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Saúde política, primavera mental
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Saúde política, primavera mental

Na quentura do asfalto precisa rebentar a primavera em uma semiárida, pela saúde política e pelo tesão de continuar existindo
Tipo Crônica
2310demitri (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 2310demitri

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Dizem que Fortaleza não tem primavera, talvez seja verdade. Deve ter sim. Se não tivesse, o que são todas essas flores por aí? E mesmo que o nome não seja primavera há avenidas, paradas de ônibus e encostas de viadutos repletos de amarelo, de róseo, de violeta, de lilás, de encarnado.

E se não há primavera por aqui, se não quiseram parir essa estação pra gente olhar e ter o prazer de não varrer o chão, inventemos outro nome. Tempo de mais beija-flores, inflorescência cearense, mês-de-ver-mais-flor. Sei lá.

A primeira rebentação das flores antes do inverno no semiárido, numa cidade que tem mar, vem para diminuir a sensação de buzinas, a gastura das fumaças das gasolinas fósseis, vem para estancar os cânceres.

 

Fazia sentido tudo que fez até ali, mas o presente pediu para existir sozinho. Cada dia um dia 

 

Uma amiga escreveu e eu li no jornal que os sonhos dela tiveram de mudar tempestuosamente. Uma subida pelo pé de feijão não mágico do João com o paraquedas arrombado. Veio a necessidade, à força, de ter de viver outra história.

Fazia sentido tudo que fez até ali, mas o presente pediu para existir sozinho. Um dia a cada tratamento e as novas convivências. Vi numa cena, da série "Uma nova mulher", o terapeuta perguntar se a moça agradeceria ao câncer aquela oportunidade de outra vida.

Ela bufou, lógico. Teve vontade de dar um cotoco para o cara, eu também faria assim. Mas correr risco tem, também, algo de tesão em meio ao medo, à dor, às interrogações e à saudade do futuro.

 

É por isso, também, que não faz bem dizer que não temos primavera na cidade já maltratada

 

É do nada, na maioria das vezes, que os cordéis inconvenientes se anunciam nas noites ruins de dormir.

A expectativa dela passou a ser peitos novos, mais sedutores ainda, e uma tatuagem para aproveitar as cicatrizes.

Até imaginei. Ela é bonita, tem pernas desenhadas e aposta em outros seios para se sentir com mais poder no corpo. Que seja do jeito que ela deseja depois da jornada sem heroína. Nada do pieguismo de Campbell.

 

Saber lidar com isso não tem receita de avó. É tudo noviço e assustador, deságua um choro e depois se encara a leucemia

 

Também em casa, bem perto de meus três rebentos, recebi notícia semelhante. De outro tipo de câncer, mas tão arriscado quanto. Saber lidar com isso não tem receita de avó. É tudo noviço e assustador, deságua um choro e depois se encara a leucemia. Minha ex-companheira.

É por isso, também, que não faz bem dizer que não temos primavera na cidade já maltratada e em meio a uma campanha política desonesta. Tem um respiro nos olhos e uma vontade do corpo gozar (entortando) quando se vê flor na quentura do asfalto de setembro e outubro.

 

A primavera pode até não curar, mas provavelmente sara. Pode ser revigorante

 

A gente tem a quadra chuvosa, expressão feia para quem espera pelo inverno desde a barriga da mãe parida no Semiárido. Tem o verão ou a seca de chuva, precisamos também do gozo do corpo florado.

Não é frescura de cronista, no momento é carência mesmo de afagos e flores.

A primavera pode até não curar, mas provavelmente sara. Pode ser revigorante passar debaixo das árvores floradas. Parar e se deixar molhar na aguazinha delas. Olhar as saíras-de-chapéu e as saís-azuis enlouquecidas na disputa pelo doce de cores.

 

Hoje, estou a caminho de Santana do Cariri para cobrir a beatificação da Menina Benigna. Não sou mais de tanta igreja, mas irei pedir contra os cânceres

 

A gente, que anda necessitado de saúde política e de sanidade contra os bueiros estourados de mentiras, precisa também se desmanchar quando for surpreendida por uma avenida engarrafada de flores repentinas.

Hoje, estou a caminho de Santana do Cariri para cobrir a beatificação da Menina Benigna. Será a primeira santa oficial do Ceará. Não sou mais de tanta igreja, mas irei pedir contra os cânceres. Por Virgínia, Neila, Adaci e quem precisa de tratamento, graça e abraços.

 

Foto do Demitri Túlio

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