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Bodyboard: a cura pelo esporte em um mar cor de rosa
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Redatora de Capa e Farol do O POVO. Quadrinista e jornalista entusiasta de temas relacionados à saúde e bem-estar. Uma ex-sedentária em busca de se manter em movimento

Bodyboard: a cura pelo esporte em um mar cor de rosa

Rangéria Amorim, 48, encontrou o bodyboard quando vivia o tratamento de um câncer de mama
Rangéria Amorim e Domitila Andrade, com a Ponte Metálica ao fundo (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Rangéria Amorim e Domitila Andrade, com a Ponte Metálica ao fundo

Rangéria te ouve com os olhos e sorri de corpo inteiro. A cabeça cacheada e loira, o corpo pequeno, o peito aberto. Ao ver a mulher de 48 anos deslizar nas ondas em cima de uma prancha rosa de bodyboard, é simples acreditar nas palavras que ela diz em meio ao sorriso fácil. “Sempre que eu chego no mar, eu tenho 12 anos. É a Terra do Nunca”, brinca ela que é uma mistura de Sininho e Peter Pan. Uma heroína, na verdade, que salvou a si mesma quando buscou no esporte e na água salgada a cura em meio ao tratamento de um câncer de mama.

O diagnóstico da doença veio cedo, aos 41 anos. Ela fazia exames preventivos sem nem mesmo cogitar essa possibilidade tão jovem. Filha do Cerrado e vivendo em Fortaleza, na época, há cerca de 5 anos, Rangéria Amorim, que é diretora de atendimento em uma agência de marketing, precisou se valer de toda a coragem para encarar a sala de cirurgia. Com o nódulo retirado, uma prótese de silicone alocada no seio direito, e sem a prescrição de quimio nem radioterapia, ela precisou seguir com uma medicação por cinco anos e conviver com a ideia que uma recidiva do câncer estava sempre à espreita.

Rangéria Amorim é bodyboarder e venceu o câncer de mama(Foto: Venicius Almeida/Divulgação)
Foto: Venicius Almeida/Divulgação Rangéria Amorim é bodyboarder e venceu o câncer de mama

Quando encontrou o bodyboard, passados três anos da cirurgia, o corpo começava a se habituar à medicação. Ainda assim, com fadiga, iniciar o dia era desgastante. Ela ia até a praia, e havia vezes em que apenas sentava na faixa de areia e olhava o oceano em busca de forças para entrar. “Com a doença, há um medo que nos ronda. Eu precisei aprender que cada coisa tem o seu tempo e a viver o hoje. O mar ensina muito sobre o hoje, sobre o agora. E aqui eu me reconectei a mim”, conta.

Essa reconexão veio rápido. Quando desceu pela primeira vez uma onda sozinha, ela entendeu imediatamente que queria aquilo para vida. Rangéria sentiu, como uma alquimia, o mar transmutando cada célula. “Com bodyboard, foi quando eu senti realmente o que é estar viva”, assegura.

Rangéria usa um artigo feminino para falar de mar. A mar. Não é à toa. Sobre as ondas, seu olhar sempre procurou outras mulheres. E ela achou. O coletivo Serdelas (@_serdelas), idealizado pelas bodyboarders Rafa Frota e Dalete Mousinho, reúne mulheres que querem aprender bodyboard. Em quatro anos, mais de 50 mulheres das mais diversas idades e condições (há mastectomizadas, como a Range, e também pessoas com deficiências) começaram a pegar onda.

Coletivo Serdelas com mulheres que surfam bodyboard(Foto: Venicius Almeida/Divulgação)
Foto: Venicius Almeida/Divulgação Coletivo Serdelas com mulheres que surfam bodyboard

Foi nesse lugar de partilha, escuta e proteção mútua em que eu entrei no mar pela primeira vez com pés de pato e uma prancha pequeninha de espuma. Range num dia e Dalete no outro me guiaram nas técnicas do bodyboard no mar ao lado da Ponte Métalica, em Fortaleza. Depois da minha breve experiência no surfe do Titanzinho, e agora com uma prancha bem menor e sem a necessidade de ficar em pé, eu cheguei confiante. Mas não deveria. Subestimei a minha capacidade nata de sempre levar caldos.

Domitila Andrade em uma das ondas que deu certo(Foto: Venicius Almeida/Divulgação)
Foto: Venicius Almeida/Divulgação Domitila Andrade em uma das ondas que deu certo

Como todo novo esporte, o corpo demora a compreender e coordenar todo o conjunto de movimentos que levam, quando dá certo, àquela dança bonita em cima da onda. Adaptar o movimento das pernas com as nadadeiras, flexionando levemente os joelhos e tirando os pés apenas um pouco da água; segurar a prancha na posição correta para cada uma das manobras; organizar o movimento para furar a onda; remar com os dois braços e fazer a prancha ficar grudada ao corpo…

Errei muitas vezes, caí andando com o pé de pato, esfoliei joelhos na areia e trabalhei mais o trapézio do que com todos os levantamentos de halteres na academia. Ainda assim, tudo valeu a pena pela paz de flutuar enquanto se espera o tempo da onda certa e depois de chegar até a praia sendo levada por ela. É como se ali o mar te desse permissão para ser feliz. E eu fui.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 24-10-2025: Domitila Andrade, Reporter do Jornal O POVO, entrevista Rangéria Amorim, 48 anos, atendimento de marketing, fala sobre sua superação contra o câncer e ensina como surfar de body board. (Foto:Aurelio Alves / Jornal O POVO)(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES FORTALEZA, CE, BRASIL, 24-10-2025: Domitila Andrade, Reporter do Jornal O POVO, entrevista Rangéria Amorim, 48 anos, atendimento de marketing, fala sobre sua superação contra o câncer e ensina como surfar de body board. (Foto:Aurelio Alves / Jornal O POVO)

“Acho que o bodyboard é transformador. No mar, o tempo ali na água, você entra em contato com algo que transcende”, acredita a profissional de Educação Física, atleta e professora de bodyboard Dalete Mousinho. A fala ecoa o que Range vive: “A cada dia, o esporte me mostra que a vida presta e que eu estou curada”, nos ensina a pequena grande mulher. 

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