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Thiago Monteiro: de craque com sotaque cearense a técnico da seleção de tênis de mesa
Reportagem Seriada

Thiago Monteiro: de craque com sotaque cearense a técnico da seleção de tênis de mesa

O cearense jogou três Olimpíadas e hoje treina os craques do Brasil. Ainda assim, não esconde o amargor por se sentir preterido

Thiago Monteiro: de craque com sotaque cearense a técnico da seleção de tênis de mesa

O cearense jogou três Olimpíadas e hoje treina os craques do Brasil. Ainda assim, não esconde o amargor por se sentir preterido
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Treinar a seleção brasileira não estava nos planos e nem sequer foi um sonho do mesatenista cearense Thiago Monteiro, de 44 anos. Ainda mais após o desamparo sentido ao ficar de fora da Canarinho no que descreve como o pior momento de sua carreira como atleta. Acostumado com o ir e vir da bolinha sobre a mesa, ele não imaginava que também poderia ter um retorno com tanto efeito.

Conta que o reencontro com o verde e o amarelo encaixou e é um privilégio, mas não começou por romantismo, com bandeira na mão, amor à camisa ou qualquer saudade. Ainda assim, funciona com propósito, trabalho e a convicção de um cearense raiz, que jura não dobrar o sotaque em nenhuma situação. Como em tudo que fez no esporte, mergulhou com preparo e um foco quase obsessivo.

Até os 12 anos, Thiago também jogava futebol de salão e chegou a ser bicampeão cearense de futsal(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Até os 12 anos, Thiago também jogava futebol de salão e chegou a ser bicampeão cearense de futsal

Antes de comandar a seleção brasileira de tênis de mesa, já era atleta. E dos grandes. Disputou três Olimpíadas, venceu oito medalhas em Jogos Pan-Americanos, sendo quatro de ouro, e chegou a figurar entre os 60 melhores do mundo.

Em campeonato sul-americanos e latinos-americanos, foram 15 ouros. A meta sempre foi se manter jogando o máximo possível. Antes de ser jogador, já era filho de mãe professora — que pegava no pé, com carinho — e de pai confiante que virou “técnico particular”.

Em 2025, recebeu a missão de assumir o comando técnico do Brasil e ser a mente por trás de Hugo Calderano — maior atleta da história da modalidade em todo o continente americano — na conquista da Copa do Mundo de Tênis de Mesa, em abril.

O mundo se tornou dele e sentiu orgulho, mas a emoção não foi a mesma de quando atuava como atleta na Olimpíada de Pequim-2008 ou mesmo da infância no bairro Benfica, na Avenida da Universidade, na altura entre a Reitoria da UFC e o campo do Ceará, sonhando com os Jogos de Barcelona-92.

Ao O POVO, Thiago Monteiro fala sobre a infância no Ceará, as lesões, os bastidores da saída da seleção quando atleta e os motivos que o fizeram aceitar voltar como técnico.

Além disso, analisa o tênis de mesa brasileiro, o desafio de ser justo no ambiente em que nem sempre acredita ter sido tratado com justiça e a relação com Hugo Calderano.

 

 

O POVO - Quais são as suas principais memórias da infância no Ceará?

Thiago Monteiro - Minha mãe era professora. Meu pai trabalhava, mas também batia uma bola no futsal e futebol a vida inteira. Ele conheceu o tênis de mesa nos Jogos Universitários e fez amizade com o pessoal que praticava. Quando voltou, começou a jogar, mas já era mais velho. Meu contato foi natural: eu pegava a raquete dele em casa.

Pratiquei outros esportes também. Joguei futebol, futsal, fiz um pouco de natação e também caratê. A gente tinha espaço, podia brincar. Tinha muitos primos da minha idade, então a gente jogava muito futebol. Foi uma infância bem saudável, com as brincadeiras da época.

Thiago Monteiro jogou as Olimpíadas de 2004, 2008 e 2012(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Thiago Monteiro jogou as Olimpíadas de 2004, 2008 e 2012

Ia sempre à praia no fim de semana. Aprendi a ser cearense raiz, o sotaque permanece em qualquer lugar do mundo. Quando você perde o sotaque, no fundo, está tentando negar suas origens. De alguma forma, você tem vergonha. E não é o meu caso. Nunca fiz nenhum esforço para perdê-lo.

Eu era um bom aluno. Meu pai era meu treinador, sempre me incentivou mais. Minha mãe apoiava bastante também, mas tinha mais preocupação com os estudos, de forma bem legítima, ainda mais por ser professora.

Ela me pedia que, caso desse errado com o esporte, eu entrasse na faculdade, exercesse outra profissão ou prestasse concurso público, que era algo muito falado lá em casa, pela estabilidade.

OP - E como ficou mais próximo do tênis de mesa?

Thiago Monteiro - Eu cresci num ambiente em que o tênis de mesa do Ceará era forte, tinham bons atletas da minha idade. Isso desde os 7 anos. Eu me destacava um pouco. Gostava muito de futebol também, até que chegou um ponto em que preferi o tênis de mesa porque queria disputar uma Olimpíada.

A primeira memória de assistir e entender tudo foi a de Barcelona, em 1992. Eu tinha 11 anos. Na de 1988, eu tinha 7, com pouca memória dos jogos. Fiquei com isso na cabeça, era o momento de decidir. Se eu quisesse ser bom em algum dos dois esportes, tinha que escolher.

Com 11 anos, eu já queria ir para as Olimpíadas, mas não tinha noção da dificuldade que seria, então comecei a estabelecer pequenas metas anuais que iam me aproximando desse objetivo. Precisei sair daqui e morar fora, o que foi muito difícil para mim.

Mas, no fim das contas, considero mais um privilégio do que um fardo. Tem muito atleta que fala em sacrifício. No meu caso, eu me considero mais privilegiado por ter feito do esporte o meu caminho e por poder viver disso.

OP - Você saiu de casa muito cedo, com 15 anos. Como era a preocupação da sua família e a pressão de tomar essa decisão?

Thiago Monteiro - Quando você é bom, você sabe que é bom. Vai treinar em algum lugar e vê a diferença de nível. Eu tinha convicção de que não seria fácil, mas seria possível. Se eu fizesse a minha parte, daria certo. Meus pais sentiam isso: “Ele está se destacando, tem postura, conduta e aprende rápido nos treinos. Nesse ambiente, ele é diferente”.

A janela de tempo para ser atleta é curta. Se você não aproveita na hora, ela passa. Um ano parado e as oportunidades começam a não aparecer. É competição. Cada vez que eu ia para a seleção brasileira morando aqui, mesmo tendo sido campeão sul-americano infantil em 1995, eu via que meus colegas e adversários estavam melhores.

Thiago Monteiro foi entrevistado para as Páginas Azuis no dia 24 de junho de 2025(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Thiago Monteiro foi entrevistado para as Páginas Azuis no dia 24 de junho de 2025

Com estratégia, eu compensava. Meu diferencial nunca foi o talento, foi a minha preparação. Às vezes eu gostava de brincar, mas tinha foco. Só fui dar a devida importância à parte física quando saí daqui. Eu fazia porque tinha que fazer, não porque era prazeroso. Mas, nas partes do jogo que eram importantes, eu me concentrava: “Isso aqui vai fazer diferença”. Muita gente dizia: “Ele não faz nada de mais no jogo”.

Algumas pessoas exageram, minimizam os feitos, mas não percebem nuances, como saber o momento certo do jogo, ter foco para aproveitar oportunidades. Acontece em outros esportes também. No futebol, dizem: “Esse cara aí não joga nada, por que está na seleção?” Porque ele entende o jogo taticamente.

OP - Você acha que essa visão te desvaloriza como atleta? Te viam abaixo do que você é?

Thiago Monteiro - Nunca vi dessa forma. A maioria das pessoas entendia que eu tinha bom potencial. Mas sempre aparecia um comentário de adversário querendo me diminuir. Acho que era uma forma de tentar se sentir menos pressionado no jogo, de acreditar que podia ganhar de mim.

Sempre senti mais dificuldade nos primeiros jogos dos torneios e ia me adaptando. Fico nervoso também, sou humano. Com toda a experiência, ainda fico. Mas, com as críticas, eu me sentia mais motivado a provar que estavam errados. Não falava, mas pensava: “Vou calar a sua boca”.

'Nunca fui rancoroso nem achava que todo mundo estava querendo me prejudicar'(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE 'Nunca fui rancoroso nem achava que todo mundo estava querendo me prejudicar'

Sou do Ceará, mas na minha época era diferente essa coisa de bullying, de brincadeiras. Nunca partia da ideia de que alguém estava, deliberadamente, querendo me fazer mal. Às vezes era cultural, a criança nem calcula essas coisas. Mas sempre tinha alguém que brincava de forma pejorativa.

Quando isso acontecia comigo, eu até achava bom. Era um aviso: “Não gosta de mim”. Ótimo. Eu já me afastava. Nunca fui rancoroso nem achava que todo mundo estava querendo me prejudicar.

OP - As lesões te impediram de chegar mais longe com a seleção?

Thiago Monteiro - A lesão que tive no pulso me atrapalhou muito. Sempre vi esse fator como parte do pacote de ser atleta, só que essa demorou demais. Eram vários diagnósticos e tratamentos de dois ou três meses que não funcionavam. Fiquei quase 16 meses fora.

Foi no ano seguinte à Olimpíada de Pequim, que ainda teve mudança de equipamento — o que dificultou minha adaptação posteriormente. Saí de Pequim com meu melhor ranking mundial, 59º. Era talvez o meu auge: tinha 27 anos, na melhor forma física, em equilíbrio com a maturidade. E, de repente, fiquei sem treinar, sem jogar.

O jogo evoluiu tecnicamente, e eu fiquei inativo nesse processo. Quando voltei, o Brasil já tinha ganhado o direito de sediar a Olimpíada, e a estrutura aqui melhorou muito. Eu era o número um do Brasil. Então, nas competições, era eu quem estava à frente, com as melhores oportunidades.

Mas aí fiquei inativo e os outros melhoraram. Eu tinha o melhor nível na época, mas a minha vaga na seleção começou a ser questionada. Nunca achei que alguém quisesse me prejudicar de forma deliberada. Também nunca levei para o lado pessoal. Os outros estavam bem e eu não sou de reclamar.

Mas estava mais preocupado, menos tranquilo, devido à lesão e porque os outros estavam aproveitando aquele momento de muito investimento. Meu diferencial era a preparação, mas eu já não conseguia me preparar como antes.

Ainda era bom, mas eu tenho um nível de exigência comigo mesmo. Às vezes até excessivo. Todas as minhas lesões foram por excesso, nunca por acidente. O corpo dava sinais: dor, cansaço. E eu ia do mesmo jeito.

Hoje, como treinador da seleção, ele ajuda Hugo Calderano a atingir o ápice do esporte
Foto: FCO FONTENELE
Hoje, como treinador da seleção, ele ajuda Hugo Calderano a atingir o ápice do esporte

OP - Você já pensava em se tornar treinador ou apenas aconteceu?

Thiago Monteiro - Nunca sonhei em ser treinador. Sempre quis prolongar ao máximo minha carreira como jogador, por isso ainda transito entre as duas funções. Mas pensava assim: “Se um dia eu tiver que ser treinador, vou ser bom”.

Sempre assisti muito vídeo, analisei bastante. Desde criança, tenho o hábito de escrever um diário de treino. Anoto como treinei, porque treinei e o que funcionou. Se tenho um torneio em dois meses, faço um diário à parte só de preparação.

Eu só dizia para mim mesmo: “Um dia tu não vai conseguir mais jogar, vai perder desempenho, e não vai querer, com a carreira que teve, inutilizar essa experiência”.

Aconteceu que tive uma ruptura parcial no tendão do cotovelo. Operei e fiquei sem jogar. Um amigo meu, do Equador, me ligou porque queria tentar se classificar para (a Olimpíada de) Paris. Como eu estava parado, aceitei ajudá-lo como treinador até lá.

Me inscrevi em um curso de treinador na França com a intenção de aproveitar o tempo parado. Era para me ocupar mesmo. Como parte do curso, eu precisava dar aulas no clube. Tinha que estar ligado a uma estrutura, dar treinos, ir aprendendo na prática.

E acabou dando certo: o Equador se classificou para Paris. Fui com eles. Depois, me pediram para ficar até o fim do ano e eu fiquei. Quando começaram a me ver nesse papel de treinador, surgiram propostas de clubes da França, mas eu sempre recusava.

'Não sei se a palavra é 'injusto', mas foi quase isso. Eu achava que, por ser um atleta que fez tanto, merecia uma chance, uma oportunidade clara'(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE 'Não sei se a palavra é 'injusto', mas foi quase isso. Eu achava que, por ser um atleta que fez tanto, merecia uma chance, uma oportunidade clara'

OP - Seu fim de ciclo na seleção como jogador foi justo?

Thiago Monteiro - Eu já não fazia parte dos planos da antiga comissão técnica como atleta desde o pós-Rio, foi o pior momento da carreira. Bem pior do que qualquer lesão. Ficar fora da Olimpíada do Rio e depois sair da seleção daquele jeito foi muito duro.

Não sei se a palavra é “injusto”, mas foi quase isso. Eu achava que, por ser um atleta que fez tanto, merecia uma chance, uma oportunidade clara. E o que fizeram foi exatamente o oposto. A única clareza era que minha presença já não era mais desejada.

Hoje, vejo que os atletas colocados no meu lugar também não renderam tanto. São bons jogadores, amigos, colegas da seleção. Posso falar isso abertamente, mas eles sabem como eu me sinto.
Se fosse para me tirar e colocar um Hugo Calderano, alguém que viesse para ganhar a Copa do Mundo e ser top-10, beleza, tinham razão. Mas os que vieram eram só bons. Não justificava de forma alguma.

Isso tudo me fez cogitar não aceitar a proposta de ser treinador do Brasil. Aceitei, paradoxalmente, devido aos atletas. Tenho boa relação com eles. Alguns participaram da renovação, mas a relação segue cordial. Não concordar com como me tiraram não significa que não respeito os atletas. Trabalho com alguns deles hoje.

OP - Você tenta conduzir de outro jeito agora que está no comando?

Thiago Monteiro - Sim. Totalmente diferente. Eu sei o quanto doeu em mim, então quero ser o mais claro possível com os atletas. Peço que sejam claros também: qual preço querem pagar para estar na seleção, qual o nível de dedicação. Eventualmente, vou ter que tomar decisões difíceis, mas tento ser o mais justo e transparente.

Me coloco no lugar deles. Não quero que passem pelo que eu passei. Fui conduzido de uma forma que considero muito errada. Por isso que quase não aceitei ser treinador do meu próprio país.

'Eu tinha me afastado de tudo relacionado ao Brasil. Quando nos encontrávamos, a relação era cordial, claro. Mas se alguém começava a falar do ambiente da seleção, eu me afastava logo'(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE 'Eu tinha me afastado de tudo relacionado ao Brasil. Quando nos encontrávamos, a relação era cordial, claro. Mas se alguém começava a falar do ambiente da seleção, eu me afastava logo'

OP - E como foi aceitar voltar ao ambiente, mas como treinador?

Thiago Monteiro - Foi uma decisão bem pragmática, ponto. Não foi emocional. Até mesmo quando comecei a trabalhar com o Equador, deixei claro: “Estou aqui de passagem. Quando eu melhorar do cotovelo, volto a jogar. Se der para conciliar com a função de treinador, concilio. Se não, volto a jogar”.

E aí, em alguns eventos, encontrava o pessoal do Brasil. Os próprios atletas diziam: “Não quer ser nosso técnico? Vai mudar a comissão técnica”. Eu tinha me afastado de tudo relacionado ao Brasil. Quando nos encontrávamos, a relação era cordial, claro. Mas se alguém começava a falar do ambiente da seleção, eu me afastava logo. Não queria saber.

Mas os atletas insistiram, e foi por isso que considerei. Não teve esse negócio de “sonho” ou “amor à camisa”. Foi emprego. Trabalho. Vivo disso. Das opções que eu tinha naquele momento, essa foi a que fez mais sentido. No Brasil, pelo fim que tive na seleção, eu nem queria aceitar, mas senti que eles se sentiriam confortáveis comigo. E pronto: é um trabalho.

Faço do meu trabalho o melhor que eu consigo e recebo meu salário. Se é pelo Brasil ou pelo Equador, eu visto a camisa do meu trabalho. Hoje, quando a gente ganha um torneio, eu não fico com aquele sentimento que tinha como jogador — de honra, de escutar o hino, de vestir as cores. Agora é missão. É trabalho. Faço bem feito, cumpro a missão e pronto, volto para casa.

Me sinto privilegiado por ser técnico da seleção brasileira, isso é fato. Muita gente boa nunca teve essa oportunidade. E, olha, minha carreira como treinador, apesar de curta, já é bastante satisfatória.

Thiago Monteiro é um dos cearenses com maior carreira em esporte individual na história
Foto: FCO FONTENELE
Thiago Monteiro é um dos cearenses com maior carreira em esporte individual na história

Com o Alberto Miño, do Equador, começamos com ele em 120 e pouco no ranking mundial. Saímos da Olimpíada com ele em 55º. Depois, comecei com o Brasil, ganhei a Copa com o Calderano e enfim, não posso reclamar.

Mas o sentimento de Thiago jogador e Thiago treinador são totalmente opostos. Totalmente. Muita gente acha que eu estou no paraíso agora, mas, quando eu estava na Olimpíada, jogando, aí sim eu estava no paraíso. Agora é missão. Trabalho.

OP - Ainda assim, você gosta de ser treinador? Era como imaginava ou é mais difícil do que jogar?

'Tem atleta que, mesmo na seleção, você precisa ficar cobrando conduta. Com o Hugo, não'(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE 'Tem atleta que, mesmo na seleção, você precisa ficar cobrando conduta. Com o Hugo, não'

Thiago Monteiro - Eu prefiro jogar, é mais simples: você pensa só em você, se prepara e vai. Como treinador, você tem que pensar nos outros. E às vezes, o tom da sua fala já muda tudo. Tem atleta que precisa de cobrança. Outros, se você for muito enérgico, travam. Então você fica calculando tudo e isso cansa.

Tem também a parte burocrática. O jogador já tinha um pouco disso, mas como treinador você fica no meio entre a entidade e o atleta, resolvendo logística, inscrição, comunicação (...) Eu não diria que é mais fácil ou mais difícil. É diferente.

Tem partes que eu gosto e outras que eu não suporto de jeito nenhum, mas que fazem parte do pacote. Eu faço, porque precisa ser feito, mas não gosto. Tem que mandar documento de dupla, resolver problema de inscrição, substituir jogador machucado e essa parte eu não curto.

OP - Como é trabalhar com o Hugo Calderano? Ele tem crescido muito, venceu a Copa do Mundo. Isso exige um tratamento diferente?

Thiago Monteiro - Com o Hugo é relativamente fácil. Você tem um baita profissional ao seu lado. Ele sabe o que quer e paga o preço da preparação. É comprometido. Tem atleta que, mesmo na seleção, você precisa ficar cobrando conduta. Com o Hugo, não. Com ele, a gente foca no tático, no pontual.

A gente nem se comunica tanto, porque muitas vezes ele já sabe o que precisa fazer e eu sei que ele sabe. Então, às vezes, o melhor é deixar ele tranquilo. Já conversamos antes sobre o que penso do jogo dele. Ele sabe que pode contar comigo.

É engraçado, porque nem eu sou tão comunicativo, nem ele. Mas nosso diálogo funciona bem. Fora isso, ele é um humano, com particularidades, como todos nós. Tem coisas no jeito dele que não são estrelismos, são características pessoais.

Hugo Calderano, Thiago Monteiro e Gustavo Tsuboi durante a disputa dos Jogos Pan-Americanos de 2025(Foto: Jonne Roriz/Exemplus/COB)
Foto: Jonne Roriz/Exemplus/COB Hugo Calderano, Thiago Monteiro e Gustavo Tsuboi durante a disputa dos Jogos Pan-Americanos de 2025

Se ele não fosse a estrela que é, talvez agisse diferente? Pode ser. Mas não tem como calcular. Eu também tenho minhas manias. E, dentro disso, a gente se respeita. E é fácil, porque a gente sabe o que quer.

Prefiro mil vezes trabalhar com um cara complicado — e ele não é —, mesmo sendo mais difícil no dia a dia, do que com alguém fácil de lidar, mas que não entrega resultado. Porque aqui é seleção brasileira. É rendimento.

Se o cara é gênio no que faz e entrega resultado, às vezes vale o esforço do convívio, a depender do nível. Te faz crescer também, e o objetivo é comum.

OP - Você acha que o sucesso do Hugo pode ajudar o tênis de mesa a crescer no Brasil?

Thiago Monteiro - Já está acontecendo. No Brasil, todo mundo que tem academia ou clube percebeu um aumento na procura pelos treinos. O nosso maior desafio, seja no Ceará ou no País, é o material humano. A gente ainda tem poucos bons treinadores, pouca gente que se dedica. Porque é difícil viver de esporte no Brasil, são poucos os que conseguem.

E o grande desafio do tênis de mesa sempre foi esse: pegar quem joga pingue-pongue por diversão, no prédio ou na escola, e trazer para o treino sério. Todo mundo adora jogar, mas quando entra na parte repetitiva, de treino mesmo, desanimam. Sempre foi o maior desafio.

O momento é bom, está passando na TV, o pessoal começando a entender um pouco a dificuldade do treinamento. A questão que eu me faço é se a gente vai ter infraestrutura e material humano para desenvolver. Até que ponto a gente vai estar pronto para aproveitar o momento?

 

 

OP - Como você vê essa cultura no Brasil de que só o campeão importa?

Thiago Monteiro - Primeiro: eu sou atleta também. Quando a gente é vice, fica atravessado. O que eu não gosto é da maneira dura, até pejorativa, com que se trata quem não é campeão. Quando a gente joga mal, sempre sabemos.

Agora, ninguém pode te chamar de amarelão. A gente tem família. Não gosto dessa parte. Mas não acho que isso seja exclusivo do Brasil, acho que é da natureza humana. O Brasil talvez só leve isso a uma proporção maior.

Mas se eu começar a pensar que tudo bem perder, isso enfraquece o meu espírito. Aí entro com uma desculpa para perder. Você não pode enfraquecer seu espírito desse jeito.

'Muita gente não tem condição. O material tem encarecido muito, os equipamentos e tudo mais'(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE 'Muita gente não tem condição. O material tem encarecido muito, os equipamentos e tudo mais'

OP - É possível democratizar um pouco mais o tênis de mesa, que ainda é visto como um esporte elitizado?

Thiago Monteiro - Eu não tenho uma resposta. Eu posso falar da minha experiência, mas não dá para ter a pretensão de ser o dono da verdade, mesmo sendo treinador da seleção brasileira. A gente precisa muito do apoio governamental, da parte pública. Depender só disso? Também não sei se funciona.

Tem muita gente que atua no setor privado, mas aí também deixa a desejar na questão da acessibilidade. Muita gente não tem condição. O material tem encarecido muito, os equipamentos e tudo mais. Você precisa estar em um ambiente específico: as mesas são caras, e quem investe tem que tirar retorno. Tem que ter condições ideais — não pode ter vento, não pode ter isso, não pode ter aquilo.

Toda a minha carreira foi na competição. Nunca fui do tipo “é só para se divertir”. No meu caso, a diversão vem quando a gente ganha. Então é competição. Não tem como fingir que eu estaria feliz da vida se, dentro da minha realidade, eu não tivesse sido campeão. Mas eu também acredito muito no poder transformador do esporte como meio de educação.

Acho que o Brasil peca muito em não associar esporte à educação, à formação do cidadão. E isso é paradoxal, porque eu vim da competição — e a competição de alto rendimento é muito restritiva, pouca gente participa. É de baixo acesso. Então, o paradoxo é: eu vim da competição e acho que o esporte deveria olhar mais para a educação, para o social.

Acredito inclusive no esporte como porta de entrada para a universidade. Eu não sei como implementar isso, obviamente. Mas se a gente sentasse com outras cabeças do tênis de mesa, poderia sair alguma ideia. Ou pegar exemplos de outras modalidades que já funcionaram. Acho que sairia algo interessante com mais conversas.

Thiago foi quatro veses eleito o atleta nacional do ano do tênis de mesa pela COB
Foto: FCO FONTENELE
Thiago foi quatro veses eleito o atleta nacional do ano do tênis de mesa pela COB

OP - Você é torcedor do Ceará. Como é essa relação com o clube? Consegue assistir aos jogos?

Thiago Monteiro - Eu prefiro jogar futebol do que acompanhar. Tenho mais prazer em estar jogando do que vendo. Olho o resultado no dia seguinte e quero que ganhe. Comento com meu pai, pois é outro tema que nos aproxima. A gente conversa sobre isso, algo mais leve, fora do tênis de mesa. Também com meu irmão. É algo que nos une.

Quando estou aqui, vou aos jogos. Já fui até em jogo do Fortaleza, porque gosto de ver. Não tenho problema nenhum com isso. E gostaria que nossa modalidade tivesse mais espaço nos clubes que são grandes no futebol.

OP - Soube que você gosta também de literatura e não era de sair nas viagens.

Thiago Monteiro - Sempre levei livros para os torneios. Era algo que considerava um diferencial, tanto pela cultura e pelo crescimento pessoal, como também pela concentração. Era um exercício. Ficar focado.

Eu nem levava roupa de sair. Se eu levasse uma calça jeans, na minha cabeça eu já não estava sendo profissional. Tanto é que, no final, às vezes íamos a algum restaurante e eu acabava tendo que pegar roupa emprestada de amigo, até de outro país.

Se levasse roupa de sair, era como se estivesse indo com outras intenções e o foco mudava. Com o tempo, fui amadurecendo. Percebi que isso ia acabar. Eu nunca voltaria a visitar um décimo dos países que conheci se não fosse pelo tênis de mesa.

'Eu sempre gostei de ler coisas que me tirassem da zona de conforto. Li muito Paulo Coelho, livros de psicologia, filosofia. Hoje, meu autor preferido é o (japonês, Haruki) Murakami'(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE 'Eu sempre gostei de ler coisas que me tirassem da zona de conforto. Li muito Paulo Coelho, livros de psicologia, filosofia. Hoje, meu autor preferido é o (japonês, Haruki) Murakami'

Então, comecei a me permitir um pouco mais. Levar uma calça jeans, sair para uma discoteca, voltar às duas da manhã — não precisava ser sete também. Tomar duas cervejas, conversar, brincar, e depois dormir.

Até brincava com o pessoal: “Vamos sair, vamos jantar, mas amanhã, às seis horas, eu vou estar na academia. Passa lá e tu vai me ver”. E eu estava mesmo. Ganhei muito jogo por isso. Porque os adversários viam.

Minha leitura entra aí. A gente vai criando hábitos, vai gostando, vai abrindo a mente. Eu sempre gostei de ler coisas que me tirassem da zona de conforto. Li muito Paulo Coelho, livros de psicologia, filosofia.

Hoje, meu autor preferido é o (japonês, Haruki) Murakami. Li muita biografia de atleta também, para ver o que eles fazem, qual é a mentalidade deles, o que eu poderia adaptar para a minha realidade.

 

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