Editora-adjunta do O POVO+ especializada em ciência, meio ambiente e clima. Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é premiada a nível regional e nacional com reportagens sobre ciência e meio ambiente. Também já foi finalista do Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar na região Nordeste
Foto: Rogério Alves/TV Senado
O rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, cujos donos são a Vale a anglo-australiana BHP, causou uma enxurrada de lama que inundou várias casas no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais
Não é à toa que a autorização da Petrobras para perfuração exploratória na Foz do Amazonas (bloco FZA-M-59) tenha gerado revolta e medo entre ambientalistas, movimentos sociais e povos tradicionais. Deixemos as evidências científicas climáticas de lado, no que tange a urgência de cessar a produção e o consumo de combustíveis fósseis. Deixemos a economia em segundo plano. O que vimos nos últimos 25 anos? Em reportagem do O POVO+, foram contabilizados pelo menos sete desastres tecnológicos e socioambientais desde o ano 2000.
Somente em Mariana, foram 19 mortos. Em Brumadinho, foram 272. Isso de vítimas humanas. Ao estender o desastre para as vidas não-humanas e mais-que-humanas, o cálculo é quase impossível. No rio Doce, afetado pela lama contaminada da barragem da Samarco, viviam 11 espécies de peixes ameaçadas de extinção e 12 endêmicas. Mais de 11 toneladas de peixes morreram, por exemplo.
Em 2019, na época do vazamento de óleo nas praias do Nordeste, as fotos de rêmoras e tartarugas marinhas mortas cobertas de petróleo eram chocantes, mas não refletiam nem de perto a imensidão do impacto. Dimensão essa que temos até hoje dificuldade em apresentar, considerando os desafios de fazer pesquisa no Brasil — especialmente as que envolvem o oceano.
Tem quem pense que a contrariedade à exploração de petróleo na Margem Equatorial seja um preciosismo anti-desenvolvimentista, mas o amplo histórico brasileiro com o descaso socioambiental dá o tom da discussão.
Em um País que repete os mesmos erros, sem evidências de melhoras — apenas quatro anos separam Mariana de Brumadinho —, em um País no qual os governantes votam pela flexibilização do licenciamento ambiental, há espaço para a confiança?
Foto: Joshua Stevens / NASA Earth Observatory
Cerca de duas semanas após o crime ambiental da barragem em Mariana, que aconteceu em 5 de novembro de 2015, os resíduos de ferro alcançaram as águas do Oceano Atlântico, a partir do Espiríto Santo
O caso da exploração de petróleo na Foz do Amazonas, território tecnicamente desafiador pelas fortes correntes marinhas, traduz um grito de mais de um século. Quantas vidas valem o suposto desenvolvimento econômico?
Os 19 mortos de Mariana são mensurados como perdas previstas? E os 272 de Brumadinho? As toneladas de peixes, corais, rêmoras, tartarugas, algas e tantos outros organismos valem de alguma coisa para as empresas?
Não é uma pergunta maldosa, mas objetiva. O que existe é uma desconexão do setor econômico com o aspecto fundamental da luta socioambiental: a vida. O valor da vida é incalculável, mas a economia só pode funcionar no quantificável.
É nessa tentativa que surgem estratégias como o cálculo de serviços ecossistêmicos, no qual os serviços de provisão, de regulação, de suporte e culturais prestados pela Natureza são avaliados em um montante financeiro. É dizer que a Amazônia em pé vale pelo menos 1,5 trilhão de reais, segundo o Banco Mundial — sete vezes mais que o agronegócio.
No entanto, nem mesmo os trilhões parecem mover a classe política e econômica brasileira. A pergunta persiste: como confiar?
A resposta simples tem sido não confiar. Se o governo brasileiro, a Petrobras e qualquer outra empresa almeja seguir operando sem embates com a sociedade civil, esta deverá ser a primeira pergunta a ser respondida com dados e evidências práticas. Afinal, por que deveríamos confiar nossas vidas a vocês?
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