Hedla Lopes não lembra quando a fase “quando um caminho se faz resistente, faça com resistência o caminho” entrou em sua vida e virou seu lema. Mas, de certo modo, foi esse conjunto de palavras — e o apoio de amorosos pais — que regeu a caminhada dela como nadadora e triatleta.
Foi com resistência que a mulher, hoje com 66 anos, abriu caminhos como pioneira do Norte-Nordeste nos Jogos Pan-Americanos, na Cidade do México, em 1975, e participou de 22 edições do
E é com essa resistência que ela sustenta hoje o legado de ser dona da academia que leva o próprio nome, e de ser mãe orgulhosa de Hedla Lopes Filha (a Hedlinha) e da também triatleta Vittoria Lopes, que levou as cores da bandeira do Ceará para as Olimpíadas de Tóquio-2021 e de Paris-2024.
Em entrevista ao O POVO, Hedla Lopes contou como a entrada nas piscinas por conta de uma escoliose mudou a vida dela e a colocou em um lugar de destaque no esporte cearense, nordestino e nacional. Ressaltou ainda o orgulho da vida saudável que leva como herança de uma jornada de décadas dedicadas ao esporte, para além das centenas que medalhas que conquistou e ainda se vê disposta a conquistar.
O POVO - Contando um pouco da sua história desde o início, como foi a sua infância?
Hedla Lopes - Até os meus 10 anos foi uma vida normal. Eu ainda passei umas férias num convento, pois eu tinha três tias freiras e circulava na família, em mim, um sonho de ser freira, mas não deu certo, não.
Foi numas férias dessa que minha mãe viu que eu tinha
Apesar de jovem, eu gostava muito do que fazia, que era nadar. Foi amor à primeira vista. Tanto eu como as minhas irmãs, apesar de que eu fui mais pela escoliose e elas porque tinham asma.
OP - E quando foi que esse exercício para a escoliose acabou se tornando algo mais profissional? Existiu algum momento em que você vislumbrou que poderia vir a se tornar atleta naquele tempo?
Hedla - Eu me lembro que, apesar de ainda ser uma criança, eu queria ganhar. Tudo que o professor tava propondo, quem passava mais tempo debaixo da água, por exemplo, eu ficava "doidinha".
Aquele espírito de competição existia dentro de mim sem nem eu saber, nem meus pais, nem nada. Mas eu me lembro que eu sempre tive essa vontade de vencer, desde criança. Começou assim. Isso já estava dentro de mim.
OP - E como foram suas primeiras competições? Como isso passou de uma competição de treino para uma disputa por títulos?
Hedla - Foi muito natural e muito rápido. Devido a essa minha vontade de vencer, de ser a melhor. Eu entrei (na natação) com quase 11 anos — tinha 10 anos e 10 meses — e com 12 anos eu já tava participando do Norte-Nordeste de natação, adulto.
Eu não faltava treino, eu ia treinar e sempre tive meus pais comigo falando que pode, que podia, que eu conseguia. Eu sempre tive essa motivação extra natural.
Nem tinha psicólogo, ou nem se sabia tanto sobre a profissão, apesar que tinha (força mental). E meus pais foram o meu tudo - foram o meu psicólogo, meu nutricionista. Eu acho que "nutricionista" (risos), com aquelas gemadas.
Naquele tempo não existia nada além da sustagen (marca de complemento alimentar), mas eles procuravam me dar o que tinha de melhor. Se dizia que gemada era bom para poder render no treino e era a gemada que eu tomava.
E foi tudo muito rápido porque logo eu tava no Norte-Nordeste, ganhando medalha na competição de adulto. Com 16 anos, eu já tava indo pro Jogos Pan-Americanos, com cinco anos mais ou menos de natação.
Eu já tava na equipe brasileira, mas foi uma coisa muito de como você vê a vida, passando. Você avalia o que você quer, o que você encara, deseja, almeja, que apoio você tem… Hoje eu acho que eu realizei, graças a Deus, os meus sonhos. Eles foram aparecendo e foram sendo realizados e eu sou bem realizada.
OP - O apoio dos seus pais é algo a se destacar, mas quando você se tornou esportista, como foi o apoio externo, principalmente por você ser uma mulher? Houve percalços específicos?
Hedla - Eu passei poucos momentos assim, mas eu passei. Teve um ano que fizeram os melhores do ano e eu era a melhor do ano. Eu era a melhor da categoria feminina da natação, mas o presidente da natação achou melhor botar dois homens, pois um deles era filho (dele).
Eu não queria provocar ninguém, mas foi o que veio na minha cabeça na época. Em todas as categorias, fosse vôlei, futebol, colocavam sempre uma categoria feminina e uma masculina, mas só a natação que foram dois homens.
Como não pensar sobre isso naquele momento? Eu era a melhor, como não? (Eu era da) seleção brasileira e tudo, campeã norte-nordeste… Como não ia ser a melhor do ano?
E em termo de Brasil, (sofri preconceito) por ser nordestina. Eles aceitarem uma nordestina ganhando lá do pessoal do Sul, Sudeste, causou muito espanto, foi muito “como assim?”. Às vezes até ficavam: onde é que você treina, se lá não tem água? Eu ouvi esse tipo de coisa. Brincadeira ou não, seria o bullying de hoje, né?
OP - Em sua experiência no Pan-Americano, onde você foi a pioneira do Nordeste, tinha muito dessa provocação e desse preconceito?
Hedla - Tinha. Eles achavam que aqui faltava muita coisa. “Ela treina numa banheira”, falavam assim, brincando, mas falavam, né? E do nosso sotaque. Ficavam: “Ela fala em inglês - 'what's your name?'”.
Eram brincadeiras, mas eram brincadeiras que machucavam de uma certa forma. Eu levava na brincadeira, ria, tirava por menos e levava adiante, e descascava treinando. Eu treinava para mostrar, entendeu? Tentava levar muito por esse lado, para ser positivo.
OP - Em 1974, após uma rápida ascensão, você bateu o recorde cearense de 200 metros de nado de peito. Esse foi um recorde seu que somente sua filha conseguiu bater, 30 anos depois. Como foi para você naquela época não só alcançar esse feito, mas também ver que foi justamente a sua filha a única pessoa a conseguir bater esse seu número?
Hedla - Inicialmente, vou dizer que era natural. Eu não tinha o tamanho da dimensão de que isso estava acontecendo, como tem acontecido até hoje no triatlo. Hoje, a Vittoria (Lopes) é uma atleta olímpica. Mas naquela época foi natural chegar nesse patamar.
Quando a coisa acontece, aí a ficha cai e você fica: "Puxa, que legal". As coisas não são programadas, vão acontecendo e quando você se depara com esse tipo de situação é bem gostoso.
OP - Em notícias antigas, a sua convocação para o Pan-Americano, vem sempre acompanhada de uma nota sobre você precisar passar antes por uma seletiva imposta pela CBD. Você sentiu que isso foi colocado como percalço ou era algum algum protocolo da época?
Hedla - Hoje eu tenho na minha cabeça que o que eles pudessem me prejudicar por ser nordestina, ser aqui do Ceará, eles fariam, colocavam regras. É tanto que quando eu peguei os Jogos Pan-Americano, eu fiz o índice estabelecido e ganhei, e não tinha como eles acharem desculpa.
“Ela tem que ir mesmo”, entendeu? Para falar sobre isso agora, eu não me lembro exatamente de tantos detalhes, mas que teve freios, teve, entendeu? Mas aí eu fui maior, ganhei, fiz o índice estabelecido e consegui ir.
OP - Apesar de todos esses percalços, você participou dos Jogos Pan-Americanos com essa bandeira ser a primeira mulher do Norte-Nordeste na competição, também representando o Ceará. Como foi para você?
Hedla - Foi uma alegria muito grande. Tem uma história engraçada até, pois quando eu fui fazer 15 anos, a minha mãe queria me dar uma viagem para a Europa, um carro ou uma festa. Eu eliminei o carro porque eu não ia poder dirigir, ia ficar parado.
Em relação à viagem, meu sonho era que a primeira viagem pela seleção brasileira marcasse minha primeira viagem internacional, ser pela natação. E aí eu disse que queria a minha festa. O esporte pautou as decisões da minha vida.
E eu não tinha dimensão de estar vivendo tudo aquilo, mas é muito mais gostoso, pois hoje eu observo, penso - “Caramba, eu fui a primeira”. No momento lá, era muita alegria, mas alegria de já estar indo. Hoje eu acho que é mais gostoso eu ficar pensando, revivendo, do que no momento assim. Era bom, mas eu não levava muito pro lado histórico.
Hoje eu sei que eu tenho uma história, mas na época era um momento. Eu era a melhor, mas ainda tava sendo escrita uma história. Hoje, eu tenho até mais essa visão, às vezes, com a minha filha, com a Vittoria. Ela tá fazendo história, tá escrevendo um livro.
OP - Em matérias e reportagens sobre seus feitos, há muitos registros de falta de apoio, mesmo depois de você ir ao Pan-Americano. Como você processou o fato de ir para uma grande competição, e quando voltar perceber que a natação ainda era vista de maneira amadora por patrocinadores e marcas?
Hedla - Foi muito decepcionante, uma decepção muito grande. Você ser uma cearense, fez história que todo mundo sabe, e nunca teve apoio de ninguém.
Eu sou o que sou porque na época eu tinha pai e mãe que me apoiava, mas é muito triste você, da sua cidade, ser pioneira nas coisas e não ter (apoio). E até mesmo hoje com a minha filha.
Ela é seleção brasileira, atleta olímpica duas vezes, tudo indica que vai pra terceira Olimpíada, e não tem nenhum apoio. Como assim? Pouca coisa evoluiu.
OP - O que você consegue destacar que possa ter evoluído nesse sentido da sua carreira para a carreira da Vittoria?
Hedla - O apoio continua a mesma coisa. Zero à esquerda. Só o "paitrocínio". Agora, por se destacar, ela tem mais patrocínio do Sul e do Sudeste, de São Paulo, do Rio de Janeiro, mas é mais lá do Sudeste. De Fortaleza, nenhum. Isso me deixa muito triste.
Eu não vou dar nome, mas já ocorreu que uma vez, por exemplo, ela tinha um patrocínio lá do Rio de Janeiro, aí uma (marca) do Ceará ofereceu. Eu pedi a ela: “Minha filha, cearense com cearense. É o Ceará (estado). Deixe esse do Rio de Janeiro, fique com o cearense”. E eu a botei na diretriz errada. Ficaram pouco tempo e romperam.
O outro (patrocinador), do Rio de Janeiro, pediu: “Não sai, Vittoria. Não saia. Fique”. Mas eu fui com meu coração nordestino, cearense, incentivei. Foi muito triste. Eu acho isso muito triste, muito decepcionante. Cada um tem os seus motivos, mas eu, como atleta e mãe, fiz a minha filha sair de um para destacar o amor ao Ceará, que somos cearenses, e no final não deu certo. É triste.
OP - Falando na carreira da Vittoria, como você gosta de acompanhar? Está sempre bem ativa como mãe, como esportista? Gosta de opinar ou que ela faça as coisas do jeito dela?
Hedla - Um pouco de tudo. Eu participei do Mundial de triatlo, eu e ela, na Espanha, em Pontevedra. Eu não gostei muito da experiência porque, além de eu me preocupar com a minha prova, eu me preocupei com a Vittoria. Eu tenho que saber dividir que a vida da Vittoria é uma e a minha é outra.
Outro ponto é que, se a Vittoria vai competir durante a semana, como eu já sei o que um atleta sente, eu começo a sentir também. E isso não é bom para mim, isso não é legal. Por conta disso, quando eu participei do Mundial lá na Espanha, eu vi que não é legal.
O que eu tô tentando agora é me especializar e voltar um pouquinho só pra natação, que é mais fácil (que o triatlo). Para o Ironman eu tenho que treinar muito, é o dia todo treinando, você sofre.
Como é que eu vou ficar viajando, acompanhando ou competindo com a Vittoria se eu não posso treinar direito? A natação é mais simples. Eu pego o meu maiô, a touca e um óculos.
No Master, agora, eu já sou campeã brasileira, recordista brasileira em algumas provas, já tô melhorando para caramba. E é mais fácil pra eu manipular tudo - natação e estar junto nas provas da Vittoria. Não preciso estar no Ironman, então que eu fique na natação.
Mas eu também não abandonei, não. Eu ainda corro, pedalo. Mas agora eu quero ter dimensão da minha vida de todos os lados. Quero aproveitar a vida como atleta, como mãe de atleta.
OP - Como o triatlo entrou nessa sua vida de nadadora?
Hedla - Eu tava na praia antes de fazer uma travessia com Wesley, atleta de natação daqui da academia, e dona Fátima (Figueiredo, presidente da Federação de Triathlon do Estado, a Fetriece), que representa o triatlo, chegou e perguntou:
"Ei, vocês não querem participar de uma eliminatória para um Mundial que vai ser em Portugal, na Ilha da Madeira, não?”. Era um aquatlo, que é correr, nadar e depois correr novamente. Quando ela perguntou, eu adorei a ideia, achei legal. Eu adoro desafios.
Mas aí eu pensei: "Ir para Portugal? A dona Fátima tá ficando louca”, porque eu pensava: “Poxa, vou ganhar o Brasileiro e ir pra Portugal?”, mas eu topei a brincadeira. Fui para Niterói (RJ), teve a Eliminatória lá e eu ganhei.
Eu disse: "Caramba, eu corro, eu nado, como é a história?!". E fui a terceira do mundo de primeira na minha categoria, lá na Ilha da Madeira. As coisas ocorreram de maneira muito bacana pra mim, e como não ficar motivada se você tá ganhando, se você prospera?
OP - Você citou os treinos de travessia e, com a natação, foi tricampeã da Travessia do Rio Negro e também fez algumas travessias da Bahia de Todos os Santos. Como exatamente essa modalidade de prova em natação entrou na sua vida?
Hedla - Eu me dou muito bem na natação porque foi meu primeiro esporte, e eu também sou muito
A gente ganhava a competição sozinha, só nós duas. A gente ganhava o Norte-Nordeste de natação com o Pará, Amazonas, Pernambuco. E foi uma consequência quando entramos nas travessias.
Como eu era fundista também, eu gostava de nadar provas de longa distância e pensei: “Vou fazer travessia também”. Foi quando eu comecei, com a Travessia do Rio Negro. Me motivava muito por ser desafio, por ser longo demais.
Eu sou muito motivada, realmente, para coisas assim, diferentes, importantes, que exigem mais de mim, entendeu? E mexia comigo.
OP - Logo depois de se desafiar nas travessias, você passou a se motivar no IronMan. Mas como o torneio entrou no seu caminho de esportista?
Hedla - Foi justamente na prova que eu citei que eu fui fazer lá na Ilha da Madeira. Eu comecei a me questionar: eu nado? Eu pedalo? Eu corro? (em tom de surpresa) Fazia anos que eu não pegava numa bicicleta porque uma coisa é você andar nela, outra coisa é competir bike, que é totalmente diferente pelas marchas, por tudo.
E, aos 45 anos, eu disse - "Poxa, eu já treino tanta natação, eu vou pro triatlo". E eu percebi que estava me enganando achando que na minha natação eu treinava muito mais do que se eu fosse pro triatlo. E eu sempre treinei muito.
E passei pro mundo do triatlo aos 45 anos. Eu queria, dentro de mim, ser a melhor do Ceará, a melhor atleta de Fortaleza. E quando eu falava pra alguém que queria melhorar, o pessoal sempre dizia - "Olha a tua idade".
E eu pensei: "Ah, é? Pois tá certo, pois eu vou mostrar como os livros estão errados e que você pode". Eu treinava escondido, treinava mais, às vezes me quebrava porque eu treinava mais escondido do treinador. Mas a coisa foi indo e eu fui a melhor de Fortaleza aos 48 anos. É dedicação, é você querer.
OP - O que uma prova de IronMan tem de diferente? O que e como é que você explicaria para quem nunca participou?
Hedla - É um desafio muito grande. É desafiador e, ao mesmo tempo, dá um pouco de medo. Mas o medo pode existir. Você só tem que controlar. Você não pode deixar ele ganhar de você. Tem que saber dividir a prova direitinho, se alimentar direito durante a prova.
Os treinamentos não são brincadeira. Você nunca pode deixar a coisa ser maior que você - o medo, o cansaço. Você tem que ter o controle do que tá acontecendo.
OP - Qual desafio é maior: físico ou emocional?
Hedla - A parte emocional. O mental, ele é terrível. Ele pode destruir você. É tanto que muitas vezes eu gostava de treinar e treinava o físico, o psicológico e as minhas orações. Eu acredito que seja um tripé.
Muitas vezes, quando eu esquecia da oração, meu treinador tava ali. Ele pegava cada um na sua religião. A minha (tarefa), como católica, era rezar um terço. Quando eu chegava para ele e dizia que tinha conseguido rezar um terço por dia, ele respondia: ‘“Pois agora são dois” (risos). Mas era legal.
Teve um IronMan desses que eu falei com Deus durante a prova. Quando eu soltei a bicicleta, saí para correr, eu tinha trabalhado tanto a oração, o lado emocional, o físico, que eu falei - "Calma, senhor, são 42 (quilômetros)”.
É gostoso quando você trabalha em um conjunto que você realmente pega aquilo ali. A coisa acontece, vem. Porque quando você não tem o tripé da coisa, você pensa lá na hora - "O que é que eu tô fazendo aqui?”, se você não se prepara em tudo. Eu me fortaleço dessa maneira. É assim que eu gosto de fazer e de ser.
OP - Dentro da nossa entrevista, você citou a sua idade e que está sempre ativa. O quão importante pra você é se manter em movimento e bem psicologicamente no auge da vida adulta?
Hedla - É um ótimo questionamento porque hoje em dia não é só o esporte. O esporte, eu acho que ajuda muito hoje quando estamos ansiosos. O esporte para mim é um remédio bacana.
Um, porque eu tô fazendo o que eu gosto, tô me desafiando ainda, apesar da idade. Dois, as amizades. E até no sentido de um simples ajoelhar. Quando você tá na missa, um simples ajoelhar e se levantar. Se você não é saudável, se você não tem força nas pernas, você não se levanta. Ou se levanta, mas se apoiando, todo "troncho".
Eu fico só observando, pois, como eu sou da área da educação física, eu vejo num simples ajoelhar, num simples levantar de uma cadeira, as coisas. E são os movimentos, atividades, da vida diária, que eu já observo e fico superfeliz por estar bem.
Eu, na minha idade, aos 66 anos que eu tenho, eu não tomo um remédio. Não falo por orgulho, eu falo pela vida que eu eu levei e levo até hoje. Você fazer um exame de sangue e não tomar nada, nossa, é gratidão, é agradecer a Deus.
Por isso hoje o esporte, para mim, também tem muito a ver até no meu andar, como eu me locomovo. Eu fico observando, sem querer, como é que as pessoas da minha idade andam, como é que é a postura…
Eu acho que o exercício, ele é muito importante para a sua vida, para você ter uma independência, ser uma pessoa livre de muita coisa. Isso é muito importante. Hoje em dia eu acho o máximo, acho legal até como a gente se veste, como a gente quer se produzir (no sentido de se embelezar).
Não tem essa história de “eu tô velho, que eu tô isso, tô aquilo”. É muito diferente o exercício físico, a musculação. Ela é impressionante no que ela faz numa cabeça de uma pessoa.
OP - É mais difícil ser atleta ou ser mãe de atleta?
Hedla - (Longo suspiro) Ser mãe. Ser mãe de atleta. Recapitulando um pouco sobre Vittoria, quando ela tinha seis meses eu ensinava ela a nadar. Tenho até foto. Nos meus pensamentos, eu pedi a Deus: “Senhor, me dê uma campeã, uma atleta olímpica”. E ele me deu essa atleta olímpica.
A prova do que eu falo é que o nome da Vittoria foi Vittoria. E botei o nome da minha primeira filha de Hedla porque tudo na minha vida vinha do coração. Não arquitetei, mas o coração falava para mim.
A minha primeira filha se chama Hedla porque eu queria que a Hedlinha fosse uma nadadora, tivesse o mesmo desempenho que eu. Quando veio a Vittoria, eu ainda nem fazia triatlo, ainda era nadadora e eu pedi a Deus isso aí e botei o nome dela de Vittoria, porque é o resultado da minha vida.
Quando ela era pequena, ela perguntava porque ela não poderia ser Hedla. Eu falava: "Você é o resultado da minha vida. É uma vitória. Você entendeu?" Ela disse assim: "Não”, e eu rebati: “Quando você crescer eu te explico".
E tudo meu foi assim, foram coisas do coração, que o coração falou. Como eu sou muito ligada ao lado espiritual, a Deus, eu pedi e Ele foi me ouvindo. Veio a Vittoria para me dar tudo. Ela foi melhor do que eu.
OP - E como foi para você a primeira Olimpíada dela, de ver ela se classificar para uma Olimpíada?
Hedla - Não dá nem pra mensurar. Uma alegria muito grande. Eu fiz uma festa. Nossa, é uma emoção muito grande. Porque o sonho de todo triatleta, todo atleta, é uma Olimpíada. Eu fui campeã olímpica master, mas fui master, na Dinamarca. Fui campeã olímpica, mas foi em outro patamar. E a Vittoria, não. Ela foi da elite global. Ela foi melhor do que eu.
Deus me presenteou assim, de bandeja, de mão cheia. E ela já tá para ir pra terceira Olimpíada dela. Tá se metendo agora nos IronMans da vida. É muita realização, muita alegria, muita gratidão. Eu sou grata.
OP - Falando em realizações e Olimpíadas, na Rio-2016 você participou do revezamento da tocha. Para você, foi um momento de reconhecimento? E como foi participar de Jogos Olímpicos de uma outra maneira?
Hedla - Foi gratificante levar a tocha olímpica. Foi um reconhecimento. Uma coisa muito boa que eu recebi aqui do povo cearense.
E, naquele tempo, por pouco a Vittoria não pegou (a classificação), pois ela já tinha entrado no triatlo, mas não tinha participado de todas as eliminatórias e precisava (ter participado) para fazer ponto para poder ir para uma Olimpíada. Mas foi quase. Ela ficou naquela que se uma adoecesse, ela entrava. E já foi de bom tamanho. Um primeiro passo para a carreira dela.
OP - Você falou muito de estilo de vida e de bem-estar por ser uma pessoa que prega muito isso sempre. Como é que você vê esse movimento de as pessoas estarem cada vez mais ativas, indo caminhar cedo na Beira-Mar, participando de corridas? E qual a dica que você dá para uma pessoa que quer iniciar uma vida de mais exercícios, uma vida no esporte?
Hedla - Ainda hoje eu me encontrei com uma menina que tá fazendo maratona e ela foi nadadora também. Eu disse - "Volte, volte a competir". Não é competir para ganhar, mas aquela competição que integra, que você faz novas amizades, que você, a depender, pode até paquerar (risos).
Mas não fazer por fazer, porque pagou e tem que ir. Mas fazer se determinando, almejando alguma coisa. Eu, como atleta, se eu parar de fazer exercício, eu vou virar sedentária. E você que é sedentário e for participar, for fazer exercício, você pode ser um atleta, entende?
O movimento é grande entre virar sedentário e virar um atleta. Às vezes as pessoas ficam meio assim, com medo, quando você fala “ser atleta”, mas atleta é muito mais do que ganhar a medalha.
É muito gostoso, é muito prazeroso você estar em qualquer competição se desafiando. Eu gosto muito de sempre falar uma frase que eu uso pra mim que é: “Quando um caminho se faz resistente, faça com resistência o caminho” e “você é aquilo que pensa”.
Se eu penso pequeno, eu vou ser sempre uma pessoa pequena. Se eu penso grande, eu tenho mais chances de ter vitória, de prosperar. A sua vida tá dentro de você, tá nos seus pensamentos.
OP - Como é que você vê o cenário do triatlo cearense e brasileiro hoje? Temos o Ceará com dois atletas na modalidade e são muitos anos de resultados incríveis. Por que você acha que houve esse movimento, esse crescimento pra gente ter atletas de elite?
Hedla - É porque cada um pegou o seu rumo. O (Manoel) Messias foi para São Paulo e lá encontrou apoio. Ele já é um guerreiro, encontrou apoio e se desenvolveu. A Vittoria foi pros Estados Unidos. Com pouco tempo de esporte, ela já tava ganhando um Pan-Americano, com cinco anos de triatlo. Ela foi treinar com os melhores.
Como Messias teve o apoio lá em São Paulo, buscou uma turma mais elevada para se nivelar, para igualar. O pessoal não quer melhorar, não quer sair de Fortaleza. E já não tem apoio, aí fica por ali, vai ficar por ali mesmo, entende? Para você ser melhor, você tem que ter uma visão, você tem que correr atrás.
Não é fácil. É superdifícil, mas você tem que ir atrás. Como aconteceu com a Vittoria e o Messias. As pessoas, às vezes, querem ganhar um patrocínio, uma coisa, e quer guardar, quer gastar de outra maneira. Tem que investir em você, investir no seu esporte para mais tarde você conseguir rumos maiores, mas as pessoas se acomodam.
OP - Analisando tudo que você viveu, passou e conquistou, qual foi o seu maior legado?
Hedla - Eu acho que, por onde eu passei, eu fiz muita coisa legal, eu conquistei muita coisa. Tanto no meus resultados da natação, quanto do triatlo. No triatlo, eu fiz 22 IronMan sem ter a pretensão de fazer os 22. Fui fazendo e, quando eu vi, 22, sendo oito só no Havaí, que é o sonho de todo triatleta. Fui classificada oito vezes. É um legado muito gostoso.
Realizei o meu sonho na seleção brasileira. Eu, pequena, com 12 anos, dizia pra minha mãe que o meu sonho era ter um clube, pois naquela época não tinha academia. Eu já tinha uma noção na minha cabeça que eu queria um clube onde eu ia ter atletas competindo e, hoje, eu tenho uma academia que tem atletas competindo.
Muitos vão para Flamengo, Minas, Pinheiros. Os resultados já ficam por lá. Isso é muito gratificante para mim. E o meu legado, ele tá bem dividido até por ser mãe, mãe de atleta olímpica, e tá de bom tamanho. Eu, daqui pra frente, sempre vou agradecer mais e mais.
OP - Quando e como surgiu a ideia da fundação da academia?
Hedla - Em 1989. Eu queria uma piscina de 25 (metros) para ter competição, chegamos a ter, mas não compensa. Compensa ter os meus atletas e levar para competir. Estão competindo, fazendo travessia lá no Iate Clube esse final de semana todinho. Hoje mesmo um já competiu 10 quilômetros. Isso é bacana.
OP - Para conhecer um pouco da Hedla Lopes pessoa, o que você gosta de fazer quando você não está em movimento? Você gosta de ficar mais em casa?
Hedla - Eu gosto de estar com a família e com os amigos. Adoro os amigos. É muito importante na vida da gente, né? A família vai porque as minhas filhas moram fora (de Fortaleza), de uma certa forma, mas aí fica com os amigos. Eu adoro. Ajuda muito.
Eu também gosto de livros de autoajuda, da Bíblia, e gosto de pensamentos positivos. No mundo muito doido que nós estamos, eu acho que a gente tem que sempre estar com o positivo lá em cima. É da minha índole mesmo, da minha vontade, da minha maneira de ser, entendeu?
Jogar para cima, levar, mostrar que às vezes a pessoa não tem essa abertura, não tem essa visão, né? E é tão fácil, muitas vezes, a pessoa estar ali, não viveu isso, e às a pessoa só precisa de um empurrãozinho. Eu adoro chamar para competir. Adoro.
Colaborou André Bloc
Entrevistas
A conversa com Hedla foi no escritório dela na academia. Logo atrás dela, havia uma página do O POVO com uma entrevista dada por Vittoria Lopes. A matéria foi escrita por Iara Costa e pautada e editada por André Bloc, que, por coincidência, fizeram estas Páginas Azuis com Hedla
IronMan
O IronMan é uma modalidade extrema do triatlo, criada nos Estados Unidos em 1974. Enquanto a versão olímpica do esporte consiste em 1,5 km de natação, 40 km de ciclismo e 10 km de corrida, o IronMan conta com 3,8 km de nado, 180 km de pedalada e mais 42 km a pé. As provas têm duração de mais de sete horas, sendo consideradas desafios máximos para atletas
Pan-Americanos
Hedla foi a primeira cearense a participar de Jogos Pan-Americanos, em 1975. Hoje, o Estado consegue mais espaço. Na edição mais recente, em Santiago-2023, seis deles foram medalhistas. Um deles foi Vittoria Lopes, filha de Hedla, que ficou com o ouro no triatlo misto ao lado do também cearense Manoel Messias, de Miguel Hidalgo e de Djenyfer Arnold. Vittória tem ainda outro ouro (revezamento misto) e uma prata (individual) em Lima-2019
Grandes entrevistas