ou conta

Outro ponto levantado é a cláusula que impede o ajuizamento de ações coletivas, exigindo arbitragem individual para resolução de disputas. A medida é válida nos Estados Unidos, mas encontra limitações no Brasil.

“A proibição de ações coletivas e a imposição de arbitragem individual violam o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 5º da Constituição Federal”, explica Zwicker. A Lei de Arbitragem brasileira exige ainda que essa forma de resolução seja aceita de forma expressa e específica – algo que nem sempre ocorre em contratos digitais.

A atualização também autoriza a gravação de voz e vídeo em partidas online, mediante consentimento do usuário. No entanto, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) exige que o uso dessas informações seja proporcional, transparente e com finalidade específica. Para o advogado, a ausência de detalhamento sobre o uso e o tempo de retenção dos dados pode caracterizar violação à LGPD e resultar em sanções pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Zwicker também chama atenção para o prazo de 30 dias imposto pela Nintendo para que o usuário recuse a cláusula de arbitragem, sendo necessário o envio de correspondência física à sede da empresa, geralmente fora do País. “Exigir envio internacional de uma carta, com custos e barreiras linguísticas, impõe ônus excessivo ao consumidor, o que pode ser considerado abusivo”, afirma.

O especialista destaca que o contrato da Nintendo, como o de outras plataformas de jogos digitais, trata os produtos como licenças de uso, e não propriedade do consumidor. Isso é juridicamente aceito, desde que informado de forma clara. Entretanto, o direito da empresa de revogar o acesso de maneira unilateral, sem justa causa, pode ser alvo de contestação judicial.

A atualização dos termos surge em um contexto de intensificação das políticas antipirataria e coincide com o histórico de ações judiciais movidas contra a empresa, como as que trataram do problema de "drift" nos controles Joy-Con. À época, a Nintendo enfrentou processos coletivos nos Estados Unidos, que foram rejeitados. Agora, as novas cláusulas buscam limitar o surgimento de litígios semelhantes.

Segundo o advogado, consumidores que se sentirem prejudicados podem recorrer a órgãos de defesa, como o Procon, além de associações civis e da via judicial. Ele afirma que há jurisprudência no Brasil reconhecendo a abusividade de cláusulas contratuais semelhantes em plataformas digitais, com decisões que resultaram em indenizações e ajustes nos contratos.

A mudança nas diretrizes da empresa acontece em meio a um contexto de expectativa sobre o lançamento do mais novo console da marca, o Nintendo Switch 2. O videogame será vendido no Brasil por R$ 4.499,90 e estará disponível no País a partir 5 de junho, mesma data do lançamento mundial.

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