
Conhecido por ser "a voz do papa" para a língua portuguesa, Silvonei José Protz é escritor, teólogo, locutor e jornalista brasileiro que há 36 anos atua no Vaticano. O paranaense é coordenador da Rádio Vatican News, o sistema multimídia oficial da Santa Sé, responsável por transmitir o magistério dos papas, além de informações sobre as atividades da Santa Sé e das Igrejas locais, em 56 idiomas, como o português.
A carreira internacional nasceu da casualidade, diz ele. Durante uma viagem a Roma para estudar Marketing e Política, um encontro com um sacerdote rendeu o convite para integrar a equipe da Rádio do Vaticano. O contrato inicial de seis meses se transformou em uma história de 36 anos - e contando.
Ao longo de sua trajetória, acompanhou os papas João Paulo II, Bento XVI, Francisco e, agora, trabalha com Leão XIV. Ele define João Paulo II como um grande comunicador. Foi a cobertura da morte dele, a propósito, o momento que mais emocionou Silvonei ao longo dessas mais de três décadas.
O papa Bento XVI, sobre quem está publicando uma triologia de livros, era "alta teologia", de uma profundidade imensa. E o papa Francisco era "um turbilhão", cuja dimensão de proximidade dialoga com a pedagogia do encontro que ele tanto pregava. O atual, papa Leão XIV, é um homem muito sensível, que o contou que está "aprendendo a ser papa".
Doutor em Comunicação pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e telecronista oficial das celebrações pontifícias, Silvonei relembra histórias com os pontífices, desde a narração da histórica bênção Urbi et Orbi, no auge da pandemia de covid, em 2020, até a pergunta clássica de papa Francisco, querendo saber dele se o melhor era Pelé ou Maradona.
O papa Leão, conta, é muito linear e, diferentemente de João Paulo II e de Francisco, segue o texto que é entregue antes. Cada um de um modo singular encontra em Silvonei a tradução da voz que conhecemos no Brasil.

OP - Você está trabalhando no Vaticano há 36 anos. Como chegou lá?
Silvonei José - Eu fui, muito jovem, trabalhar na Rádio Aparecida, em São Paulo. Era o ano de 1983 e ali foi minha grande escola. Depois eu fui ao Rio de Janeiro, voltei para o Paraná e fui a Roma para fazer um curso de Marketing, e encontrei, em Roma, o padre de Ronoaldo Pelaquin, que era diretor da Rádio Aparecida, que me contratou quando eu fui a Aparecida, e nos encontramos.
Dois meses depois ele me liga, em uma segunda-feira, 8h18min, eu me lembro até do horário. Eu estava fazendo um programa na rádio em que trabalhava e ele disse: “Olha, eu estou assumindo a rádio Vatican News. Você não gostaria de vir para Roma trabalhar comigo?”.
Essa era a ideia por seis meses. Fui. Mas por que eu fui? Era 4 de novembro de 1989, e em 1990 tinha Copa do Mundo na Itália. Na rádio, transmitia futebol, falei: "Pronto, vamos fazer um pulo em emissoras de rádios, vou trabalhar, vou ganhar dinheiro e vou ver a Copa do Mundo”.
Só que o Brasil caiu diante da Argentina, gol de (Claudio) Caniggia, em Turim. E daí? Vou voltar para o Brasil. Quando eu volto para Roma, para me despedir, a direção da Rádio Vaticano me chamou e disse: “Ficaria mais seis meses?”. “Por que não seis meses?”. Se alguém me perguntar: “Vamos fazer alguma coisa por seis meses?”, vira eterno. E eu estou ali há 36 anos.
OP - O que move você nessa missão de evangelização até hoje, após mais de três décadas?
Silvonei José - Eu nasci no analógico e nós estamos no digital. Eu sou um migrante do mundo digital, não sou nativo. E isso é uma grande diferença, porque nós tivemos que reaprender a fazer rádio, televisão, redes sociais, que não existiam e nos quais nós estamos inseridos. Há a facilidade hoje de criar comunicação. Mas, ao mesmo tempo, há a facilidade de criar desinformação.
Nós temos a mesma proporcionalidade daquilo que nós queremos fazer do lado positivo, também do lado negativo. E eu creio que é um grande desafio hoje. Estamos entrando com inteligência artificial que, para mim é magnífica, é um instrumento magnífico, o problema é a utilização.
Quando a televisão entra em circuito, pensa-se: “Ela vai acabar com a rádio”. Então, cria um espaço diferente, uma linguagem diferente, ou que muitas vezes a ideia é a mesma, com conteúdos diferentes.
Nós estamos reaprendendo, através dos meios de comunicação, a criar uma linguagem, e dentro da própria igreja. Não podemos imaginar que no rádio, na televisão, no jornal, nas redes sociais, haverá a mesma linguagem. Os públicos são diferentes. Nós temos hoje um universo de pessoas que habitam no mundo digital. Não dá para desconsiderar absolutamente.
Ai de mim se eu não me comunicar. Ai de mim se eu não subir nos telhados e comunicar a boa-nova. Nós temos um grande conflito para ser transmitido.
OP - Você percebe que tem havido um investimento tanto na comunicação pastoral como na comunicação leiga?
Silvonei José - Absolutamente. Mas, veja só, a essência da Igreja é a comunicação. É a palavra. É o verbo que se fez carne. Do que nós estamos falando aqui se eu não tenho essa consciência?
Então, ali, nós temos que trabalhar também a metodologia da linguagem. Quando eu ensinava na faculdade, eu falava: "Vocês não podem falar como padre: ‘Meus irmãos…’, aquele prolongado que dá dor na consciência da gente. Vocês não podem fazer isso. Nós temos um microfone agora. O microfone é para aumentar a sua voz e não agredir o ouvido das pessoas”.
Isso é tecnologia a serviço do homem. O que nós fazemos com a tecnologia é que é o problema. O que a gente vai fazer com isso e como vai fazer? É uma outra coisa. A Igreja tem muito por fazer ainda.
E graças a Deus, já com intermerífica, nós recordamos o Vaticano II, que coloca a necessidade, a urgência e os desafios da comunicação. Estamos falando do Vaticano II, mais de 60 anos que nós estamos batendo em cima dessa tecla.
O surgimento de novos instrumentos de comunicação nasce de onde? Da genialidade do homem. Se nós não estivermos ali, nós não estaremos comunicando, porque tem um mundo virtual, pessoas que vivem ali. Se não estivermos, alguém vai ocupar esses passos. E a gente não sabe como.
Então, é fundamental criar primeiro uma consciência da necessidade da comunicação, de uma comunicação que seja séria, com responsabilidade, com a linguagem adaptada, com a linguagem que seja realmente acessível a todos.
OP - Existe alguma orientação da Igreja ou do Vaticano no que diz respeito à responsabilidade individual de padres e religiosos que utilizam perfis nas redes sociais?
Silvonei José - Não, porque isso é individual. Nós temos tantos padres, tantos carismas; quem sabe cantar, quem sabe escrever, quem sabe montar piada. Cada um tem um carisma, cada um tem um dom. Agora, o que você vai fazer com esse dom?
Eu tenho certeza de que todos os padres que hoje estão lá, inclusive famosos, querem fazer alguma coisa de bem pela Igreja, pelas pessoas. O problema é como eles são percebidos também pelas pessoas que seguem, que tem um certo segmento.
Mas jamais devem esquecer uma coisa: primeiro, que eles são sacerdotes. Segundo, a mensagem tem que ser sempre maior que o mensageiro, porque, senão, alguma coisa vai errar. Se o mensageiro for superior à mensagem, nós estamos falando de protagonismo. E aí o protagonismo é complicado. Temos que cuidar sempre.
Nós trabalhamos com o mundo da comunicação. E sermos autênticos. Autenticidade é um elemento agora de suma importância.
OP - Você é considerado a voz do papa no Brasil. Como traduzir da forma mais fidedigna possível o discurso de um pontífice?
Silvonei José - São João Paulo II era um grandíssimo comunicador e ele usava todos os recursos cênicos, porque ele estudou teatro, escreveu teatro e foi ator de teatro. Então, ele conhecia muito bem a maneira da comunicação e de como se comunicar. E ele fugia muito do papel. Quer dizer, não era simples você ir atrás de João Paulo II.
A variável qual era? A língua-mãe não era o italiano. Então, às vezes, tem que pescar, na língua que você adota, algumas terminologias baseadas na sua língua-mãe.
Depois vem o papa Bento XVI. Papa Bento era alta teologia. E eu posso dizer porque estou publicando uma trilogia de Bento XVI, em português; publicamos o primeiro, estão saindo o segundo e o terceiro. Há uma profundidade nele.
Nós tínhamos como principal trabalho fazer a ponte entre ele e o povo. Mas, ao mesmo tempo, ele falava de alta teologia com uma simplicidade desarmante. Então, o cuidado era muito.
Depois vem o turbilhão: papa Francisco. A gente preparava os textos, tudo pronto, ele chegava e... “Não, eu acho que não vou ler, não”, jogava e começava.
Quando o papa Francisco chegou a Roma, ele usava o portenho dele, às vezes muitas expressões de Buenos Aires, com o italiano, que ele estava reaprendendo. E a gente ficava: “O que ele quer dizer com isso?”. Ele mesmo dizia: “Eu estou fazendo uma junção de palavras para criar uma nova ideia”. Era interessante. Até uma vez eu brinquei: “Santidade, o senhor dá muito trabalho para a gente”. Aí ele falou assim: “É? Vocês gostam?”. Eu falei: “Claro”.
Uma vez ele me desmontou. Nós estávamos tomando um café durante o Sínodo, ele chega por trás, fica do nosso lado: “Santidade?”. Ele me chamava de brasiliano. “Brasiliano, buon giorno”. Eu falei: “É bom trabalhar com o senhor”, no sentido de que dá sempre muito trabalho para nós e é bom. “Não, o senhor não trabalha para mim. Você trabalha comigo”.
A dimensão dele era uma dimensão de proximidade. A pedagogia do encontro que ele tanto falava, ele vivia.
E agora chega Leão. O Leão, a gente brinca, hoje está rugindo. O Leão é muito catedrático, muito linear, tem uma sensibilidade muito grande, tem uma reflexão muito grande, e para a nossa felicidade, ele segue o texto.
Então, até agora não tivemos essa problemática que tivemos com João Paulo II e com o papa Francisco, porque eles eram muito criativos no meio das conversas.
OP - Quem é o papa Leão XIV?
Silvonei José - Muita gente agora começa, nas redes sociais, a dar opinião. São pessoas privadas de conhecimento que querem colocar em paralelo. “O papa Francisco fazia diferente, mas papa Francisco…”. Ele não é Francisco II, ele é Leão XIV. Ele não é João Paulo II, ele é Leão XIV.
Como ele falou para nós: "Eu estou aprendendo a ser papa, não tem uma escola para ensinar a ser papa. Eu estou aprendendo”. Ele é uma pessoa altamente reflexiva, é uma pessoa que escuta muito.
É uma pessoa humilde, realmente muito humilde, que conheceu a realidade peruana, portanto, botou a mão na massa. Trabalhou com os pobres. Ele salvou muita gente durante o período de covid com os respiradores. Ele conseguiu. Ele saía para poder encontrar e ajudar as pessoas.
Tem uma história de uma menina que ele batizou e ele a salvou. E ele foi depois escolhido como o padrinho. A afilhada dele é afilhada do papa agora. Não é pouca coisa!
Nós fizemos um documentário sobre a presença de Prevost em Chiclayo, e para eles (peruanos) é padre Robert, basta. E é justamente por causa daquela interação. As pessoas não se identificam porque ele é um bispo, mas porque ele é o nosso pastor e está caminhando ali com a gente. Olha o quanto é importante não apontar só apontar o caminho, mas caminhar junto.
OP - Dos papas com os quais você conviveu, Francisco foi aquele com o qual você falava mais informalmente?
Silvonei José - Me perdoem os argentinos que estão do lado de lá, mas vou contar uma história. No primeiro encontro com o papa Francisco, tínhamos terminado de fazer a crônica da Páscoa e o padre Lombardi, que era o porta-voz do papa, falou: “A Santidade quer saudá-los”. E eu falei: “Vamos lá”. E eu fui o último, porque terminei a minha crônica por último. Quando eu chego para saudá-lo, o padre Lombardi: “Olha, esse é o Silvonei, e o senhor tem a voz do Silvonei no Brasil”.
Ele falou: “O Brasil?”. “Sim, Santidade, no Brasil”. Ele falou: “Ah, então eu tenho uma dúvida”, e abaixou a cabeça. Na primeira vez em que você encontra o papa e ele abaixa a cabeça dizendo que tem uma dúvida... Eu falei: “Santidade, eu posso ser útil em alguma coisa?”. “Pode”, e levanta a cabeça.
E aquilo que ele falou uma centena de vezes: “Quem era melhor, Pelé ou Maradona?”. E eu falei: “Santidade, só um argentino tem essa dúvida”. Daí me veio na cabeça: eu estou falando com o papa.
E ele levantou a cabeça, porque ele não esperava. Aquele segundo de silêncio. “Isso é inteligência. Que bela resposta”, e veio e me abraçou. O único que ele abraçou naquele dia.
E isso ficou na cabeça dele, porque, dois meses depois nos encontramos na saída da sala do Sínodo, ele me olha assim: “Eu nunca mais falo de futebol com você”. Posso dizer que ele era de uma acessibilidade muito grande.

OP - Em 2020, o papa Francisco concedeu a notável benção Urbi et Orbi, na praça São Pedro vazia, no auge da pandemia de covid. Como você narrou aquele momento?
Silvonei José - Em 27 de março. Eu creio que foi uma das transmissões mais difíceis. Era bastante simples no geral, mas havia preocupações. Primeiro, o que dizer diante de um momento como aquele? É como você colocar água no vinho e, ao mesmo tempo, fazer com que as pessoas pudessem rezar com o papa. Esse era o grande desafio, fazer com que as pessoas rezassem.
E vou dizer uma coisa, aquele evento nasce não por desejo do papa; claro, depois por desejo dele, mas de um padre do norte da Itália, que escreveu para ele dizendo: "Eu sonhei com o senhor sozinho dentro daquela imensa praça, rezando com o mundo. Por que o senhor não faz isso?" E ele: "Vamos fazer, então". Ele era muito intuitivo, expansivo e decidia as coisas fechando e abrindo os olhos.
Quando ele sobe a rampa de acesso, o patamar da Basílica, começou aquela chuvinha fina, aquela garoa, era como se Deus chorasse junto. Não era um balde de água, era um choro intermitente, dizendo: eu também sofro.
Depois o papa Francisco vai e abraça o crucifixo, chamado Crucifixo dos Milagres, que está em Roma. Já em 1500 foi utilizado em procissão pelas ruas de Roma e uma semana depois a peste tinha acabado, por isso que é chamado de crucifixo dos milagres. Depois a Salus Populi Romani, que é um ícone por excelência e que ele foi mais de 140 vezes, durante o seu pontificado, para pedir intercessão de Nossa Senhora.
Foi realmente um momento muito significativo. Não só para os católicos. Eu tenho amigos que não são católicos que disseram: “Naquele dia, eu parei de trabalhar para rezar”.
Pensávamos que esse seria o milênio da tranquilidade e nós vemos agora o que está acontecendo. Começamos com desastres, depois com os conflitos que estamos vivendo, Oriente Médio. E o papa Francisco já falava: “Nós já estamos vivendo a terceira guerra mundial em pedaços”. Ele sabia perfeitamente o que estava falando.
OP - Nos últimos meses da vida dele, acompanhamos o sofrimento pelo qual ele passou. Você fazia a leitura dos boletins e sabia antes das informações sobre a internação. Como lidou com isso?
Silvonei José - Eu o encontrei dois dias antes de ele ir para o hospital Gemelli. E falei: "Como está o senhor, Sua Santidade?". Ele dizia: "Estou bem". E eu falei: “Santidade, nós temos um ano inteiro, tem um Jubileu pela frente”. Ele dizia: “Vocês é quem vão trabalhar". O bom humor dele era admirável. Isso ajudava muito a gente.
A gente aguardava as notícias que chegavam para nós primeiro, para poder entender a dificuldade que estava tendo aquele homem, que sempre foi de comunicação, de falar, e tiraram a voz dele. Era o homem do abraço e depois ninguém mais pôde abraçar.
Você vive sozinho. A gente faz referência à metáfora da vida. Você vive sozinho o último percurso e tem de estar preparado. E ele naturalmente estava preparado, mas ele queria fazer mais, ele queria sair do hospital. E ele só foi para o hospital, porque foi meio obrigado. Havia a canonização de Carlo Acutis. Para nós, foi também um baque muito grande, porque tínhamos uma grande proximidade com ele, com a nossa realidade de trabalho.

OP - Você tem acompanhado momentos muito importantes no Vaticano. Como lidar com a notícia e com a emoção quando se está tão envolvido com o assunto?
Silvonei José - A gente é humano. Claro, tem que ser objetivo, não há a menor dúvida, mas uma das características da comunicação é a emoção. A partir do momento em que eu não provoco mais emoção em você, muda, porque alguma coisa está errada.
A comunicação, para mim, é criar uma relação. E a relação você cria através da emoção. Então, é importante. Negativo ou positivo, que seja. Porque se as pessoas não concordam com estou conversando com você agora, faz um clique e acabou a história. Não quero ouvir mais. Se interessa, aumenta o volume.
É como a música boa, quando você tem uma música boa ouvindo no rádio. Por que você aumenta o volume? Porque é aquela música que toca o coração, que dá um sentimento, dá recordações, cria emoção para você. E quando é uma música você não quer, ou fere até os ouvidos, ou você baixa o volume, porque não quer ouvir, ou muda de estação.
OP - Durante eventos sensíveis, como foi o caso da internação do papa Francisco, como o Vaticano consegue manter um controle de comunicação tão eficaz, garantindo a confidencialidade das informações por meio dos boletins oficiais? Nada vaza do Vaticano?
Silvonei José - Há o embargo, que é uma palavra que a gente usa muito lá no Vaticano, assim como a expressão "sob embargo". Já houve situações em que o embargo não funcionou, não pelos nossos jornalistas, mas por terceiros, que ouviram alguma coisa no corredor e aí já se começa a deduzir.
Chegaram uma vez a publicar uma encíclica um dia antes do lançamento. Foi desagradável, foi realmente desagradável. Mas a nossa especificidade é a boa-nova, é o magistério petrino. Eu recebo, por exemplo, um dia antes, em geral, tudo o que o papa vai falar. Eu tenho. Eu podia pegar aquilo lá e passar, já imaginou?
Só que são coisas sérias, estão sob embargo. Com algumas, a gente até brinca: “Embargadíssimo”. Nós precisamos trabalhar a comunicação nesse sentido, da melhor maneira para fazer com que aquela mensagem que o papa vai transmitir, vai apresentar, vai nos deixar, seja bebida pelas pessoas da melhor maneira possível. É uma questão de respeito e fidelidade ao texto, à intenção e à mensagem.
OP - A Inteligência Artificial não assusta o Vaticano?
Silvonei José - Eu gosto de uma resposta que o papa Francisco nos disse uma vez: eu não tenho medo da inteligência artificial, eu tenho medo da inteligência humana. Por que da inteligência original? Porque somos nós que criamos a inteligência artificial.
Somos nós que alimentamos, porque a inteligência artificial não tem pensamento, não tem emotividade. Ela não é eu, inteligência. Nós que colocamos os dados lá dentro e ela vai pensar, entre aspas o pensar, vai construir ideias a partir daquilo que eu coloquei.
E onde está o grande problema de tudo isso? Eu posso direcionar respostas da inteligência artificial. Eu posso criar conflito, eu posso dar opiniões que não condizem com a realidade. E aí eu vou começar a alimentar outro tipo de comunicação.
Voltamos não só com fake news, mas com a inverdade. Inverdade absoluta do que você constrói para danificar, para causar dor no outro. A inteligência artificial é um grandíssimo instrumento, seja para educação, seja para saúde, seja para a própria pesquisa.
Eu falo para os meus alunos que eu tenho pena dessa geração. Sinto porque eles não tiveram a possibilidade, como eu tive, quando eu estudava, de reunir os amigos da escola e ir para biblioteca para fazer pesquisa. Tinha um único livro. Um ditava e todo mundo escrevia. Daí terminava, porque a xerox não existia, e era a hora da Coca-Cola, do sorvete, das brincadeiras e da confraternização.
Hoje nós não temos mais isso. A relação da comunicação que eu falava antes está se perdendo e esfriando aquilo que deveria ser aquecido.

OP - Nesses 36 anos de trabalho no Vaticano, qual momento você considera ter sido o mais notável em sua experiência pessoal?
Silvonei José - Eu creio que foi a morte de João Paulo II. Ele morreu em um sábado. Na sexta-feira anterior, às 2 horas da manhã, eu fui chamado pelo padre Lombardi, nosso diretor naquela época e o porta-voz da Santa Sé, e disse que o papa tinha entrado em agonia.
Você imagina, às 3 horas da manhã, você sair de casa... Nós esperamos o dia inteiro que a notícia não chegasse - o nosso desejo era esse. Às 21h37min, 40 mil pessoas estavam na praça São Pedro rezando pelo papa João Paulo II.
E quando vem aquela notícia, que realmente esperávamos, mas não queríamos. É a notícia que você não quer dar. No dia seguinte teve a missa, celebrada pelo cardeal (Angelo) Sodano, que era o secretário de Estado, na intenção do Santo Padre.
Quando nós terminamos de fazer a crônica, veio o padre Lombardi e disse: "Estão levando o corpo do papa para a Sala Clementina”. Sala Clementina é uma sala muito bonita que tem no segundo andar do Palácio Apostólico. “Vocês querem dar a saudação ao papa?”.
Nós estávamos na Sala Régia, que é a sala que dá acesso à Capela Sistina. Da Sala Régia até a Clementina são uns 100 metros, eu creio. Acho que foram os 100 metros mais longos da minha existência, porque a gente ficava pensando em todos aqueles momentos que a gente viveu com João Paulo II. Quando nós entramos na sala, havia dois guardas suíços e o papa, deitado. Mais ninguém.
E nós, que éramos cronistas, ficamos sozinhos com ele. Foi um privilégio para nós. Os chefes de Estado estavam chegando, o presidente italiano estava chegando. E nós ficamos ali para não deixá-lo sozinho, ele estava só com a Guarda Suíça.
Depois houve aquela invasão. Três milhões de pessoas invadiram Roma. Para a gente trabalhar, a gente tinha que pedir para a polícia abrir brechas no meio daquela multidão para podermos chegar ao local. No dia do funeral dele, que foi às 10 horas da manhã, nós fomos trabalhar às 2 da manhã, para poder chegar. O medo era de não chegar ao Vaticano. Foi uma emoção. A minha esposa ficou 12 horas na fila, a noite inteira, para ver o papa.
OP - Qual mensagem você deixaria para os comunicadores?
Silvonei José - Um dos elementos também importantes, ao qual, ao longo do tempo da comunicação, eu sempre dei maior importância, é o tempo. Eu gosto tanto do tempo que eu tenho uma coleção de relógios, para marcar o tempo. Mas por quê?
Esse tempo que você me deu agora, eu não posso restituir. Podemos fazer 10, 20, 30 entrevistas daqui para frente, mas não vai ser esse, vai ser um novo. Aquilo que você me deu é meu agora. Eu não posso restituir. Isso é um presente, é um dom que você me dá.
Nós temos que entender isso também, principalmente a nossa juventude, através das redes sociais. Quando a gente coloca alguma coisa, aquela palavra é como vento, eu não tenho mais como buscar, não tenho mais como remediar.
Nós temos que criar uma responsabilidade da importância da comunicação, da importância das palavras, o peso específico da palavra. A responsabilidade da nova geração é de construir significado. Nós temos que voltar a construir esse significado na nossa comunicação e uma comunicação que hoje chega a todos.
Eu recordo do meu professor de comunicação que dizia: "Fale pra dona Maria que o doutor vai entender. Se você falar apenas para o doutor, a dona Maria vai ficar sempre no último banquinho lá e não vai entender”. É exatamente isso.
A competência não está em ser erudito, mas de comunicar e comunicar o que as pessoas possam entender. Temos de ser inclusivos, absolutamente inclusivos. O direito de comunicação é o direito de entendimento de todos.

Voz global
Silvonei José é responsável pela comunicação do Vatican News em português, cuja programação chega a países de todos os continentes. O sistema é transmitido em 56 línguas, alcançando cerca de 400 milhões de falantes de português em todo o mundo.
Quatro papas e uma voz
Silvonei testemunhou diferentes estilos de liderança e comunicação dentro da Igreja. De João Paulo II, recorda o carisma e a teatralidade. De Bento XVI, defende a inteligência e a profundidade teológica. Do “turbilhão” Francisco, destaca sua humanidade, o bom humor e o legado de proximidade. De Leão XIV, diz se tratar de um líder sensível e humilde, que está descobrindo o ofício de ser papa.
Visita a Fortaleza
Em outubro, o jornalista participou da 2ª edição do Conecta ArqFor, evento sobre o uso da comunicação para evangelização no Ceará. Na Capital, em visita ao O POVO, Silvonei se reuniu com a presidente institucional e publisher do Grupo, Luciana Dummar, e concedeu entrevista a vários programas do O POVO e da Rádio O POVO CBN.
Grandes entrevistas