Para o jornalista e teólogo Gutierres Fernandes Siqueira, falar sobre religião no Brasil é um trabalho que não mata ninguém de tédio e, na última década, essa relação tem se intensificado, tornando-se um dos principais temas do debate público.
Dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam mudanças significativas no perfil religioso do país entre 2010 e 2022: a proporção de católicos caiu de 65,1% para 56,7%, enquanto a dos evangélicos subiu de 21,6% para 26,9%. Já os que se declaram sem religião passaram de 7,9% para 9,3% da população com 10 anos ou mais.
Nas eleições de 2022, 806 candidatos à Câmara dos Deputados se declararam católicos, enquanto 698 se declararam evangélicos, uma diferença de 108 candidaturas separando as duas vertentes do cristianismo. Gutierres considera que esse fenômeno revela mais sobre o funcionamento do Estado brasileiro do que sobre as religiões em si.
Ele transita com naturalidade entre o púlpito e a imprensa. Presbítero da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, Ministério do Belém, no setor de Pinheiros, em São Paulo, o escritor une a vivência pastoral à formação acadêmica em Jornalismo, com pós-graduação em Mercado Financeiro e Teologia.
Em conversa com O POVO, Gutierres Fernandes Siqueira analisa a transformação da configuração religiosa no Brasil, marcada pela perda de hegemonia da Igreja Católica, o avanço das igrejas evangélicas e a influência do discurso religioso nas campanhas eleitorais e nas tribunas do país.
Religião na população brasileira
Autor do livro Igreja polarizada: Como a guerra cultural ameaça destruir nossa fé, lançado em 2025, ele discute os efeitos da guerra cultural dentro das igrejas, alertando para os riscos de uma fé marcada pelo medo e pela rejeição ao outro.
O POVO - Há muito tempo se diz que no Brasil não se discute política, religião, nem futebol. Mas, hoje, religião e política têm dominado o debate público, aparecendo entrelaçadas em campanhas, nas redes sociais e nas tribunas pelo Brasil. Por que se tornou impossível não falar sobre esse tema? O que isso revela sobre o contexto cultural e histórico que vivemos hoje?
Gutierres Fernandes Siqueira - Revela mais sobre o Estado brasileiro do que sobre a religião em si. Há muitos estudiosos que falam que nada no Brasil acontece sem a mediação do Estado, então, de alguma forma, a política está em tudo.
Por exemplo, os grandes empresários dependem do Estado ou buscam mediação do Estado. Se pensarmos também nas grandes questões que envolvem educação, que passa por uma decisão de estado, você tem pouca iniciativa individual, ou iniciativa de coletividades, que estão fora do estado em qualquer área do Brasil.
E não é diferente com a religião. A religião também passa por uma mediação do Estado no Brasil. A Igreja Católica teve uma força muito grande no Brasil até pouco tempo atrás. Embora o Brasil seja oficialmente um Estado laico desde o século XIX, o exercício da Igreja Católica como poder permeou, pelo menos, até a década de 1960, 1970, com muita força no Brasil.
Existe, inclusive, a história de que os cassinos foram proibidos no Brasil porque a mulher do Getúlio Vargas era muito religiosa. Embora ele até fosse uma pessoa, de alguma forma, contrária à religião, você vê a força da religiosidade em decisões de políticas públicas no Brasil, isso não é novidade. Acho que a única novidade é que temos um novo ator, o ator evangélico.
OP - Como que a configuração religiosa da sociedade mudou ao longo do tempo? O senhor falou que antes a Igreja Católica tinha mais força no Brasil e hoje temos esse novo agente que é a igreja evangélica. Como se deu essa mudança? Quais fatores levaram a essa alteração na sociedade também?
Gutierres - Isso é um ponto bastante curioso. Se pensarmos, por exemplo, na Rússia antes da Revolução Russa, o país era uma nação vinculada à Igreja Ortodoxa, e a Rússia pós-União Soviética continua vinculada à Igreja Ortodoxa. Então, é raro ter esse tipo de mudança em qualquer país.
Acredito que existem muitos fatores envolvidos nesse processo e talvez um dos fatores principais seja a urbanização. O Brasil, diferente de outros países, teve um processo de urbanização muito rápido e, inclusive, é um dos países mais urbanizados do mundo.
O número de brasileiros que moram em grandes cidades é bastante alto, e é muito raro também na história um processo de urbanização tão rápido que não seja por meio de um governo totalitário, por exemplo, que obriga as pessoas irem de um lado para o outro ou por causa de guerras. Foi um processo um tanto natural no sentido de que as pessoas estavam buscando novas oportunidades de vida, saíram do campo e foram para as cidades.
Isso é um fator porque, quando a pessoa está em uma cidade pequena, ela tem um grupo familiar bastante sólido. Ela tem primos, tios, avós e, de repente, é a primeira pessoa a ir para a cidade, perde o vínculo de comunidade, a igreja funciona como comunidade. Isso ajuda a explicar por que a igreja evangélica cresceu bastante por meio das cidades.
Até hoje, as grandes metrópoles têm um número considerável de evangélicos em comparação às cidades pequenas, por exemplo, do interior do Nordeste, que têm um número muito menor de de evangélicos.
A Igreja Católica, especialmente nas décadas de 1960 e 1970, se tornou muito politizada. Se tornou numa igreja que levou o discurso político para o púlpito e para a homilia. Então, quando a pessoa vai a uma igreja buscando um conforto espiritual e houve um discurso político, ela tende a rejeitar isso.
Isso, é claro, pode ser visto até hoje em algumas igrejas evangélicas também, mas isso é um fator que explica um pouco da perda de influência da Igreja Católica nos anos 1970 e 1980. Há ainda a questão do papel das igrejas como um Estado paralelo, não no sentido negativo, mas como um Estado que funciona onde o Estado não vai, sendo uma rede de solidariedade.
Mas não posso dizer que esses fatores são determinantes, até porque o Brasil tem números bastante desiguais em relação à fé evangélica. Há números ainda pequenos, por exemplo, no Piauí, no Rio Grande do Sul, que são estados completamente diferentes, mas que coincidem com o fato de ter poucos evangélicos, como você tem estados muito diferentes também, como o Acre e o Rio de Janeiro, que tem uma maior quantidade de evangélicos.
OP - Falando um pouco sobre a sua trajetória pessoal, o senhor é teólogo, é jornalista, uma combinação talvez até um pouco incomum. Tem dois livros publicados: “Quem tem Medo dos Evangélicos” e o mais recente lançado esse ano, “Igreja Polarizada: como a guerra cultural ameaça destruir nossa fé”. De onde que veio esse seu interesse em estudar essa relação entre política e religião também focado nessa questão da igreja evangélica e como essas duas áreas, o jornalismo, a teologia e a religião podem conversar no estudo desses desses dois temas?
Gutierres - O jornalismo é um tipo de curso universitário que permite você ter uma visão geral das ciências sociais humanas. O fato de que você estuda, em jornalismo, um pouco de sociologia, antropologia, filosofia, e psicologia, ajuda a entender o quadro de uma maneira generalista.
E vivemos em uma época de especialistas, então termos o papel de generalista também é bastante importante, porque o especialista, é claro, pode ter um problema de viés ligado à sua área de estudo, que ele só está muito concentrado em um determinado campo de estudo. O generalista também vai ter os seus problemas de vieses, mas é importante que tenha alguém fazendo esse contraponto também.
Por isso que eu sempre gostei, até por esse gosto, pelo jornalismo, eu sempre gostei de muitos assuntos variados de economia, religião e política. Então, para mim foi um casamento até relativamente fácil de fazer.
Também não existe, hoje, um país — talvez os Estados Unidos seja equivalente ao nosso — em que há tanta riqueza de material para a gente estudar sobre o assunto. O meu interesse já vinha desde a época da faculdade.
Eu lembro muito bem que nessa época já se discutiu o papel dos evangélicos na política brasileira. E eu diria que um assunto que desde esse início aí já estava na minha cabeça um dia escrever sobre isso.
OP - Discutir religião no Brasil é um trabalho árduo?
Gutierres - É um trabalho que não mata ninguém de tédio, porque sempre tem uma novidade. A igreja evangélica tem uma característica interessante: ela é muito criativa. Por exemplo, se você ver um espírita kardecista de 2025, ele vai ser muito parecido com o espírita kardecista de 1960. Não é a mesma coisa com a igreja evangélica.
A igreja evangélica tem uma dinâmica bastante intensa, porque se adapta muito à cultura ao seu redor. Por exemplo, quando a cultura foi tomando forma para os grandes espetáculos, telões de LED, uso massivo de mídias, os evangélicos foram atrás disso.
Quando a cultura estava ali valorizando muito o rock nacional, os evangélicos foram atrás disso. Embora os evangélicos não sejam criativos no sentido de produzir algo novo, mas eles são criativos no sentido de reaproveitar o que a sociedade está criando de novo para dar uma linguagem evangélica a isso.
Então, eu diria que é uma, é algo que deixa, pelo menos, quem estuda a religião no Brasil com um material farto para estudar.
OP - No seu livro mais recente, “Igreja Polarizada: como a guerra cultural ameaça destruir nossa fé”, o senhor afirma que a guerra cultural é incompatível com o evangelho. Esse discurso que mistura fé com confronto político tornou-se dominante em tantas igrejas. Por que esse fenômeno se deu no Brasil? E na sua visão, porque que muitos cristãos hoje em dia aparentam serem mais preocupados com fidelidades políticas do que realmente fidelidade ao evangelho, por exemplo?
Gutierres - Guerra cultural não é um embate ideológico puro e simples. Embates ideológicos ou divergência de ideias são algo natural na democracia. É natural que existam pessoas pensando assuntos diversos de maneira diferente.
O problema da guerra cultural é o debate agressivo, é o debate que quer anular o outro: “Eu não vejo o outro como um adversário intelectual, mas como um inimigo a ser extirpado, a ser eliminado”. Esse é o grande risco da guerra cultural.
Ela nasceu, da forma como conhecemos hoje, nos Estados Unidos da década de 1980, especialmente com a eleição do Ronald Reagan, quando os evangélicos se engajaram a favor dele, especialmente em torno de pautas morais como casamento homoafetivo, aborto etc.
No Brasil, nasce especialmente a partir de 2014, embora tenha já resquícios na eleição de 2010. Esse discurso não só evangélico, mas de maneira geral na sociedade, foi se tornando mais polarizado no sentido agressivo.
No sentido de um embate que eu preciso pensar o outro como inimigo, isso é um risco não só à fé, mas à civilidade. E aí você pergunta o por quê talvez esse discurso conquistou aí muitos evangélicos.
É bom lembrar que a guerra cultural não permeia a sociedade como um todo, há pessoas que têm uma mentalidade de guerra cultural em qualquer religião ou até pessoas sem religião. Mas talvez o que conquista muitos evangélicos é a questão do medo.
Os evangélicos por muito tempo foram perseguidos no Brasil. Até meados da década de 1960, era comum que os evangélicos fossem perseguidos por serem evangélicos nas suas cidades, nas suas comunidades, até expulsos de família. Então, os evangélicos acabaram crescendo com essa mentalidade de medo, o que causa estranhamento hoje porque os evangélicos são um número expressivo da população, tem força política.
Os políticos bajulam os evangélicos, mas os evangélicos continuam achando ainda que são aquele grupinho pequenininho que podem ser massacrados e perseguidos a qualquer momento. Então, esse tipo de discurso de medo conquista o coração evangélico, porque o coração evangélico, infelizmente, é muito afetado pelo Ethos do medo.
OP - E os políticos, hoje em dia, entenderam esse fenômeno. A impressão é que eles realmente usam desse medo para colocar suas pautas também em evidência. Então, existe um muito essa questão dá polarização política e aí qualquer situação pode ser considerada perseguição também contra a igreja evangélica, até contra a igreja cristã no geral também. Como o senhor vê essa utilização do medo da fé dos evangélicos para promover um político ou promover uma pauta política em detrimento de outra?
Gutierres - O medo vem em qualquer área da vida, vemos isso até mesmo no uso comercial do medo, inclusive na venda de produtos de maneira geral. O problema de usar o medo como um discurso político/religioso é porque o medo sempre vai ser usado para tentar eliminar o adversário político: “Se você não me eleger, o meu adversário vai acabar com você”.
Então, é ver a política como uma soma ou como uma guerra de soma zero. Eu preciso, para eu vencer, você precisa ser eliminado. Então isso é um risco bastante sério para a democracia.
Na democracia, eu nunca posso ver o meu adversário como alguém que precisa ser eliminado. O meu adversário é alguém legítimo, é alguém que tem importância, é alguém de quem eu discordo, mas é alguém que eventualmente pode me vencer, e eu tenho que passar a faixa eleitoral para ele, porque esse é o jogo.
Mas essa mentalidade de medo não permite isso, pelo contrário, ela vai jogar a pessoa para tentar, a todo custo, vencer. Então, se eu quero vencer a todo custo, é um tipo de mentalidade incompatível com a democracia. E como você falou, os políticos aprenderam que discurso de medo vende, ganham votos com isso.
E o grande risco que eu falo também, à luz do evangelho, é que a Bíblia diz que o amor lança fora todo medo. Ou seja, em última análise, um medo exagerado, o medo joga fora o amor também. Onde existe medo excessivo, paranoias, não existe possibilidade de amar. Se o tempo todo eu acho que alguém vai me fazer mal, eu não consigo fazer o bem a ela.
Outro problema do medo é que muitas vezes o medo tem algum fundo de verdade, só que ele pega esse fundo de verdade e exagera. Esse é o problema. E é muito difícil você combater algo que está errado, mas que tem algum fundo de verdade. Então, quem usa do medo tem essa artimanha intelectual de desenvolver uma ideia que tem alguma verdade ali inserida e que se torna até difícil combater por isso, mas é uma verdade distorcida em nome de um projeto político.
OP - De uma forma mais prática, a extrema-direita brasileira, principalmente, usa muito desses artifícios. Mas como a esquerda brasileira tem tentado ir atrás desse público, tem tentado conquistar algumas pessoas da Igreja Católica e da Igreja Evangélica? E por que a esquerda tem tanta dificuldade em conquistar essas comunidades?
Gutierres - Primeiro, motivo histórico, de fato, a esquerda é herdeira do Iluminismo francês, do secularismo e do racionalismo. Quando pensamos nos grandes movimentos do século XVI ou do século XIX, a questão é aquela visão de mundo e iluminista é uma visão de mundo que olha a religião com desconfiança.
Ela olha a religião como algo ruim, como uma espécie de alienação. Então o religioso tende a não gostar desse discurso porque ninguém quer ser visto como alienado, ninguém quer ser visto como pária. E é muitas vezes assim que a esquerda enxerga os cristãos, os evangélicos, os católicos, não só os cristãos evangélicos, mas também as demais vertentes, esse é um ponto histórico.
Devido à falta de convivência com a fé, a esquerda acaba não tendo ou não sabendo lidar com os símbolos de fé, e, muitas vezes, tenta transformar todo o símbolo de fé em sua linguagem política. Então, vai falar de Jesus em vez de respeitar aquele pensamento básico do cristão, que Jesus para ele é Deus.
Jesus para ele é uma pessoa da Santíssima Trindade, a esquerda vai tentar desenhar Jesus como um revolucionário político da sua época. Naturalmente o evangélico vai rejeitar esse tipo de discurso, ou que Jesus estaria fazendo luta de classes na Palestina do primeiro século, coisas assim.
Outro ponto é que a esquerda tende a ser muito professoral. A esquerda tem uma mania de ter uma visão sobre si mesma muito elevada. São pessoas iluminadas, cultas, que querem ensinar os outros a pensar.
E toda pessoa, independente se ela é religiosa ou não, rejeita a postura professoral, o famoso “palestrinha”, que sempre quer ensinar alguma coisa. Então, esse tipo de postura da esquerda um tanto arrogante, vaidosa, também atrapalha esse diálogo com os evangélicos.
OP - Na eleição de Jair Bolsonaro em 2018, ele levou consigo muitas comunidades evangélicas, mesmo não sendo evangélico. Por que ele conseguiu o acolhimento extremos dessas comunidades, principalmente a comunidade cristã? E que simbolismos podemos ver nessa ascensão dele em meio a esses grupos?
Gutierres - O Bolsonaro encarna uma figura de que a igreja evangélica sempre gostou, o amigo do evangelho. Aquela pessoa não evangélica que simpatiza com a fé evangélica e defende a igreja.
Nesse sentido, quando houve o lançamento do Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, a esquerda fez um movimento muito intenso de tentar barrar essa nomeação, mas um dos defensores foi o Bolsonaro. Eu diria que o casamento dele com os os evangélicos tem como símbolo esse momento.
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O fato de ele ter uma esposa evangélica também ajuda. Se ele tinha consciência disso ou não, eu não sei dizer, porque não dá para entrar na cabeça dele, mas ele foi muito esperto em se vender e como um defensor dos evangélicos além do período eleitoral.
O Bolsonaro quebrou uma tradição que é típica da política brasileira de buscar evangélicos só na época das eleições. Ele se aproximou de uma forma que ele estava ali presente mesmo antes de se lançar como candidato à Presidência.
Então isso também é valorizado, porque hoje em dia, se o candidato de esquerda vai na época eleitoral numa igreja, isso soa oportunista. O Bolsonaro conseguiu transmitir para um evangélico médio a imagem de que ele não é oportunista nesse sentido, porque ele é um amigo do evangélico antes de ser candidato.
Então, ele conseguiu captar bem o imaginário do público. Por isso, volto a repetir, se foi bem pensado, se foi estratégia ou se foi algo espontâneo, difícil dizer, só ele pode responder.
OP - O que muda na relação entre familiares, entre amigos, depois que essa polarização exacerbada também foi incluída em meios cristãos e na religião no geral?
Gutierres - Eu tenho um privilégio também de conversar com muita gente de diferentes estados. Conversando com pessoas de regiões pequenas, grandes, médias, e de várias realidades sociais, a minha percepção — é claro que é uma percepção subjetiva, não é baseada em dados aqui, não tô falando de uma pesquisa que eu tenha feito — mas eu não vejo que essa polarização seja a maioria da igreja, a maioria dos evangélicos.
Eu vejo que o número de pessoas mais aguerridas em um certo fanatismo político entre os evangélicos não é muito diferente do restante da população, talvez 20%, talvez 30% no máximo. Então, se estamos falando de um grupo de 10 pessoas, talvez dois ou três sejam mais fanatizados, eu diria que no meio evangélico é mais ou menos esse patamar também.
Então houve prejuízo, houve igrejas que perderam membros, houve igrejas que chegaram a ter brigas públicas, tudo isso aconteceu, mas eu não diria que foi acima do que ocorreu em outro lugares ou em outros tipos de sociedades no Brasil.
OP - Em meio a essa fragmentação, o senhor acredita que ainda é possível construirmos uma espiritualidade que seja pública, que sirva ao bem comum e que deixe de ter esse termo até um pouco pejorativo que acabou tendo por conta das últimas eleições e das últimas das últimas movimentações políticas em relação ao tema? E quem deveria liderar essa retomada ao senso comum assim?
Gutierres - Como cristão eu sempre posso dizer que há esperança, até porque é uma tônica da fé cristã, a esperança.
Eu sou também otimista nesse sentido, porque o que temos visto como uma reação à polarização que houve nos últimos anos, é, de um lado, pessoas cansadas, que não querem saber de política, e de outro, pessoas que têm tomado essa consciência e que têm buscado se informar melhor de como fazer uma política que não seja baseada no ódio, no rancor, no ressentimento, mas que seja baseada na busca pelo bem comum.
Eu acho que a eleição de 2026 ainda será bastante polarizada, mas tenho a impressão de que a população tem se cansado da polarização. Eu tenho esperança que possamos voltar a uma racionalidade maior nos próximos anos. A política vive de ciclos: há ciclos mais agressivos, depois tem uma certa calmaria.
Nós já vimos um período de polarização muito alto no Brasil na década de 50, por exemplo, que resultou depois no golpe de 64, porém depois o Brasil passou por um tempo politicamente interessante assim, seja de pegar dos anos 90, por exemplo.
Então são ciclos, o quanto esse ciclo da polarização vai durar eu não sei, é uma questão que ninguém sabe, mas que um dia ele vai passar, vai passar.
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