Carol Kossling é jornalista e pedagoga. Tem especialização em Assessoria de Comunicação pela Unifor e MBA em Marketing pela Faculdade CDL. Pautou sua carreira no eixo SP/CE. Fez parte da equipe de reportagem do Anuário Ceará e da editoria de Economia do O POVO. Atualmente é Editora de Projetos do Grupo de Comunicação O POVO
Graduada em Farmácia e doutora em Farmacologia, a cientista conversa com a coluna sobre o mercado de cientistas mulheres no Brasil e no Ceará e sua evolução
A coluna bate um papo com Adriana Rolim sobre o mercado de cientistas mulheres no Brasil e no Ceará e o que é possível para aumentar a participação feminina nesse setor.
Adriana é graduada em Farmácia e é doutora em Farmacologia. Atualmente, orienta alunas e alunos de graduação, mestrado e doutorado e supervisiona estágios de pós-doutorado. Contribui periodicamente com diversas agências de fomento e revistas científicas de circulação nacional e internacional.
É bolsista de Produtividade em Pesquisa desde 2017 e membra Titular da Academia Cearense de Ciências. Atualmente, também ocupa a função de professora titular da Universidade de Fortaleza (Unifor), onde também é coordenadora de Pesquisa da Vice-Reitoria de Pesquisa.
O POVO - Como avalia o ambiente de pesquisa para as mulheres no Brasil e no Ceará? Adriana Rolim - Em estudo conduzido pela editora Elsevier, verificou-se que a proporção de mulheres na pesquisa está aumentando em todos os países estudados, incluindo o Brasil.
O estudo também concluiu que as mulheres constituem 49 % da população de cientistas do Brasil e de Portugal, tornando estes países particularmente importantes por alcançar a paridade de gênero na ciência.
Este resultado causou surpresa porque, em geral, as notícias sobre mulheres no Brasil tendem a ser de natureza negativa.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) concede Bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ) e Produtividade em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora (DT) como forma de valorização dos pesquisadores.
O POVO - Qual o significado dessas Bolsas?
Adriana - Mais do que pelo benefício monetário, estas bolsas são cobiçadas pelo status que conferem aos pesquisadores.
As bolsas são divididas em níveis: 1 (A – mais alto, B, C, D e E) e (todos os pesquisadores iniciam pelo nível 1E) e a modalidade sênior, concedida a pesquisadores que tenham permanecido durante pelo menos 15 anos com bolsas PQ/DT 1A ou B.
As mulheres compõem a maior parte da população bolsista do CNPq nos níveis iniciais (iniciação científica e mestrado) e passam a ter menor representação nas bolsas de doutorado, pós-doutorado e produtividade em pesquisa.
Em estudo realizado por Valentova et al. (2017), foram analisadas 13.625 bolsistas PQ e concluiu-se que as mulheres estão mais representadas nos níveis mais baixos e que os homens são detentores da maioria das bolsas de níveis mais elevados (1A e 1B).
Dessa forma, apesar do número de pesquisadoras ter crescido mundialmente nas últimas décadas, o legado histórico desfavorável ainda repercute na representação minoritária das mulheres na ciência mundial, na concentração em determinadas áreas de conhecimento relacionadas às profissões socialmente identificadas como femininas e na sub-representação em posições deliberativas da política científica e tecnológica.
Além disso, mulheres cientistas são menos promovidas a cargos de chefia, ganham menos bolsas de produtividade e são mais propensas a deixarem as pesquisas do que homens com qualificações semelhantes.
Adriana - A participação das mulheres na história da ciência é pautada por obstáculos culturalmente construídos. Nos primórdios, o referencial masculino era primazia, o feminino era colocado em oposição à função de cientista e a maternidade era empecilho para a produção científica.
Vigentes até o momento, mas com algumas transformações empreendidas ao longo dos anos e mais fortemente em algumas regiões brasileiras, esses obstáculos, contudo, parecem se somar aos encontrados na cultura nordestina, colocando a mulher em posição de desvantagem.
O POVO - O que dizem estudos mais recentes?
Adriana - Em estudo recente, verificamos que em 2022 existiam 15.432 bolsistas de Produtividade em Pesquisa do CNPq no Brasil.
Destes, 389 (2,52%) eram pesquisadores atuando no estado do Ceará, dos quais 129 (33,16%) eram mulheres. As áreas com maior número de mulheres bolsistas (50%) no estado do Ceará foram Ciências da Saúde (65,21%), Linguística (60%) e Outras (50%).
Dos 21 bolsistas 1A, somente seis (28,57%) eram mulheres. As áreas com menor número de mulheres bolsistas foram Engenharias (14,81%), Exatas e da Terra (18,75%) e Ciências Agrárias (20%).
Em relação ao nível da bolsa, a maior concentração de bolsas está no nível 1E e a maior proporção relativa de mulheres está no nível 1D (42,64%).
Existiam 228 bolsistas de Produtividade Sênior no país e 1,31 % atuavam no Ceará uma mulher. Dos 740 bolsistas de Produtividade em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora, 2,83 % atuavam no Ceará, dos quais somente 14,28 % eram mulheres.
Os resultados apontam desigualdade entre homens e mulheres na ciência cearense, considerando as Bolsas de Produtividade e Pesquisa do CNPq. Numa população de 389 pesquisadores detentores de Bolsas de Produtividade no estado do Ceará, apenas 33,16 % eram do sexo feminino.
Esses dados coadunam com o cenário nacional, onde, em 2019, 35,6 % das bolsas de produtividade do CNPq eram ocupadas por mulheres.
A sub-representação feminina também é constatada no âmbito mundial, com uma média regional de participação de 48,2 % na Ásia Central, 45,1 % na América Latina e no Caribe, 41,5 % nos países Árabes, 39,3 % na Europa Central e Oriental, 32,7 % na América do Norte e na Europa Ocidental, 31,8 % na África Subsaariana, 23,9 % no Leste Asiático e Pacífico e 18,5 % no Sul e no Oeste da Ásia.
A ínfima participação do estado cearense no usufruto de bolsas de pesquisa (< 5,00 %) denota que, apesar dos avanços nas áreas de ciência e tecnologia no Nordeste, resultantes da ampliação e interiorização das instituições de ensino superior e do crescimento das publicações e pedidos de patente, o Brasil ainda concentra nas regiões Sul e Sudeste os principais núcleos de pesquisa do país.
A maioria da produção científica nacional também provém dessas regiões, sendo o estado de São Paulo responsável por 20 % das publicações.
Além disso, o histórico de desigualdades regionais no âmbito da ciência brasileira e nas questões de gênero mundialmente destacadas assenta a mulher cearense em um patamar duplamente inferior no processo de participação igualitária na carreira científica.
A sub-representação feminina nas áreas de ciência e tecnologia ocorre em duas modalidades: a exclusão horizontal e a vertical. A exclusão horizontal é percebida a partir do pequeno número de mulheres em áreas específicas do conhecimento, como nas áreas tecnológicas e exatas, e sendo maioria em áreas relacionadas ao cuidado.
A exclusão vertical, por sua vez, ocorre quando da pequena participação feminina em postos avançados de carreira e em posições de prestígio. Os dados da participação feminina na ciência do Ceará correspondem a essas modalidades de sub-representação, principalmente no quesito exclusão vertical. Somente 01 mulher no estado possui bolsa de Produtividade Sênior.
Além da sub-representação feminina na ciência cearense, as pesquisadoras bolsistas apresentam um percurso inicial de carreira, sendo a maioria beneficiária de bolsas Nível 1E.
Sabe-se que no contexto histórico-cultural da ciência as mulheres adentram no campo da pesquisa com cerca de cinco anos de atraso em relação aos homens.
Esse fato encontra justificativa também na concomitância dos períodos fértil e de início de carreira femininos, provocando desvantagens para aquelas que optam pela maternidade e decidem conciliar família e profissão.
O POVO - Sempre foi desta maneira ou evoluímos de alguma forma?
Adriana - Na tentativa de reverter a desigualdade entre gêneros na ciência, muito se tem pesquisado sobre o assunto e algumas ações também têm sido empreendidas para promover o acesso das mulheres nessa área.
É importante destacar as ações do movimento Parent in Science que surgiu com o intuito de levantar a discussão sobre a parentalidade dentro do universo da academia e da ciência.
A criação do movimento fomentou a discussão sobre as consequências da chegada dos filhos na carreira científica de mulheres e homens, em diferentes etapas da vida acadêmica que levaram a mudanças concretas no cenário científico brasileiro, trazendo a maternidade para o centro da discussão.
Hoje, diferentes editais de financiamento consideram os períodos de licença-maternidade na análise de currículos,o que é considerado um grande avanço.
No Ceará, é importante destacar o pioneirismo da Funcap que em 2022 lançou o edital "Mulheres na Ciência" que tem como tem como principal objetivo apoiar projetos de pesquisa, de qualquer área do conhecimento, em instituições do Ceará, que sejam coordenados por mulheres.
A partir da iniciativa da Funcap, outras fundações estaduais também passaram a promover programas de apoio às mulheres cientistas.
O POVO - O que é preciso para mudar essa realidade e a mulher assumir o protagonismo também nessa área?
Adriana - Na tentativa de reverter a desigualdade entre gêneros na ciência, muito se tem pesquisado sobre o assunto e algumas ações também têm sido empreendidas para promover o acesso das mulheres nessa área.
Porém, transformações profundas são necessárias para ressignificar concepções de vida familiar e de trabalho e desconstruir estereótipos de gênero predominantes nos âmbitos produtivo, comunitário e pessoal.
A presença de redes de apoio, mentorias, políticas públicas e institucionais de equidade de gênero e a promoção de um ambiente de trabalho inclusivo são fatores cruciais para melhorar as condições das mulheres na pesquisa.
É essencial que sejam criados espaços que reconheçam e valorizem as contribuições das mulheres cientistas, proporcionando oportunidades equitativas para avançar em suas carreiras.
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