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Conheça o MC que virou professor e usa o rap e o funk para revolucionar ensino na periferia
Reportagem Seriada

Conheça o MC que virou professor e usa o rap e o funk para revolucionar ensino na periferia

O professor Anderson Ribeiro, também conhecido como MN MC, conta a história por trás das paródias virais de funk e rap que encantam e mobilizam alunos na sala de aula
Episódio 42

Conheça o MC que virou professor e usa o rap e o funk para revolucionar ensino na periferia

O professor Anderson Ribeiro, também conhecido como MN MC, conta a história por trás das paródias virais de funk e rap que encantam e mobilizam alunos na sala de aula
Episódio 42
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“Quero ver todo mundo cantando, hein!”, diz o professor e MC Anderson Ribeiro no vídeo que atingiu mais de um milhão de visualizações no seu perfil do Instagram (@mnmcoficial).

Intitulada de “Português Baby”, a postagem é uma paródia da música Let’s Go 4, do rapper MC IG, trocando os versos originais para ensinar as classes gramaticais das palavras de forma lúdica para alunos da rede estadual de São Paulo.

 


Professor na região do Grajaú, na Zona Sul da capital paulista, Anderson encontrou na música uma forma de engajar seus alunos nas aulas de português. O impacto disso na vida e no processo de aprendizado de seus alunos, contudo, superou até mesmo os sonhos do jovem professor. 

O docente, que bem antes de lecionar já atuava como cantor, trouxe sua persona artística, conhecida como MN MC, para a sala de aula e adaptou seu repertório, realizando o sonho de aliar a música, em especial o funk, o rap e gêneros relacionados, com a pedagogia. 

A proposta foi abraçada com carinho por seus alunos da Escola Estadual Professora Juventina Marcondes Domingues de Castro, que aparecem no vídeo de “Português Baby” cantando entusiasmados junto ao professor.

 

 

Anderson escolheu a educação para “ser uma luz” no caminho de jovens periféricos

Anderson decidiu cursar licenciatura em Letras e iniciou a nova formação em 2021, aos 28 anos, após passar pelo que descreve como “crise dos 30”. Antes disso, trabalhava em um escritório como publicitário, no qual passou a refletir sobre sua real contribuição para a sociedade.

Anderson Ribeiro utiliza uma caixinha de som na sala de aula para reproduzir a batida das suas paródias(Foto: Acervo Pessoal/O POVO)
Foto: Acervo Pessoal/O POVO Anderson Ribeiro utiliza uma caixinha de som na sala de aula para reproduzir a batida das suas paródias

Sentindo-se insatisfeito, optou por trocar de área e partir em busca de seu real propósito de vida. Inspirado por sua tia Maria Helena, que era professora e sempre o incentivou, e apoiado por amigos que também trabalham como educadores, Anderson optou por cursar Letras para ensinar português.

A escolha fazia sentido com o seu histórico pessoal. Quando voltou à universidade, há cerca de 4 anos, ele já tinha composto várias músicas e lançado dez álbuns de rap. Não era estranho à língua portuguesa. Há tempos se apropriava dela enquanto matéria-prima para fazer suas rimas.

"Pensei que dessa forma poderia estar em contato com os jovens da periferia e ser uma luz no caminho deles, mostrando como consegui acessar a faculdade por meio de políticas públicas, como o Enem e o Prouni, e como consegui me formar e modificar um pouco da minha realidade. Eu decidi entrar na educação para mostrar esse caminho", conta.

 

 

“É sério que o professor está cantando funk na sala?”

Formado e trabalhando como professor temporário na rede pública do estado de São Paulo, Anderson aproveitou seu histórico como MC para se ir além das metodologias clássicas de ensino. No começo, era uma forma de chamar a atenção dos alunos.

Ele fala que começou a fazer alguns testes em 2023, quando já lecionava como professor temporário na rede estadual, introduzindo "literatura periférica" e "músicas urbanas" em suas aulas como rotas alternativas para trabalhar o conteúdo lecionado.

MC que se formou em publicidade, largou a carreira para se tornar professor e hoje usa o Rap e o Funk para transformar a realidade do ensino na periferia de São Paulo(Foto: Acervo Pessoal/O POVO)
Foto: Acervo Pessoal/O POVO MC que se formou em publicidade, largou a carreira para se tornar professor e hoje usa o Rap e o Funk para transformar a realidade do ensino na periferia de São Paulo

"Eu notava que os alunos não tinham tanto interesse em ler Machado de Assis ou Gregório de Matos, os clássicos da literatura, então comecei a trazer algumas letras de rap para a sala de aula”, conta sobre sua vivência em escolas na periferia de São Paulo.

Uma das músicas que Anderson apresentou aos alunos foi “Pacto”, do grupo Expressão Ativa, da Zona Oeste de São Paulo. A obra fala sobre uma amizade na qual um dos amigos começa a utilizar substâncias ilícitas enquanto o outro, luta para salvá-lo.

“Um clássico do rap nacional”, destaca Anderson. O professor busca apresentar faixas que conversem com o contexto sociocultural dos seus alunos.

A abordagem foi evoluindo, dando resultado e, em 2023, ele fez um funk para ensinar acentuação em palavras oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas. Os alunos aderiram à proposta e conseguiram entender como funcionava a lógica das regras gramaticais. Anderson, então, percebeu ser possível educar por meio da música.

 

 

Ele mesmo diz que “a memorização de uma música é muito mais fácil do que a memorização de um texto, uma regra”. No início de 2024, decidiu publicar a primeira música educativa, justamente “Português Baby”, que acabou viralizando nas redes sociais;

 

 

“Antes de ser professor, eu já era MC”, diz sobre metodologia de ensino

Em geral, a metodologia de ensino de Anderson consiste em primeiro passar o conteúdo em sala, nos moldes mais tradicionais de ensino, e, a partir disso, apresentar a música como um mecanismo de memorização.

Sobre a reação dos alunos, ele brinca: “Acharam extraordinário, ficaram quase sem reação. [Pensam] 'É sério que o professor está cantando funk na sala?’ Então, é sempre muito receptiva e também rola essa surpresa. Dá para perceber pelo rostinho dos alunos esse impacto”.

Anderson usa a música como ponte para se conectar com suas turmas e promover a identificação dos alunos com o conteúdo trabalhado em sala de aula(Foto: Acervo Pessoal/O POVO)
Foto: Acervo Pessoal/O POVO Anderson usa a música como ponte para se conectar com suas turmas e promover a identificação dos alunos com o conteúdo trabalhado em sala de aula

Anderson reconhece que não é o primeiro professor a utilizar a música em sua metodologia de ensino, mas acredita que seu diferencial é o fato de além de ser um músico, ser um MC de fato.

O termo MC veio importado dos Estados Unidos, e significa, tanto lá, quanto aqui, “Mestre de Cerimônias”. É utilizado para designar artistas de rap, funk e hip-hop, sendo o MC responsável por animar uma festa e interagir com o público.

É o MC quem conduz o público e dita o ritmo do flow "No contexto musical, especialmente no rap, o "flow" é a fluidez e o domínio vocal no ritmo da letra em relação à batida." , criando narrativas artísticas ao longo de cada apresentação. Anderson realiza tais atividades nos palcos e também na sala de aula, especialmente para manter despertar curiosidade em seus alunos e mantê-los engajados na jornada de aprendizado.

“Antes de eu ser professor, eu já era MC. Eu não utilizei o rap e o funk simplesmente para dar aula, eles fazem parte da minha construção ideológica", comenta.

"Tenho uma longa bagagem de rap. Conheço os nomes, os grupos, as discografias, as histórias. Tive contato com diversos MC’s e rappers durante a minha trajetória, e tenho muito respeito por essa cultura que acredito salvar vidas.”

Anderson defende que o fato de ter sido MC antes mesmo de se tornar professor o ajuda a se apropriar de músicas que retratam a realidade das periferias brasileiras durante suas aulas(Foto: Acervo Pessoal/O POVO)
Foto: Acervo Pessoal/O POVO Anderson defende que o fato de ter sido MC antes mesmo de se tornar professor o ajuda a se apropriar de músicas que retratam a realidade das periferias brasileiras durante suas aulas

Para conseguir fazer essas adaptações aos conteúdos que quer ensinar, Anderson revela ter uma pesquisa musical bastante apurada.

“Cresci dentro da igreja evangélica, então ouvi muito Apocalipse 16, SNJ (Somos Nós Justiça), Visão de Rua e outros grupos de rap nacional. Ouço os mais atuais também, como Crioulo, Djonga e BK que são grandes referências para mim”, afirma.

 

 

Na cena musical, Anderson atua sob a tutela de MN MC, um nome artístico que ele brinca sobre o que significa. Em algumas músicas diz que é a sigla para “Maloqueiro Nerd” e em outras “Messias Negro”, mas o real significado esconde uma ingenuidade afetiva com o rap.

Ele explica que sua mãe o chamava de Neguinho por ser o único de pele retinta em casa, e, assim, quando começou a fazer rap, aos 13 anos, foi apelidado carinhosamente de MC Neguinho.

Anderson continua o relato e lembra que a moda na época do começo dos anos 2000 era bordar bonés com a sigla do nome artístico para diferenciar os MC’s. Ele comprou um boné listrado azul e branco e mandou bordar MN de MC Neguinho, sendo que o correto seria MCN, afinal era a abreviação de três palavras: Mestre de Cerimônias Neguinho.

O apelido não tem um significado excepcional”, diz Anderson, mas “pegou”.

 

 

“O sentimento é de revolução”

“The Box: Pontuação”, a segunda paródia que o professor decidiu oficializar, já alcançou mais de cem mil visualizações no Instagram, sendo lançada no Spotify com um vídeo e com a letra completa no YouTube.

Assim como o apelido, as paródias de Anderson também “pegaram” na escola que ele ensina.

Essas ações foram feitas após a recepção positiva de colegas de profissão que comentaram no perfil de Anderson perguntando onde as paródias estavam disponíveis, pois tinham interesse em usar o conteúdo em suas respectivas turmas. 

Letras de rap e funk, que abordam vivências próprias da periferia, ajudam o professor Anderson a manter suas turmas engajadas com o conteúdo em sala de aula(Foto: Acervo Pessoal/O POVO)
Foto: Acervo Pessoal/O POVO Letras de rap e funk, que abordam vivências próprias da periferia, ajudam o professor Anderson a manter suas turmas engajadas com o conteúdo em sala de aula

Questionado sobre a recepção de outros professores na escola em que ele ensina, Anderson diz que no começo houve um certo incômodo pelo barulho. Mas, ele sempre destaca que as músicas acontecem somente ao final das aulas.

Além disso, foi o vice-diretor da escola em que trabalha que levou para ele a caixinha de som que aparece no vídeo. Sobre a mudança na forma como suas paródias passaram a ser vistas, ele afirma: "Às vezes uma coisa que parece subversiva é revolucionária, mas isso só vai ser notado com o tempo."

"Infelizmente, a nossa sociedade só se atenta ao que é revolucionário quando as grandes mídias reconhecem essa revolução", analisa.

Com os virais, as críticas se transformaram em elogios e Anderson aproveitou para fomentar um debate sobre o papel do educador no contexto contemporâneo.

Com os celulares proibidos na sala de aula, resta aos professores estimularem os alunos a partir de metodologias alternativas, como a de Anderson, que realçam a importância de abordagens de ensino mais próximas da realidade vivida diariamente pelos alunos.

 

"O Brasil tem um jeito próprio tanto de ensinar quanto de aprender. Então penso que a gente deveria olhar mais para dentro e menos para fora. Por que a gente não reflete mais sobre Paulo Freire, sobre Carolina Maria de Jesus, que foi uma grande escritora periférica e não teve todo o acesso necessário à educação, mas escreveu um clássico da literatura? A gente deveria refletir mais sobre os escritos do Mano Brown, do Emicida, do Crioulo e da literatura periférica"

 

O professor defende que a educação brasileira precisa refletir mais sobre como a periferia se desenvolve em meio à sociedade e quais são as tendências na favela.

Para Anderson, é importante entender essas referências periféricas para se comunicar com o aluno e conseguir transmitir os conhecimentos necessários.

Ao final da aula, Anderson escreve a letra da paródia e repassa com seus alunos como um exercício para memorizar o conteúdo(Foto: Acervo Pessoal/O POVO)
Foto: Acervo Pessoal/O POVO Ao final da aula, Anderson escreve a letra da paródia e repassa com seus alunos como um exercício para memorizar o conteúdo

"O sentimento de ver meu trabalho viralizar nas redes sociais é um sentimento místico. É o sentimento de ver as ideias de uma revolução se concretizando, porque a partir do momento que milhões de pessoas têm acesso ao conhecimento, a gente pode dizer que está acontecendo uma revolução", descreve.

"E aí você percebe o quanto as pessoas estão ansiosas pelo conhecimento, como elas desejam ter acesso ao conhecimento numa linguagem popular."

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