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A periferia cansada dos privilegiados
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Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações

A periferia cansada dos privilegiados

Quantos fardos de ilusões temos de ir engolindo? Darcy Ribeiro me perguntou
Tipo Crônica
2610demitri.jpg (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 2610demitri.jpg

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De um amigo ecológico, irmão de algumas árvores e duns rios - o Carlos Augusto -, recebi sem ser para minha pessoa uma frase que havia esbarrado há derradeiros atrás. Do romance vivido entre Diadorim e Riobaldo.

"Estou no meu canto cá, meu senhor... Estou aqui me acostumando com o momentozinho de minha morte". Vi e senti o jagunço Bartolomeu Sombra respondendo a Joca Ramiro. Mas acho que era fala em pensamentos altos de Riobaldo.

É justificado, não dormi uns quatro dias na semana que se foi. Das sete últimas luas, encerei a escuridão rodando em redemoinhos. Talvez sejam os momentinhos onde morremos e tornamos.

Vi Ciro Gomes sendo anunciado repetidamente para o PSDB da mesmice Jereissati. Estava lá, no meu canto e a insônia.

Era quase o Guimarães Rosa tentando tanger minha insônia existencial. E deveria ser surpresa? Qual não. Eles se cospem, rodopiam em torno dos umbigos e, um dia, tornam a acudir o fetiche do outro.

 

"Para as gerações de famílias pobres não mudou o tanto que volveu a vida privilegiada dos avarentos da política"
 

 

Espanto nenhum. Vendem-se como nupérrimos, mas há um bolor nas conversas e no modo de levar a vida em abonação. Bolorento não significa velho, antigo, ultrapassado. Mas é algo que não contribuiu para a transfor uma favela em lugar onde eles morariam e botariam os filhos para estudar e passar as férias.

Os dois foram governadores, senador, deputado, fizeram outros governadores, outros senadores, outros deputados estaduais e federais bem 1.700 vezes...

E o Pirambu continua o Pirambu insustentável. Acuado por facções, o lixo entupindo o Atlântico pela Leste Oeste. Persiste o povo lutador de lá.

 

"Na cerimônia, a reunião de velhos e noviços jagunços"

 

Caucaia continua a mesma desesperança, Quixadá também, Irapuan Pinheiro e desafio as periferias no Ceará... Para as gerações de famílias pobres não mudou o tanto que volveu a vida privilegiada dos avarentos da política.

Na cerimônia, a reunião de velhos e noviços jagunços. O jagunço noviço pode ser aquele que veio do nada e, por acaso, se encostou nos privilegiados e pensa que também é um deles.

Faltaram Bolsonaro e os filhos trocando abraços com Ciro e Tasso, Roberto Cláudio, Capitão Wagner, André Fernandes e seu pai pastor.

É tá vendo Joca Ramiro chamando o jagunço parvo que pensa que realmente é "um novo talento jovem" como cortejou bufonicamente Ciro a André Fernandes. Faltou o senador Eduardo Girão no esdrúxulo encontro, mas nisso foi coerente.

 

"É do Darcy Ribeiro. A miséria do mundo é de responsabilidade do homem branco, macho (machista)"

 

Ele não se sente parte de Tasso, muito menos de Ciro. Nem de Roberto Cláudio. Mesmo que seja da mesma casta abonada e rogue mérito por ter mais do que a pobreza do cearazinho colonial.

É do Darcy Ribeiro. A miséria do mundo é de responsabilidade do homem branco, macho (machista), acumulador de riquezas e que vai sucedendo gerações e gerações - ele, a família e seus lambe botas. A política avarenta.

A favela tem culpa de ser favela? De terem surgido facções infernizando a vida malparida dos "abolidos"? Tem não, é uivante isso.

Quantos fardos de ilusões temos de ir engolindo? Darcy Ribeiro me perguntou um dia numa entrevista que nunca fiz. Repórter é assim, cheio de interrogações.

 

"Penso que perdi tempo falando desse povo que quase nada fez para mudar as favelas"

 

O defeito desse povo - Tasso, Ciro, Roberto Cláudio e agora oportunistas como André Fernandes, Wagner e todo o cordão - é a mentalidade perene ou incorporada. São permanentes ou novos desejosos de que as "coisas" permaneçam no apanágio.

Na verdade, penso que perdi tempo falando desse povo que quase nada fez para mudar a situação das favelas e das ocupações precárias de Fortaleza e do Ceará.

Nenhum deles - que há anos vive sendo governador, senador, deputado estadual e federal, ministro, presidente nacional de partido - até hoje não mudou radicalmente o cotidiano nas comunidades pobres ou miseráveis.

 

"Já pensou mudar a lógica da insegurança pública em Fortaleza e no Ceará partindo da periferia?"

 

Fosse assim, eles e os herdeiros deles viviam se divertindo, morando, estudando, investindo e estourando dinheiro no Bom Jardim, no Zé Euclides, no Jangurussu...

Na próxima coluna, se eu ainda existir, devo escrever sobre um povo que está insistindo na utopia exequível de mudar, radicalmente, a favela. Inclusive na área da perigosa falta de segurança pública. O povo do "Zonas Vivas de Cultura e Tecnologia", do conjunto Zé Euclides.

Já pensou mudar a lógica da insegurança pública em Fortaleza e no Ceará partindo da periferia? Dos conjuntos habitacionais acuados pelo crime e pela insuficiência de Estado e Prefeitura?

 

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