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Novos hábitos: Consumo consciente e descarte correto para mitigar danos ambientais
Reportagem Seriada

Novos hábitos: Consumo consciente e descarte correto para mitigar danos ambientais

No segundo e último episódio da série "Meio Ambiente, cidades e pessoas", especialistas defendem novos modelos de consumo e descartes corretos por parte da população e das indústrias com produções mais sustentáveis
Episódio 2

Novos hábitos: Consumo consciente e descarte correto para mitigar danos ambientais

No segundo e último episódio da série "Meio Ambiente, cidades e pessoas", especialistas defendem novos modelos de consumo e descartes corretos por parte da população e das indústrias com produções mais sustentáveis
Episódio 2
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O planeta tem reagido aos excessos da população. A falta de consciência e da educação ambiental também agravam os problemas climáticos. O descarte de resíduos sem coleta seletiva e de lixos em meio às ruas, nos rios e nos mares de capitais e municípios prejudicam o dia a dia e o desenvolvimento ordenado das cidades.

E tudo isso desequilibra o meio ambiente e o ecossistema, retorna para população em forma de inundações, doenças e piora na qualidade de vida. O economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), André Braz, afirma notar um crescimento no nível de consciência, mas ainda falta um longo caminho a ser percorrido.

“Essa consciência ambiental não é só de não jogar lixo na rua, é também de fazer boas opções para o mundo. Comprando equipamentos que demandam menos energia, carros que poluam menos ou mesmo não ter carro. Privilegiando o transporte a pé, por bicicleta ou outros meios. E, ainda, evitar produtos que tenham muitas embalagens e aumentam o número de resíduos e que vão gerar um maior impacto ambiental”, analisa.

Pessoas têm optado por caminhar e andar de bicicleta em relação a utilização de automóveis que são mais poluentes(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Pessoas têm optado por caminhar e andar de bicicleta em relação a utilização de automóveis que são mais poluentes

Segundo o economista, as pessoas estão cada vez mais exigentes e exigindo que as indústrias demonstrem esse compromisso com a sustentabilidade e responsabilidade social.

“Existem, por exemplo, investidores que não compram ações de empresas que não tenham responsabilidade ambiental. Então, é um diferencial que já existe e pode crescer ainda mais”, observa.

Já a consultora de Marketing e colunista do O POVO, Gal Kury, reforça que há cerca de duas décadas a pauta sobre modelos sustentáveis de consumo vem ganhando corpo no cenário mundial e nacional. Um grande impulsionador, segundo ela, é o modelo de gestão ESG - ambiental, social e de governança.

Consumidores estão tomando consciência e buscam marcas socialmente e ambientalmente responsáveis na hora da compra(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Consumidores estão tomando consciência e buscam marcas socialmente e ambientalmente responsáveis na hora da compra

“À medida que a demanda do consumidor se desloca para marcas sustentáveis e éticas, as empresas alinham sua mensagem com suas práticas ESG para atrair esse público, refletindo a importância do consumo orientado por valores”, diz Gal Kury.

Para ela, ao integrar os princípios ESG ao marketing as empresas garantem alinhamento com padrões éticos contemporâneos, fortalecendo seus relacionamentos com consumidores, o que não apenas melhora a imagem da marca, mas também cria conexões mais profundas com a sociedade.

Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Sustentabilidade e Opinião Pública, revela que 81% dos brasileiros adotam hábitos sustentáveis relacionados à conservação do meio ambiente no dia a dia, embora ainda haja espaço para expansão do consumo sustentável. Em 2022, eram 74%.

Nos supermecados consumidores devem pesquisar quais embalagens são melhores e se adaptam ao seu estilo de vida(Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Nos supermecados consumidores devem pesquisar quais embalagens são melhores e se adaptam ao seu estilo de vida

O mesmo estudo da CNI revela que 62% consideram difícil encontrar produtos sustentáveis em lojas e 45% não verificam se o produto que vão comprar foi produzido de forma ambientalmente sustentável.

Os principais entraves para práticas sustentáveis apontados foram falta de campanhas de conscientização (19%), hábitos ruins (15%) e desconhecimento (15%).

O economista André Braz destaca que entre os novos modelos que as indústrias estão usando para impactar menos o meio ambiente está o conceito economia circular, que envolve o redesign de produtos, no sentido de aumentar a maturidade, durabilidade, capacidade de reparo desses bens.

“Isso diminui o uso de novas matérias-primas. E à medida que a vida útil de um determinado equipamento aumenta, permitindo uma manutenção nele, também diminui o consumo de itens que acabam virando lixo”, detalha.

Indústria de refrigerantes tem investido na logística reversa(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Indústria de refrigerantes tem investido na logística reversa

Outro ponto que o especialista levanta é a questão da embalagens reutilizadas e recicláveis. Como exemplo, cita o reaproveitamento de uma garrafa de refrigerante, evitando o descarte e diminuindo a necessidade de reciclagem de material que consome energia e tempo.

Já a logística reversa facilita a coleta e o retorno do produto para reutilização. O que diminui o acumulo de lixo em aterros sanitários, facilita a reciclagem e o descarte adequado de bens.

Confira dados do mercado de reciglagem no Brasil

A redução da poluição ou o controle das emissões também são vistos pelo economista como um ponto-chave deste novo momento nas indústrias.

“As empresas estão adotando tecnologias para capturar e reduzir emissões de poluentes atmosféricos. Assim como o uso de monitoramento ambiental, sistema que acompanha o impacto das operações das empresas. E, ainda, a compensação ambiental, investindo em projetos de reflorestamento e preservação do meio ambiente”, destaca Braz.

Gal Kury traz, ainda, o modelo de recommerce, ou recomércio, e diz que o mercado de itens de segunda mão deve crescer 11 vezes mais rápido do que o varejo tradicional nos próximos cinco anos.

Segundo a ThredUp, uma das maiores plataformas de recomércio do mundo, o faturamento dessa modalidade pode chegar a 77 bilhões de dólares em 2025. “Gigantes do varejo, como Amazon, já faz um tempo que estão vendendo livros, tablets, eletrônicos e smartphones usados”, exemplifica.

A Susclo usa a tecnologia a favor da revenda de peças de segunda mão (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS A Susclo usa a tecnologia a favor da revenda de peças de segunda mão

A consultora de marketing ainda destaca outra tendência que é o Lowsumerism, união das palavras low, baixo em inglês, e consumerism, consumismo que consiste em repensar o hábito de comprar. Ter um consumo consciente e consumir menos e ter o que realmente é necessário.

"Movimento que incentiva os consumidores a buscar produtos duráveis e bem-feitos, reduzindo substituições frequentes e o desperdício, focando em itens essenciais e eliminando excessos. E por fim, porém não menos importante, o Consumo Ético, que inclui a compra de produtos feitos com práticas trabalhistas justas e recursos sustentáveis", finaliza.

 

 

Consumidor deve analisar o seu perfil na hora da compra

Outra questão que chama atenção na hora das compras são as embalagens reduzidas e sua viabilidade. O economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), André Braz, avalia que elas são indicadas em casos dos produtos perecíveis, pois evita o desperdício.

Já produtos não perecíveis, como o caso de produtos de limpeza, embalagens maiores podem ser mais econômicas, porque você usa o produto por longo prazo e. quanto mais você compra, menos você paga por unidade.

“A comparação de preço é crucial, sendo a principal estratégia do consumidor, pois cada um tem o seu próprio hábito na hora de comprar. Se ele comparar diferentes tamanhos de embalagem, dá para saber qual oferece a melhor vantagem. Nem sempre a maior embalagem é a mais barata por unidade. Aproveitar promoções e ofertas também é uma saída”, alerta.

Embalagens menores devem ser consumidas, especialmente, em produtos perecíveis(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Embalagens menores devem ser consumidas, especialmente, em produtos perecíveis


Para não comprar itens desnecessários, ele aconselha fazer uma lista antes de ir ao local de compra e sempre escolher com antecedência, sendo estes hábitos importantes para um consumo mais consciente.

Nas compras on-line, ele diz que é sempre preciso considerar o preço do frete e a quantidade de itens a serem comprados. Nas lojas físicas, deve-se ficar de olho na distância entre a casa do consumidor e as lojas.

Em relação ao meio ambiente, embalagens menores normalmente geram menos resíduos, assim como embalagens que permitem a reutilização ajudam muito a reduzir o impacto ambiental.

"Algumas redes de supermercados possibilitam que, após a compra do produto, o consumidor descarte a embalagem lá mesmo. Isso é uma medida interessante, porque você reduz o volume de resíduo, impede a contaminação daquele papel e viabiliza um tipo de reciclagem menos rigorosa, recuperando aquela embalagem mais rapidamente. Isso tudo tem inúmeros benefícios econômicos", observa o economista.

 

Mercado da beleza aposta em novas embalagens e preservação ambiental

Referência no Brasil quando o assunto é sustentabilidade, a Natura tem um modelo de negócio enraizado no compromisso com a sustentabilidade ambiental, incluindo a luta contra a perda da biodiversidade, a promoção de uma economia regenerativa e a valorização dos serviços ecossistêmicos, conforme informa a diretora de Sustentabilidade de Natura &Co América Latina, Angela Pinhati.

"A Natura e Avon já alcançaram um marco notável, com 97,1% de suas fórmulas enxaguáveis sendo biodegradáveis e 95% dos produtos Natura classificados como veganos. Além disso, 87,8% do material de nossas embalagens na América Latina são reutilizáveis, recicláveis ou biodegradáveis. Celebramos mais de quatro décadas de implementação de refis, o que nos permitiu evitar a geração de 2.131 toneladas de resíduos e a emissão de 5,4 mil toneladas de gases de efeito estufa apenas no último ano", comemora.

Angela conta que recentemente lançaram o conceito de regeneração à estratégia corporativa para promover a biodiversidade e restaurar ecossistemas. Tudo começou com a adoção da agricultura regenerativa, definindo metas ambiciosas para a certificação de ingredientes com essas características até 2030.

Processo de produção e logística de sabonetes em barra da Natura no Ecoparque em Benevides, Pará(Foto: Ygor Negrão/ Cabron Studios/Divulgação Natura)
Foto: Ygor Negrão/ Cabron Studios/Divulgação Natura Processo de produção e logística de sabonetes em barra da Natura no Ecoparque em Benevides, Pará

"Implementamos também avaliações-piloto alinhadas às normas da Union for Ethical BioTrade (UEBT). Um exemplo prático dessa filosofia é o nosso novo produto, o Natura Ekos Concentrado de Castanha, que utiliza 100% de plástico coletado de regiões ribeirinhas, fomentando a economia circular e reduzindo o desperdício", comenta.

Em relação à atuação na Amazônia, em 2023 foram investidos R$ 42,8 milhões na região, conservando 2,2 milhões de hectares de floresta e beneficiando mais de 10 mil famílias.

Além disso, o Programa Carbono Circular investiu cerca de R$ 15 milhões em projetos de compensação de carbono, com 33% das compensações de emissões sendo realizadas através de iniciativas na região.

Sobre os materiais de embalagens, ela declara que priorizam o uso de plásticos biopolímeros e materiais reciclados pós-consumo. "Sendo que na marca Natura fechamos o ano de 2023 com 21,78% de plástico pós-consumo reciclado comparado ao total consumido", informa.

Vanildo Quaresma, agroextrativista da cooperativa familiar e presidente da Cofruta, em Abaetetuba (PA), é parceiro da Natura(Foto: Mariana Almeida/ Cabron Studios/Divulgação Natura)
Foto: Mariana Almeida/ Cabron Studios/Divulgação Natura Vanildo Quaresma, agroextrativista da cooperativa familiar e presidente da Cofruta, em Abaetetuba (PA), é parceiro da Natura

Visando o futuro, Angela conta que a marca está comprometida com uma gestão proativa do ciclo de vida dos produtos, realizando mapeamentos detalhados dos processos produtivos e identificando oportunidades de mitigar impactos ambientais ao longo da cadeia de valor.

"Uma das nossas ferramentas-chave é a Calculadora Ambiental, que auxilia os pesquisadores a prever e quantificar o impacto ambiental dos produtos em desenvolvimento. No âmbito da logística reversa, nosso Programa Natura Elos, criado em 2017, tem fortalecido as cadeias de reciclagem de plástico, vidro e papel. Este programa promove a capacitação de fornecedores e o desenvolvimento das cooperativas de catadores, melhorando a eficiência e sustentabilidade do processo.

De acordo com Angela, a meta é usar 100% de materiais reutilizáveis, refiláveis, recicláveis ou compostáveis nas embalagens até 2030. 

 

 

Empresa de tecnologia aposta em redução do lixo eletrônico

O lixo eletrônico, conhecido também por E-lixo e resíduos de equipamento eletroeletrônico (REEE) também preocupa os ambientalistas, já que são ainda mais difíceis de serem descartados do que os resíduos secos e os orgânicos.

Entram nessa categoria produtos elétricos e eletrônicos quebrados, danificados ou sem utilidade e até pilhas descarregadas. Em geral, eles são jogados no lixo comum e vão parar nos aterros sanitários ou ficam esquecidos pela casa. Porém, eles podem ser reciclados e transformados em outras matérias-primas.

Os componentes desses aparelhos são, em geral, feitos de plástico, vidro e metais. No processo de reciclagem, os equipamentos descartados são desmontados e as partes transformadas em matéria-prima para a indústria.

Sonah Lee, head de Marketing e ESG da LG do Brasil, informa que há muitos anos a LG trabalha para criar, em âmbito global, um desenvolvimento sustentável em todo o ciclo dos produtos, engajando colaboradores, consumidores e parceiros. 

A empresa está focada em duas áreas principais: '3Cs' para o planeta, que em inglês são carbon neutrality (neutralidade de carbono), circularity (circularidade) e clean technology (tecnologia limpa); e '3Ds' para pessoas, design for all (design para todos), delightful workplace (ambiente de trabalho agradável) e diversity & inclusion (diversidade e inclusão).

Reciclagem: taxa de recuperação


"Assim, a empresa se compromete em desenvolver produtos com o menor impacto ambiental e com produção mais sustentável. Contamos com diretrizes de design de embalagens verdes para televisões e regras específicas para outros grupos de produtos", destaca.

Dessa forma, a marca avalia se as embalagens seguem os 22 termos de verificação, que incluem redução do volume e peso das embalagens, otimização da eficiência logística, utilização mínima de substâncias perigosas, constantes da diretriz ou não, bem como o uso de madeira certificada.

As caixas são feitas de celulose composta por pelo menos 50% de papel reciclado, e os papéis de embalagem, pelo menos 80%.

Também incentivam fornecedores a utilizarem papéis de embalagem certificados pelo Forest Stewardship Council (FSC) ou pelo Programme for the Endorsement for Forest Certification Schemes (PEFC). 

Marca LG aposta em economia circular e embalagens verdes para televisões(Foto: Daniel Valenti Fotografia/ Divulgação LG)
Foto: Daniel Valenti Fotografia/ Divulgação LG Marca LG aposta em economia circular e embalagens verdes para televisões


A executiva revela que no último ano, as instalações daempresas em todo o mundo registraram uma redução de 22 milhões de toneladas de emissões diretas e indiretas de gases de efeito estufa em relação ao ano anterior, somando 92,7 milhões de toneladas.

Além disso, a fábrica em Manaus (AM) bateu a meta da companhia de usar apenas energia renovável. O objetivo é usar energia de fontes naturais em todas as unidades de negócios globais da LG até 2050. 

Entre as novidades apresentadas pela marca no Brasil está a nova linha de TVs LG OLED evo. A letra “O” de OLED significa organic LED.

Material recuperado em 2023 x meta

"O processo de produção de todos os modelos OLED reduziu em 50% o peso padrão do equipamento. Na parte traseira do produto foi substituída uma parte do alumínio por 30% de fibra pet. Alcançando uma redução de 33% de emissões de CO2 no transporte e expandindo a sua logística reversa, o que representa um grande avanço em escala global", informa.

Além disso, as embalagens desta linha são totalmente pardas e usam uma tecnologia de impressão em tinta branca, sem qualquer material tóxico em seu composto, para não impactar no meio ambiente e nem na saúde dos coletores de materiais recicláveis que manipulam as caixas no processo de descarte.

Na última década, a LG tem estabelecido uma prática que combina benefícios tanto para o meio ambiente quanto para o consumidor. Um exemplo é a substituição do LED na parte traseira da TV por pixels que se auto iluminam.

Veja onde estão as pessoas que mais reciclam

"Essa tecnologia aumenta a durabilidade do produto e reduz o consumo de energia. Como as TVs LG OLED evo possuem muitas funcionalidades e grande durabilidade, naturalmente gera uma redução do excesso de lixo eletrônico", ressalta Sonah.

Que complementa: "Buscamos liderar a indústria em termos de reciclagem de lixo eletrônico. No Brasil, uma das iniciativas é a parceria com a Associação Brasileira de Reciclagem de Eletroeletrônicos e Eletrodomésticos (Abree), responsável pela gestão da logística reversa de produtos pós-consumo. Dessa forma, buscamos engajar e facilitar o acesso dos nossos consumidores aos mais de 4 mil espaços de coleta, presentes em mais de 1,3 mil municípios dos 26 estados brasileiros e o Distrito Federal", destaca.

Como estratégia, a marca vai informar e conscientizar as pessoas sobre os benefícios do descarte correto de eletrodomésticos e eletrônicos.

"Mais do que atender as metas de logística reversa, que regulamentam o segmento, a marca entende que é preciso envolver do colaborador ao consumidor, introduzindo a prática na rotina dos brasileiros. A LG se compromete em desenvolver produtos com o menor impacto ambiental, também estimula seus consumidores a fazerem o descarte correto dos equipamentos que não utilizam mais. Assim, todos colaboram para um planeta mais sustentável", finaliza.


 

 

 Economia circular ressignificando vidas

Aos 42 anos, casado e com quatro filhos, Francisco José Queiroz da Silva, que prefere ser chamado de Chiquinho, vive uma nova etapa na sua vida profissional há cerca de um ano.

Após passar mais de 28 anos como catador do aterro no município de Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza, ele está atuando como agente de reciclagem no Beach Park, trabalhando com reciclagem.
Sua expertise e contato diário com o lixo e resíduos trouxeram muitos momentos marcantes.

“Entravámos no aterro por volta das 17h30 e passávamos a noite todinha lá. Nossa fonte de iluminação era uma vela dentro de uma lata ou uma lanterna porque lá não tinha iluminação”, recorda-se. 


Empresa Beach Park realiza coleta seletiva em seu complexo e recicla os materiais coletados(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Empresa Beach Park realiza coleta seletiva em seu complexo e recicla os materiais coletados

A remuneração era só nos dias em que ia trabalhar o que rendia, se fosse todos os dias cerca de R$ 500 por semana. “O trabalho lá era meio arriscado e não tinha proteção nada”, comenta.

Antes de trabalhar diretamente no equipamento turístico de Aquiraz ele foi prestador de serviço de duas empresas terceirizadas do parque até que veio o convite.

Entre as diferenças da nova vida cita a remuneração certa e a segurança. “Saio de casa sabendo que terei um salário certo, que não estarei sozinho e que não é perigoso. Eu sempre gostei de trabalhar com reciclagem por causa de dois motivos: ajuda o meio ambiente e ajuda a gente”, diz.

Perfil dos catadores no Brasil

Ao todo, trabalham com o Chiquinho outros cinco ex-catadores autônomos da região, em uma equipe de 11 pessoas que cuidam do descarte correto e da reciclagem de 98% do que é produzido de descarte do parque, restaurantes e hotéis do Beach Park.

“Os resíduos de boias e tapetes dos brinquedos doamos para uma empresa parceira que transforma em chinelos e esses produtos voltam para serem vendidos em nossas lojas ou até mesmo brindes e doações sociais”, diz Raíssa Bissol, gerente de Sustentabilidade do Beach Park.

Eles estão avançando nesse projeto que utiliza como base a economia circular e os fardamentos estão sendo reaproveitados para fazerem as embalagens dos chinelos.

Coleta seletiva no complexo Beach Park (Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Coleta seletiva no complexo Beach Park

“Faremos uma capacitação com costureiras locais, por meio do Grupo de Interesse Ambiental (GIA), para que elas possam produzir e nos venderem para gerar uma renda para elas”, revela Raíssa.

Em relação a todo o trabalho que a empresa faz com os resíduos, a gerente conta que foi reconsiderado todo o ciclo e ressignificou aquilo que era um passivo ambiental hoje se tornou em um impacto positivo para a sociedade.

“Fazemos a inclusão social dessas pessoas no mercado de trabalho, pessoas que antes eram invisibilizadas na sociedade. E buscamos atuar na economia circular desonerando os governos em relação à limpeza, trazendo esse impacto positivo para a sociedade, para economia e para o meio ambiente. É gratificante ver que fomos de 3% de reciclabilidade a 98% e ver tantas vidas ressignificadas”, ressalta.

 

 

 Rastreabilidade é fonte da história dos produtos

O momento em que vivemos é o ideal para ter uma discussão sobre meio ambiente e ecossistemas porque ela se materializou, conforme afirma a especialista em sustentabilidade da GS1 Brasil, Carina Lins.

“Aquelas previsões que a ciência já dizia de impactos, por exemplo, de mudança climática estamos vendo exatamente isso acontecer. Acho que as pessoas, às vezes, não se entendem como parte e de como as ações delas, no do dia a dia, impactam diretamente” diz.

Um ponto que Carina avalia ser importante é como ter acesso a essas informações para ter consciência e despertar para os temas.

Clique no mapa e veja onde destacar resíduos no Ceará

“Apesar de ser muito discutido, nem sempre fica claro para as pessoas o papel delas e o papel que, por exemplo, os governos têm. Inclusive quando a gente fala da agenda ESG está muito direcionado à necessidade de trazer transparência aos processos, para que nós, como consumidores, a gente saiba exatamente qual é o impacto durante a jornada de compras. Isso passa pela rastreabilidade e por ter acesso a esse tipo de informação”, defende.

E cita como exemplo, que dentro do universo da GS1, os padrões que podem ser habilitados são justamente essa visibilidade do caminho ou da história de um produto.

“Do momento que ele nasce e é identificado, por onde ele passou ou, por exemplo, como fazemos com a cadeia da carne bovina aqui, com a rastreabilidade, para saber qual foi a origem daquela carne. Se ela veio de uma área que teve desmatamento ilegal. É preciso contar essa história do produto até que ele chegue na mesa do consumidor”, detalha.

Materiais recicláveis recuperados e evolução anual no Brasil

No caso brasileiro, comparado ao resto do mundo, o maior desafio é conter o avanço do desmatamento. Ela pontua que o maior impacto, em termos de emissões de gases de efeito estufa, vem da mudança do uso do solo e do desmatamento e muitos produtos acabam sendo associados a esse risco da agropecuária, da madeira ilegal e do garimpo.

Para as empresas que são responsáveis e comprometidas com a agenda ESG, a rastreabilidade é importante para que o consumidor acesse as informações e o histórico do produto, desde quando era uma matéria-prima até o pós-consumo. Se ele tem uma embalagem, onde ela será descartada e a forma adequada de descartar.

“Um QR Code no padrão GS1 potencializa isso. Um código único vai servir ali tanto para a leitura no ponto de venda do caixa e o consumidor pode acessar e ter a informação sobre tudo e até possibilitar a acessibilidade. A gente tem hoje parceria com duas startups que fazem esse tipo de trabalho muito bacana", pontua mais vantagens dos produtos trazerem esse histórico em suas embalagens.

Confira os tipos de materiais coletados no Brasil

Um outro ponto que ainda é preciso vencer, no Brasil, é definir o que é ou não sustentável. “A discussão que hoje existe, até em âmbito de governo, que a gente participa é sobre o termo, a taxonomia. Para entender o que se considera de fato como sustentável, pois não existe ainda uma padronização desse conceito”, observa.

Pela sua vivência no mercado, Carina percebe que as grandes empresas, aquelas que estão dispostas a atuar no mercado internacional, estão mais expostas ao cumprimento de regulamentação e estão muito avançadas dentro dessa agenda ESG.

A dificuldade fica geralmente como a pequena e média empresa, por dois motivos: porque não tem braço e não tem recurso financeiro para a implementação de algumas práticas ou por não entender como se conectam nessa agenda e os benefícios que elas podem ter, adotando essas práticas.

O quanto está sendo recuperado no Brasil?

Inclusive de ser um fornecedor de uma grande indústria para acessar novos mercados e se conectar a novos canais de vendas e de distribuição. 

Recentemente, a pesquisa “Engajamento dos Pequenos Negócios Brasileiros às Práticas da Economia Circular” do Sebrae analisou, de janeiro a março de 2024, o envolvimento e o nível de conhecimento dos pequenos negócios em relação às ações e procedimentos adotados, bem como iniciativas com a comunidade local.

O estudo mostra que apenas 16,51% das empresas entrevistadas em todo o Brasil possuem conhecimento sobre economia circular. Considerando que a maioria dos respondentes declarou que “já ouviu dizer, mas não compreende do assunto” (45,21%) ou que “não conhece, nunca ouviu falar do assunto” (38,28%).

Esses índices combinados totalizam 83,49% dos participantes que não estão familiarizados ou não compreendem o tema. Já em relação ao grau de conhecimento dos termos relacionados à economia circular, observou-se que as “Estratégias-R- reparar, reutilizar, redistribuir, renovar, remanufaturar e reciclar - são as mais conhecidas entre os pequenos negócios entrevistados.

Ao analisar a adoção de práticas de economia circular por parte das empresas entrevistadas, observou-se, de maneira geral, uma implementação ainda incipiente. Do mesmo modo, revelou-se um percentual reduzido de empresas que se engajam com o público externo, stakeholders e a comunidade para fomentar práticas de economia circular.

 

 

 

Negócios sociais são inovadores e disruptivos

Investir num futuro livre de resíduos de embalagens pós-consumo é uma estratégia que vem sendo defendida há algumas décadas por Haroldo Rodrigues, sócio-fundador da investidora IN3 Capital.
Ele acredita na economia circular e no mercado com responsabilidades compartilhadas.

“Negócios sociais são inovadores e disruptivos. Focam nas pessoas e nas suas relações com os territórios onde moram. O uso da tecnologia digital como solução para os problemas da base da pirâmide econômica acelera produtos ou serviços, tornando-os subitamente úteis para milhões ou milhares de pessoas”, explica.

Por serem disruptivos, os negócios inovadores geram mercados inteiramente novos, cheios de oportunidades para novas empresas, e mudam os padrões sociais, culturais e econômicos.

A 56ª edição do Fortaleza Limpa ocorreu na avenida Valparaíso, no bairro Conjunto Palmeiras, com serviços de zeladoria, manutenção no sistema de iluminação e reparos na malha viária(Foto: Reprodução/Prefeitura de Fortaleza)
Foto: Reprodução/Prefeitura de Fortaleza A 56ª edição do Fortaleza Limpa ocorreu na avenida Valparaíso, no bairro Conjunto Palmeiras, com serviços de zeladoria, manutenção no sistema de iluminação e reparos na malha viária

Haroldo reforça que, quando se trata de mercados emergentes, a cadeia da economia circular é inovadora. “A monetização de produtos circulares é sustentável, além de criar um novo valor aos negócios”, diz.

Os princípios da economia circular não são apenas uma consideração ambiental, mas também um componente central das práticas empresariais sustentáveis. Ou seja, são concebidos para gerar valor econômico e, ao mesmo tempo, proteger o ambiente.

Ele visualiza que, em Fortaleza, há um mercado emergente, o da economia circular da logística reversa de embalagens pós-consumo. “Me refiro ao mercado da reciclagem. Assim sendo, resíduo de embalagens pós-consumo é dinheiro, não é lixo”, ressalta.

Programa Fortaleza Limpa também atua na Lagoa de Messejana(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Programa Fortaleza Limpa também atua na Lagoa de Messejana

De acordo com o Movimento Fortaleza Limpa, a cidade gera, por mês, 118 mil toneladas de resíduos. Isso corresponde a 1,4 kg de resíduos, por dia, por habitante. De forma mais simples ainda, 45 kg de resíduos são gerados por segundo em Fortaleza.

“Considerando uma média de 3 indivíduos por domicílio, são gerados 4,6 kg de resíduos por domicílio diariamente. Desse total, assumindo que 40% são recicláveis, 1,7 kg são potencialmente comercializáveis”, exemplifica.

Haroldo ainda questiona e responde: "pergunta que não quer calar, para onde vai esse resíduo reciclável? Resposta direta, algo perto de 96% para o aterro sanitário e o restante, reciclados".

Lagoa do Papicu teve ação de limpeza no mês de junho(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Lagoa do Papicu teve ação de limpeza no mês de junho

Para o investidor, ainda há um ponto curioso. Ele avalia que, nesse quesito, há uma igualdade entre ricos e pobres em Fortaleza.

“Ambos sobrecarregam a cidade de resíduos não reciclados, superlotando o nosso aterro sanitário. Estamos jogando dinheiro no lixo. É hora de todos darmos um passo à frente”, finaliza.

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