Logo O POVO+
Acrobacias: enfrentando o medo de pernas para o ar
Comentar
Foto de Domitila Andrade
clique para exibir bio do colunista

Redatora de Capa e Farol do O POVO. Quadrinista e jornalista entusiasta de temas relacionados à saúde e bem-estar. Uma ex-sedentária em busca de se manter em movimento

Acrobacias: enfrentando o medo de pernas para o ar

Acrobacias aéreas exigiram força, coordenação e flexibilidade do meu corpo e a capacidade da minha mente de enfrentar o medo
Tipo Crônica
Comentar
Experiência em tecido acrobático — e contra o medo de altura (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Experiência em tecido acrobático — e contra o medo de altura

“Quando vi teu vídeo, fiquei com muita vontade de surfar também, mas morro de medo de mar”. Essa frase me rondou por dias. Surfe, bodyboard e natação em mar aberto foram algumas das práticas que já testei e, apesar da inabilidade natural de quem é iniciante em algo, nunca senti medo da braveza da água. À procura de entender esse sentimento de fascínio e pavor, esse desejo que esbarra no temor, vasculhei o que em mim replicaria isso.

Eu tenho muito medo de altura. Uma paúra irracional que não me deixa ver vídeos de desafios em coisas muito altas, estar ao ar livre em prédios de muitos andares, andar sobre pontes… E foi assim que inventei de fazer aulas de acrobacia aérea.

Como gosto de abraçar minhas contradições, sonho com um passeio de balão de ar quente, assisto encantada a vídeos de pessoas se enrolando em tecidos lá em cima, e o trapezista sempre foi o meu circense favorito. Parece que o encantamento e o medo são separados por uma linha muito tênue. Então, ignorei a pele arrepiando toda vez que comentava sobre a aula com alguém e fui me dependurar.

Acho que nunca fiquei tão feliz de ser iniciante em algo. Isso porque, como uma metáfora das coisas que valem a pena na vida, para fazer acrobacia, você começa de baixo e vai galgando centímetro por centímetro de tecido, com o passar das aulas. Ou seja, não subi mais que dois metros nessa minha aventura. Ainda assim, compreendi o que é ter o medo se entremeando no que poderia ser só diversão.

A professor Lívia Soares (de cinza) com a aluna Kerolayne Nunes, 28
A professor Lívia Soares (de cinza) com a aluna Kerolayne Nunes, 28 Crédito: FÁBIO LIMA

As aulas aconteceram no Quintal Aéreo e quem guiou pacientemente minha escalada nos tecidos foi a Lívia Soares, co-diretora do espaço, professora de acrobacias e profissional de Educação Física. A aula começa com um aquecimento com foco nos membros superiores e abdômen, para preparar para o que vem a seguir. Lívia me entregou o tecido e me instou a conhecê-lo, puxar, entender a elasticidade, tentar me segurar sem os pés no chão.

Ela me ensinou quatro possibilidades de acrobacias iniciais, para que eu fosse me habituando. Um mortal para trás amparada pelo tecido (e por ela); uma subida com o auxílio de uma trança com alguns movimentos, inclusive um de cabeça para baixo; um com um nó que parece um calço em um dos pés, em que me lancei em um pequeno voo a 40 cm do colchão; e uma subida de corda.

FORTALEZA-CE, BRASIL,07.11.2025: Experiência em tecido acrobático. Coluna Esportes - Domitila.  (Fotos: Fabio Lima/OPOVO)
FORTALEZA-CE, BRASIL,07.11.2025: Experiência em tecido acrobático. Coluna Esportes - Domitila. (Fotos: Fabio Lima/OPOVO) Crédito: FÁBIO LIMA

Nesta última, mesmo com o colchão logo abaixo de mim, senti vertigem e um nervosismo que não me é habitual. Sinto que, diferentemente de outras experiências, em que meu foco se fixava em ouvir e replicar o que os professores me ensinavam, ali, minha atenção se dividia: metade ouvia e a outra metade lutava contra o medo.

A psicóloga clínica Monique Braz me lembra que o medo e a ansiedade não são sentimentos ruins. “Eles são desconfortáveis, mas eles são protetores, são biologicamente saudáveis, se não for em excesso. Eles servem para proteção e para a nossa existência”, pontua. Ela ressalta que, sim, é importante que nós enfrentemos os nossos medos e indica que seja um processo gradual de dessensibilização.

“O ideal é sistematizar esses medos em pequenos enfrentamentos. Enumerar de um a dez, por exemplo, do que você tem menos medo para o que você tem mais medo. E fazer isso lentamente”, ensina. Sistematizar esses desafios pode ir gerando a cada passo vencido as sensações de prazer, por se sentir capaz.

Além disso, é importante, no caso de atividades físicas, procurar sempre ambientes seguros e profissionais responsáveis para conduzir o aprendizado e a dessensibilização. “Se chega com medo, a gente vai devagarzinho, cada um no seu tempo. E os riscos aqui são mitigados. É de fundamental importância que você se desafie se sentindo seguro. A vontade de aprender é o principal, mas é preciso que você se sinta amparado por essa experiência”, conta Lívia Soares.

Mesmo que eu tenha, com o perdão do trocadilho, me enrolado toda para repetir cada um dos exercícios nos tecidos, e que minha coordenação motora tenha estado ainda mais ausente, terminei as aulas com a sensação de que, ao enfrentar meu medo, reconheci a potência do meu corpo e estive com os olhos atentos, mas de coração aberto. Quem sabe um dia eu não pule de paraquedas?

Foto do Domitila Andrade

Saúde. Bem-estar. Rotina. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?