O arquiteto, paisagista e doutor em Design por Harvard, Kongjian Yu, amplamente reconhecido como o "pai das Cidades Esponja" foi uma das vozes mais potentes na luta por uma sociedade que conseguisse aliar o desenvolvimento à sustentabilidade.
Morto em um acidente de avião em 23 de setembro de 2025, Yu foi constantemente comparado a Frederick Law Olmsted, o influente fundador da arquitetura paisagista nos Estados Unidos.
No entanto, o menino nascido em 1963 na província de Zhejiang, no leste da China, preferia se descrever como o "filho de um camponês", uma identidade profundamente enraizada em sua filosofia de design e em sua luta incansável contra a deterioração ecológica urbana.
Sua visão de um "Planeta Esponja", que hoje orienta a política ecológica nacional na China, não nasceu em uma sala de aula de elite, mas sim na sua aldeia natal de Dong Yu, um lugar que ele chamava de paraíso.
Os primeiros 17 anos de Yu, vividos sob o ritmo do clima de monções, definiram sua compreensão da água.
Ele lembra-se de cavar poços com membros do vilarejo durante as secas e de lutar pelo acesso à água, que era a essência da vida no campo.
Sua comunidade era abastecida por um sistema de 36 açudes baixos no rio Wujiang que, ao retardar a água, facilitavam a irrigação das plantações.
Um momento decisivo para a formação de Yu ocorreu em 1972, quando o uso de pesticidas à base de Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) causou uma morte massiva de peixes no rio.
Até aquele ano, não era comum o uso de pesticidas químicos tão fortes, mas após a abertura das relações da China com os Estados Unidos, a entrada desse tipo de produto ficou mais e mais comum.
No ano seguinte, Yu quase se afogou no Wujiang, cujo nível estava muito maior por conta das fortes chuvas daquele período. Ele conseguiu, porém, agarrar-se a um galho de salgueiro, evitando a correnteza.
A experiência teria o ensinado sobre a resiliência criada quando o azul da água e o verde da vegetação se unem.
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Esta infância rural o ensinou que a "sabedoria do campesinato" era um legado de sobrevivência, um conjunto de soluções baseadas na natureza, de baixa tecnologia e ecologicamente sólidas, como os terraços de arroz e os tanques de regulação.
Contudo, a modernização e a industrialização rejeitaram esse conhecimento vernáculo, substituindo-o por concreto e controle mecânico.
O rio Wujiang foi canalizado, e os lagos e sistemas de irrigação tradicionais foram enterrados, transformando sua paisagem romântica da infância em um sistema de tubos de concreto, vulnerável a inundações e secas.
A destruição de seu próprio paraíso foi o que o levou a acreditar que era necessária uma revolução.
A filosofia de Yu se baseia na distinção entre a "alta cultura" dos jardins ornamentais, que serviam apenas ao prazer da elite, e a "baixa cultura" funcional da agricultura e da irrigação, essencial para a sobrevivência das massas.
Para ele, a arquitetura paisagista deve ser encarada como a arte da sobrevivência, abordando questões de subsistência e não de mero ornamento ou prazer.
Após testemunhar as catastróficas inundações do Yangtze em 1998, que demonstraram o colapso da infraestrutura rígida cinzenta do progresso, Yu desenvolveu o conceito de cidade esponja.
A cidade esponja é uma estratégia de planejamento urbano que visa a restaurar os padrões hídricos naturais para construir resiliência climática.
O conceito foi adotado como política nacional na China, com milhares de projetos implementados em mais de 200 cidades, e serve como um modelo global.
O cerne da filosofia da cidade esponja é a antítese da engenharia moderna: o conceito de "água lenta".
Em vez de lutar contra a água canalizando-a e acelerando seu fluxo, a infraestrutura ecológica verde deve reter a água na sua fonte, abrandar o escoamento e permitir a permeabilidade.
Ao retardar a água, cria-se tempo e espaço para que a vida floresça, o solo absorva os poluentes, o lençol freático seja reabastecido, os extremos climáticos sejam amortizados e a beleza surja, transformando rios e
Yu advogava pela substituição do urbanismo centrado no desenvolvimento econômico por um urbanismo ecologicamente prudente.
Seu conceito de Planeamento Negativo (ou Abordagem Reversa), desenvolvido em 2003, sugere que o planejamento paisagístico deve liderar o desenvolvimento.
Isso significa que a infraestrutura ecológica – integrando sistemas de gestão de águas pluviais, corredores verdes e conservação da biodiversidade – deve ser planeada primeiro, antes que a urbanização dite o uso da terra, salvaguardando, assim, os processos naturais.
Para operacionalizar sua filosofia, Yu fundou a Turenscape em 1998, um dos primeiros escritórios privados de arquitetura paisagista na China.
O nome Turenscape é uma fusão das palavras chinesas Tu (terra) e Ren (ser humano), com o sufixo "scape", de landscape, palavra inglesa para "paisagem", significando "homem da terra" e refletindo a busca pela harmonia entre terra e pessoas.
A Turenscape cresceu para ser uma das maiores do mundo, com mais de 500 profissionais, e construiu mais de 1.000 projetos em mais de 250 cidades.
Um projeto de reciclagem de uma antiga área industrial que manteve a memória da história da classe comum e recuperou o ecossistema. Yu removeu o pavimento de concreto, reintroduziu a vegetação nativa — incluindo ervas daninhas, antes consideradas feias — e apresentou uma nova estética da conservação ambiental
Um projeto de descanalização que transformou um rio cimentado em um corredor verde multifuncional e resiliente. Utilizando paisagismo como abordagem de controlo de inundações, a requalificação permitiu que o processo de inundação, a biodiversidade e a recreação humana coexistissem no mesmo espaço
Em resposta à subida do nível do mar, este conceito aplicado em Hainan, no sul da China, substitui as defesas rígidas de concreto por uma fronteira viva e porosa que se adapta às marés. Utiliza manguezais dinâmicos e plantações em formato de degraus (os socalcos) para absorver a força das ondas de tempestade e restaurar a função ecológica, em vez de tratar o mar como um inimigo a ser domado
Yu dedicou sua carreira a lutar contra o urbanismo autodestrutivo. Para além do seu trabalho prático, ele foi um incansável ativista e educador.
Ele fundou a primeira faculdade de arquitetura paisagista da Universidade de Pequim e ajudou a mudar as políticas chinesas através de inúmeras cartas aos líderes e mais de 600 palestras a prefeitos e funcionários de todos os escalões.
Em 2003, ele escreveu o livro The Road to Urban Landscape: A Discussion with Mayors (O Caminho para a Paisagem Urbana: Uma Discussão com Prefeitos) para educar os gestores públicos, criticando os erros de design urbano e propondo o paisagismo como infraestrutura.
Pelo seu trabalho em integrar ambientes construídos, urbanos e naturais, e por defender o conceito de Cidades Esponja, Kongjian Yu recebeu o prestigiado Prêmio Internacional de Arquitetura Paisagista Cornelia Hahn Oberlander em 2023, o Prêmio IFLA Sir Geoffrey Jellicoe em 2020 e o Prêmio Nacional de Design Cooper Hewitt em 2023. Ele também era um membro honorário internacional da Academia Americana de Artes e Ciências desde 2016.
Suas pesquisas pioneiras em Padrões de Segurança Ecológica (1995) e Infraestrutura Ecológica, Planeamento Negativo e Cidades Esponja (2003) foram adotadas pelo governo chinês em 2013 como teoria orientadora para campanhas nacionais de proteção e restauração.
Para enfrentar a magnitude da crise climática, Yu argumentava que o conceito de cidade esponja deve ser expandido para um "Planeta Esponja".
Isso exige que o planeamento vá além dos limites urbanos e pense em termos de bacias hidrográficas e biorregiões, restaurando planícies aluviais e florestas de altitude.
A transição para um Planeta Esponja exige a institucionalização dos princípios de permeabilidade, retenção de água e design adaptativo em normas globais, exigindo uma mudança cultural: a água deve ser vista como vida a ser abraçada, e não como resíduo a ser drenado.
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Apesar de a China ser o "campo de batalha" onde essas ferramentas ecológicas são mais urgentemente necessárias devido aos severos problemas ambientais e à escassez de recursos, Yu acreditava que o planeta é um ecossistema único.
A natureza já demonstrou como absorver, adaptar-se e perdurar, e o Planeta Esponja é uma resposta pragmática e cheia de esperança ao futuro incerto.
Seu conselho final é simples: pense como a água – adaptável, fluida, que busca o equilíbrio – e projete com a natureza. A beleza não é um luxo, mas o combustível para a conexão emocional e a gestão a longo prazo.
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