Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações
Desejei uma crônica sobre uma cidade, um Brasil, onde nenhuma floresta é violada, onde nenhum passarinho ou macaco é preso em gaiolas ou em velhas e "novas" mentalidades zoológicas.
Onde nenhuma menina nasce com o medo inconsciente de ser violada ou de virar vítima de um macho feminicida. Nós machos somos criados para o machismo. Até os caras mais "bacanas".
E pensei na tragédia carioca, na derrocada do País inteiro, de estar às tontas com o fenômeno autofágico de gerar e viver com facções ilegais e "legais". Há uma persistência hipócrita em aceitar grupos faccionados na política, na economia e em estruturas de manutenção de privilégios.
Matutando aqui! Antes de Cláudio Castro (PL), nenhum dos seis governadores do Rio de Janeiro foi executado em seus condomínios por crimes gravíssimos contra a população.
"Pela lógica da Segurança Pública de Cláudio Castro, se Cabral fosse do Comando Vermelho seria alvo de uma bala de fuzil"
Sérgio Cabral, governador de 2007 a 2014, foi preso em junho de 2017, condenado em 11 ações penais da Lava Jato. Uma pena de 233 anos e 11 meses de prisão.
Pela lógica da Segurança Pública conduzida pelo governador Cláudio Castro, se Cabral fosse do Comando Vermelho ou de outro bando criminoso seria alvo de uma bala de fuzil e "teríamos menos um bandido" vivo.
Luiz Fernando Pezão substituiu Sérgio Cabral, foi governador de 2014 a 2018. Experimentou a cadeia em novembro de 2018, condenado por abuso de poder político e econômico por conceder benefícios financeiros a empresas como contrapartida a doações para a campanha eleitoral de 2014.
"Rosinha Garotinho, governou o Rio entre 2003 e 2006, passou apenas uma semana na cadeia"
O pastor evangélico Anthony Garotinho, governador de 1999 a 2002, foi preso 5 vezes desde que saiu do cargo. Condenado por crimes de corrupção, concussão, participação em organização criminosa e falsidade na prestação das contas eleitorais. Hoje, responde em liberdade.
Rosinha Garotinho, governou o Rio entre 2003 e 2006. Eleita pelos currais de Anthony, foi presa em novembro de 2017 com o marido por crimes eleitorais. Passou apenas uma semana na cadeia. Foi condenada em janeiro de 2020, mas recorreu e responde em liberdade.
Moreira Franco, governador entre 1987 e 1991, preso em março de 2019 na operação Lava Jato. Foi acusado de negociar com a Engevix a propina de R$ 1 milhão, por obras da usina nuclear Angra 3. Ficou somente 4 noites na cadeia e responde, livre.
"Todos estão vivos e livres, eis um privilégio comum entre eles"
E teve o ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC), governou a Cidade Maravilhosa de 1/1/2019 até seu impeachment em 30/4/2021. Não foi preso, foi afastado e cassado, definitivamente, pelo STF por corrupção.
Todos estão vivos e livres, eis um privilégio comum entre eles. Mesmo que tenham causado prejuízo de morte no cotidiano e na vida de milhões de cariocas, principalmente o povo da favela, não tiveram fuzis nem balas atravessadas.
De verdade, o Estado ter matado 70 ou 100 faccionados do Comando Vermelho não mudará em nada os negócios do crime nos territórios sem privilégios. Há muito luto e dor pelos inocentes.
"O problema se repete na avareza política de gente feito Cláudio Castro e os governadores que o antecederam"
E cansa o discurso compensatório de políticas públicas para a favela. O lugar de pobres e matáveis nem deveria existir, nem deveriam nascer novas ocupações miseráveis.
O problema se repete na avareza política de gente feito Cláudio Castro e os governadores que o antecederam. E não é somente no Rio, não. A permanência dos privilégios e sucessão de privilegiados - na extrema-direita ou na esquerda - destrói perspectivas.
E pereniza a categoria do "matável" e do assassinato com qualidade, por isso o senso comum de "bandido bom é bandido morto". Fosse assim, alguns governadores do Rio teriam sido mortos numa "megaoperação".
Matar 7 faccionados em Canindé, no Ceará, ou mais 70 no Alemão e na Penha, no Rio, não pode suscitar elogio "à qualidade ou não" de carnificinas. Chacina é abominável, cometida pelo Estado ou pelo crime. Num país sem privilegiados e realmente democrático, a execução de alguém não faz parte da política.
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